Deu no ‘New York Times’
Por Luciano Martins Costa em 15/11/2013 na edição 772
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 15/11/2013
“Suíça pode criar renda mínima de R$ 6,3 mil”.
A notícia, publicada na edição de sexta-feira (15/11) do Estado de S. Paulo, é a versão traduzida de um texto da jornalista especializada em política econômica Annie Lowrey, que escreve no New York Times.
Na
linha fina que sustenta o título, o jornal afirma: “Programas
assistenciais tipo Bolsa Família são cada vez mais debatidos em todo o
mundo”. A seguir, relatos de experiências desse tipo feitas em países
ricos e opiniões de economistas sobre os resultados dessas ações
sociais.
Agora,
sugerimos que o prezado leitor e a leitora atenta tentem se recordar de
como a imprensa brasileira tratou, desde o início, os programas sociais
de distribuição de renda adotados pelo governo do ex-presidente Lula da
Silva. Expressões como “bolsa-esmola” e “incentivo para a vagabundagem”
ainda podem ser apreciadas em artigos e reportagens publicados a partir
de 2003, quando a prática de combater a miséria com a concessão de
renda virou política pública.
Depois
de passar anos condenando o programa, a imprensa se convenceu de seus
resultados e passou a cobrar uma “porta de saída” para os beneficiários e
“adequações” do sistema. Ainda no ano passado, oGlobo publicava
ampla reportagem na qual fazia uma avaliação dos benefícios da injeção
de dinheiro nas famílias pobres, reconhecendo como efeitos colaterais
alguns dos resultados previstos ainda no lançamento do projeto: drástica
redução do trabalho infantil, aumento da escolaridade nas regiões
beneficiadas, diminuição da violência familiar e novo protagonismo da
mulher.
Ao
cobrar “aperfeiçoamentos”, o jornal citava o caso de uma faxineira, do
Piauí, que rejeitou um emprego de babá porque preferia continuar com
seus próprio filhos, sustentada pelo dinheiro do governo. O Globoapresentava
essa história como crítica ao programa, como exemplo de que em alguns
casos os beneficiários prefeririam não trabalhar fora, com medo de
perder a renda mínima.
E
é justamente nesse ponto que se revela a miopia social da imprensa
brasileira: ao escolher ficar com seus próprios filhos, a mulher citada
na reportagem estava justamente realizando o propósito do projeto
social, ou seja, procurava assegurar com sua presença que os filhos
fossem à escola. Se fosse cuidar dos filhos da patroa, certamente
ganharia mais dinheiro, mas quem cuidaria de suas próprias crianças?
Pobres países ricos
A reportagem do New York Times, reproduzida pelo Estado de S. Paulo,
observa que a crise nos países ricos está estimulando debates sobre a
ideia de prover uma renda básica para famílias em dificuldades,
principalmente para os jovens que não encontram emprego (ver aqui o texto original em inglês).
O
caso da Suíça é emblemático: lá, uma campanha defende a concessão de um
cheque mensal de 2.500 francos suíços – o equivalente a R$ 6.348 – a
cada cidadão, rico ou pobre, idoso ou jovem, esteja ou não empregado.
Como resultado imediato, a pobreza desapareceria completamente. A
proposta é de um artista nascido na Alemanha, mas, segundo o texto, está
mobilizando a sociedade e provoca grande debate entre economistas.
Mesmo
nos Estados Unidos, pátria do liberalismo econômico, a discussão
mobiliza as forças políticas de todos os matizes, mas praticamente já
não se questiona a conveniência de programas de assistência: a
controvérsia gira em torno do modelo mais adequado, se a renda básica
será proporcionada por um programa de seguridade social expandido ou
pela simples entrega de dinheiro, sem nenhuma obrigação em troca. Daí a
uma ação internacional para o resgate da África, por exemplo, o caminho
fica mais curto.
Uma
pesquisa feita no Canadá e citada pelo jornal observa que a experiência
de doação pura e simples de um salário mínimo a todos os cidadãos de
uma pequena cidade durante um curto período conseguiu eliminar a
pobreza, os índices de conclusão do ensino médio subiram e o número de
pessoas hospitalizadas, caiu. O estudo projeta resultados mais amplos,
demonstrando que uma política de renda básica não produz uma sociedade
ociosa, como diziam os jornais brasileiros.
Programas
de incentivo à base de transferência de renda vinham sendo
experimentados no Brasil desde 1994, em Campinas, e acoplados a planos
de educação, como aconteceu em 1995 em Brasília, durante o governo do
hoje senador Cristovam Buarque. Mas foi o ex-presidente Lula da Silva
que transformou essa ideia em política nacional, sob o nome de
Bolsa-Família.
A reação da imprensa foi o que se viu.
Passados
dez anos, o Brasil produziu o fenômeno da mobilidade social, milhões de
cidadãos foram resgatados da miséria, muitos celebram o ingresso de
seus filhos na universidade, os pobres aprenderam o que é autoestima, e
países ricos pensam em aplicar a mesma receita para reduzir os danos do
capitalismo especulativo.
Agora os jornais brasileiros não falam mais em “bolsa-esmola”.
É que deu no New York Times.
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