A descarada defesa da Constituição feita por FHCby Paulo Nogueira |
Quando me lembro de algumas coisas que disse, sinto inveja dos mudos, escreveu Sêneca, o grande estoico.
Pensei nisso quando li a absurda declaração de FHC sobre a prisão dos condenados do Mensalão.
Foram palavras cínicas, falaciosas, abjetas, cruéis – enfim, uma declaração inteiramente apropriada à reflexão de Sêneca.
FHC
cresceria se tivesse uma única palavra de conforto para a família de
Genoino, por exemplo. Mas não: ele pareceu um Joaquim Barbosa sem toga
mas com a mesma inclemência brutal.
Dizer
que os réus descumpriram a Constituição é particularmente chocante
quando se sabe que FHC só pôde ter seu segundo mandato porque o dinheiro
comprou no Congresso os votos necessários para mudar a Constituição.
O
então deputado do Acre Narciso Mendes contou tudo à Folha, que o tratou
como “Senhor X”. Mendes, hoje com 67 anos, recebeu 200 000 reais, como
muitos de seus colegas. Em dinheiro de hoje, é cerca de 530 000 reais.
Todo
mundo sabia quem era o “Senhor X”, mas isso não estimulou nenhuma
empresa de mídia a ir atrás de uma história simplesmente sensacional de
corrupção.
O motivo é que FHC era amigo.
Quase
que na mesma época, ele apareceu numa foto ao lado de Roberto Marinho
para comemorar a inauguração de uma gráfica com a qual RM imaginava que
fosse imprimir mais de 1 milhão de exemplares do Globo.
A
despeito da fortuna pessoal de Roberto Marinho e do dinheiro que
jorrava torrencialmente em direção à Globo, a gráfica foi financiada com
recursos públicos do BNDES.
As
companhias de mídia – beneficiadas ainda hoje por um regime de reserva
de mercado – sempre foram malgeridas por famílias acostumadas a fazer
lucro por formas mais fáceis que o trabalho duro e arriscado no estilo
de Murdoch. Mas o Estado sempre as tratou como filhas diletas e mimadas.
Pelas mamatas dadas às companhias jornalísticas, FHC foi recompensado pelo silêncio delas no caso do “Senhor X”.
Mas
os livros de história, que não serão escritos pelos Mervais nem pelos
Jabores, e muito menos pelos Azevedos, dirão, objetivamente, que FHC
comprou uma nova Constituição para poder se reeleger.
Narciso
Mendes aparece num livro recente do jornalista Palmério Dória. Nele,
Mendes repete o que é amplamente sabido: todo mundo sabia que ele era o
“Senhor X”.
Admito
até que, pragmaticamente, FHC diga que as circunstâncias da época
forçaram a compra de votos. Ele poderia dizer que é bom, para o Brasil,
que um presidente possa ter dois mandatos, e que as malas de dinheiro
foram a única maneira de conseguir isso.
Mas
é inadmissível, mais, é intolerável que ele, agora, lance acusações em
nome de uma Constituição que ele comprou como se estivesse num lupanar.
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