Penas para todo lado
Por Luciano Martins Costa em 21/11/2013 na edição 773
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 21/11/2013
O jornal O Estado de S.Paulo rompe a barreira do silêncio e
vincula, pela primeira vez desde que o assunto veio à tona, o caso do
cartel no sistema de transporte por trilhos na capital paulista a
políticos do PSDB, do PPS e do Partido Democratas. A notícia está no
alto da primeira página, na edição de quinta-feira (21/11): “Ex-diretor
da Siemens envolve políticos com cartel”, diz o título. A fonte da
informação é um relatório entregue há sete meses por um ex-executivo da
empresa suíça ao Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Num dos trechos reproduzidos pelo jornal, o autor da denúncia afirma
possuir “documentos (originais) que provam a existência de um forte
esquema de corrupção no estado de São Paulo durante os governos Covas,
Alckmin e Serra e que tinha como objetivo principal o abastecimento do
'caixa dois' do PSDB e do DEM”.
O relatório foi produzido em meio a negociações do autor, que
participava do acordo entre a Siemens e o Cade, pelo qual a
multinacional ajudaria a investigar o esquema de cartel em obras e
serviços de manutenção do metrô e dos trens metropolitanos de São Paulo e
do Distrito Federal.
O ex-diretor da Siemens recebeu orientação de um deputado do Partido
dos Trabalhadores, fato que é destacado pelo jornal no meio da
reportagem, o que pode gerar controvérsias sobre intenções dos
protagonistas, mas não altera o teor explosivo dos documentos.
A Siemens tinha interesse em ver investigado o caso de cartel porque
corria o risco de vir a ser prejudicada em futuros negócios com
governos, não apenas no Brasil. O executivo, apontado como o principal
informante no acordo de leniência, pretendia ajudar a empresa e ao mesmo
tempo negociava um emprego na Vale, pois depois do processo ficaria mal
visto no mercado. Seu relatório, se levado às últimas consequências
como foi o caso da Ação Penal 470, vai espalhar penas (judiciais) por
todo lado.
A teoria do domínio do fato
A edição do Estado de quinta-feira (21) é um marco significativo
na história das coberturas de casos de corrupção pela imprensa
brasileira. O jornal assume que se trata do “primeiro documento oficial
que vem a público que faz referência a supostas propinas pagas a
políticos ligados a governos tucanos”. Até então, observa o jornal
paulista, o Ministério Público e a Polícia Federal apontavam suspeitas
de corrupção que envolviam apenas ex-diretores de estatais, como a
Companhia Paulista de Trens Metropolitanos.
Como o relatório do ex-diretor da Siemens foi entregue ao Cade em abril, é possível que outros jornais, como a Folha de S.Paulo,
também já tivessem conhecimento de seu conteúdo. Agora, toda a imprensa
está obrigada e retomar a cobertura do escândalo a partir do ponto
definido pela revelação do Estado.
Não se trata mais, portanto, de um caso de cartel, mas de um dos mais
graves esquemas de corrupção da política brasileira, cujas consequências
podem ser observadas diariamente nos trens lotados, nos
congestionamentos de trânsito e nas carências da infraestrutura de
transportes na região da capital paulista. Some-se a essa revelação o
caso do esquema de propinas que desviou quase meio bilhão de reais dos
cofres da prefeitura paulistana na última década e temos um quadro de
sonhos para os jornalistas com apetite para a investigação.
Certamente há influências políticas e interesses do PT no Cade, como já
foi fartamente explorado pelos jornais, mas isso não impediu a imprensa
de explorar obstinadamente outros escândalos, quando os papéis estavam
trocados.
O relatório divulgado pelo Estado de S.Paulo cita explicitamente
o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), os secretários estaduais
José Aníbal, Jurandir Fernandes, Edson Aparecido e Rodrigo Garcia, além
do deputado federal Arnaldo Jardim (PPS), o ex-governador do Distrito
Federal José Roberto Arruda (DEM) e o atual vice-governador, Tadeu
Filipelli (PMDB). “Além de envolver muitos projetos e dezenas de
pessoas, o esquema de corrupção se estende por um longo período”, diz o
relatório, segundo o jornal paulista.
Agora, o leitor e leitora atentos esperam que a imprensa aplique ao
caso algumas das teses consagradas recentemente pelo Supremo Tribunal
Federal, como o princípio do domínio do fato, e acompanhar a
consolidação de “uma nova era na democracia brasileira – a Era dos
Corruptos na Cadeia”, como anunciou a revista Época em sua última edição.
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