Ela não está segurando um rottweiler
Leitores gostam de saber como são as entranhas das redações. Muitas vezes, eles têm uma ideia distante da realidade.
Então
vou escrever mais um texto sobre isso, baseado numa troca de tuítes que
tive hoje com Barbara Gancia, colunista da Folha e integrante do grupo
do programa Saia Justa.
Barbara disse algo mais ou menos assim: “A pergunta não é por que Dirceu está preso, mas por que Palocci não está.”
Eu retruquei: “A pergunta é por que a Folha não cobre a sonegação da Globo.”
Falei isso, mas poderia ter dito centenas de coisas.
Para
lembrar, fiz a mesma pergunta para o editor executivo da Folha, Sérgio
Dávila, pelo Facebook. A Globo acabara de admitir, em nota, um problema
extraordinário com a Receita Federal, depois que o site Cafezinho
publicou documentos vazados que mostravam que a empresa fora flagrada ao
trapacear na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.
Repito:
trapaça. Golpe. A Receita viu que a Globo tentara passar por
investimentos no exterior – num paraíso fiscal, aliás – a compra para
sonegar o imposto devido.
A
multa da Receita, em dinheiro de 2006, era de 615 milhões de reais.
São, apenas para efeitos de comparações, seis Mensalões. Em dinheiro de
hoje, seria mais ou menos 1 billhão, ou 10 M, se adotarmos a moeda do
mensalão como equivalente a 100 milhões.
Vi
que o UOL fora atrás da Globo e extraíra uma admissão do caso. E
perguntei a Dávila se aquilo não era assunto para Folha, “um jornal a
serviço do Brasil”.
Não
me lembro o teor de sua resposta precisamente, mas, como bom
jornalista, ele reconheceu que sim. Um ou dois dias depois, saiu uma
nota na Folha, motivada pela minha pergunta, provavelmente.
E
depois não saiu mais nada. Nem mesmo quando se soube que uma
funcionária da Receita fora presa – e liberada por Gilmar Mendes, por
coincidência – por tentar destruir fisicamente as evidências da dívida.
Veja:
só a Globo lucrava com a destruição. (Fora, é verdade, a destruidora,
que dificilmente estaria agindo por amor irrestrito à família Marinho.)
Tudo
isso não bastou para convencer a Folha – ou a Veja, ou outras mídias
amigas – a investigar um caso de enorme interesse nacional.
Na
internet, depois que a Globo alegou ter pagado a dívida, algo que a
fonte da Receita negou perempetoriamente, surgiu uma campanha: “Mostra a
Darf”. Mostre o recibo, em linguagem corrente.
A Globo jamais mostrou.
O
que aconteceu? Dávila – que por alguns anos foi colega meu de Abril –
provavelmente recebeu um aviso de seu chefe, Frias. Que, muito
provavelmente, recebeu um aviso de seus sócios, os Marinhos. (Eles
dividem a propriedade do jornal Valor Econômico.)
É
assim que as coisas funcionam, e é por isso que a sociedade tem que
abençoar a aparição da internet, como forma de ter acesso a informações
que os amigos proprietários das empresas de jornalismo não querem que se
tornem públicas.
Na troca de tuítes de hoje, perguntei a Barbara Gancia por que ela, sendo uma colunista tão destemida, jamais falara no caso.
E então ela se saiu com essa: “Em 30 anos de coluna JAMAIS fui censurada.”
Pausa para rir.
Jamais
é censurado quem jamais escreve alguma coisa que incomode o patrão. No
próprio Twitter, alguém fez a analogia: “Reinaldo Azevedo diz que jamais
foi censurado na Veja. É porque ele jamais escreveu algo que os Civitas
não queriam que fosse escrito.”
Disse
a Barbara que sabia como eram as coisas, uma vez que trabalhara anos na
Abril e na Globo. “Deve ter sido no almoxarifado”, disse ela.
Bem,
no almoxarifado que me coube como diretor de redação da Exame, nos anos
1990, encomendei a um excelente repórter, José Fucs, uma capa sobre os
Safras.
Era
uma capa estritamente jornalística. Falava dos bastidores de um dos
bancos mais falados – para o bem ou para o mal – do mundo.
Fucs realizou um trabalho brilhante. Entrevistou, ao longo de meses, dezenas de executivos e ex-executivos do Safra.
A
matéria já estava pronta para ir para a gráfica quando Roberto Civita
pediu para lê-la. Era algo que ele nunca fazia, na Exame.
O
texto jamais retornou. Os Safras eram credores da Abril, e um deles
ligou para Roberto Civita pedindo que a matéria não saísse.
Não saiu.
Na
Globo, onde trabalhei no almoxarifado da diretoria editorial das
revistas, encomendei certa vez uma matéria sobre Jorge Paulo Lemann para
a revista Época Negócios.
O
repórter estava fazendo as entrevistas quando João Roberto Marinho, que
cuida da parte editorial das Organizações Globo, me procurou. Ele
recebera um telefonema de Lemann, que queria garantias de que a
reportagem seria positiva.
É assim que funcionam as coisas nas empresas de mídia. Você só não é censurado quando não escreve nada que incomode.
Barbara Gancia terminou a conversa avisando que iria fazer massagem. Me acusou, antes, de ser “esquerdista radical”.
Fora Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo, e agora Barbara Gancia, ninguém me chamou de “esquerdista radical” em minha carreira.
Sou
radical na defesa de um Brasil Escandinavo, sabem os que me conhecem.
Mas vinda a acusação de onde vem, tomo-a com alegria: estou combatendo o
bom combate.
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