Pobre do país em que o presidente do STF é um homem(?!?) que tem em seu currículo uma agressão física praticada contra a própria esposa! ( Revista Veja de 14/05/2003 )
Tânia Franco
O espetáculo da revanche torpe
Novo capítulo exibe cenas que reacendem o arbítrio em julgamento de viés político e ambições ocultas.
Não tenho nada a ver com o peixe, não sou petista, nem simpatizante, não participo, nem nunca participei do governo dessa coligação heterogênea, mas não posso calar diante do circo montado em pleno feriado nacional, tendo como protagonista um ministro do STF que só saiu do anonimato e chegou lá por que o ex-presidente Lula quis fazer um carinho político aos afro-descendentes. E que agora cismou de ser a alternativa dos órfãos da ditadura e do império decadente.
Não posso calar por que toda a espetaculosidade dessas prisões só serve para induzir à cidadania mal informada à ideia de que finalmente os corruptos estão indo para a cadeia, justo na hora em que certos desvios de conduta transpõem à fronteira, como no caso dos trens e metrôs de São Paulo, onde um dos envolvidos foi condenado na Suíça, embora aqui permaneça impune, em meio a denúncias de que todos os pilares da Justiça brasileira, inclusive o Ministério Público, foram lentos e indolentes diante dessa roubalheira que atravessou três governos tucanos e somou mais do que bilhões.
Tudo nesse julgamento do Supremo cheira mal, independente do verniz que o escândalo ganhou já na fase de sua CPI, quando se calculava que seria bastante para levar Lula à renúncia ou tornar inviável sua reeleição. Depois, pensava-se que o bombástico julgamento no ano eleitoral de 2012 iria recuperar alguma coisa para a direita e adjacentes. Aconteceu o contrário.
Agora, em nome de um torniquete que resgata para humilhar os encarcerados, esse senhor dos anéis exibe o arbítrio ao desrespeitar as próprias sentenças mantendo trancafiados alguns condenados ao regime semiaberto. E o mundo jurídico até o momento permanece calado, temente da torrente midiática.
Não posso deixar essa maquinação passar em branco por que cada um dos seus capítulos parece urdido sob as piores intenções e movido pelos ranços mais odientos, de onde o jogo de cena produzido em laboratórios de alto teor conspirativo.
Sinceramente, precisava o presidente do Supremo emitir as ordens de prisão às quatro da tarde de um feriado de sexta-feira, quando o próprio havia agendado tais providências para o primeiro dia últil seguinte? Por que esse tom de ataque-surpresa, como se todos teriam fugido não fosse assim? Que urgência lhe ocorreu no ato que se perpetrou em sintonia com toda a mídia, devidamente agraciada num dia de pauta morta e ainda sob os efeitos emocionais da volta consagradora do ex-presidente João Goulart à Brasília, ainda que em urna mortuária?
Não estou aqui para derramar lágrimas pelos presos, nem para declará-los inocentes, embora como cidadão no exercício da expectativa do direito lamente profundamente o ritual de um julgamento em uma única instância, ferindo a regra pétrea do duplo grau de jurisdição, que assegura a todos a faculdade do recurso, prática que está sendo observada numa lentidão ostensiva no caso de Minas Gerais, onde o governador tucano Eduardo Azeredo teria se beneficiado anteriormente do mesmo expediente que levou ao escândalo de Brasília.
Tenho todas as razões do mundo para ver nessa movimentação cinematográfica exacerbada pela mídia segundas e terceiras intenções que permitem todo tipo de ilação: desde o super-dimensionamento como forma de escamotear as centenas de evidências de corrupção em outras áreas, como esse caso de São Paulo, que põe á vista a ação corruptora das construtoras de todo o país, poderosas fontes de propinas que seriam penalizadas se as investigações no caso dos fiscais do ISS tiverem o aprofundamento exigido, até a revanche visceral de uma direita moribunda que já não tem como retomar o poder dentro da normalidade democrática.
Uma revanche insidiosa que visa atingir muito mais a Lula, Dilma, o PT, as esquerdas e a própria democracia, num manobra torpe e desatinada.
Essa mesma cúpula do Poder Judiciário já nos agrediu com a impunidade do banqueiro Daniel Dantas, veementemente liberado duas vezes pelo ministro Gilmar Mendes, numa pressão implacável sobre o juiz Fausto De Sanctis, com a desautorização da "Operação Castelo de Areia", que pegou os donos das grandes construtoras com a mão na massa, mas foi para a prateleira sob a alegação de que teria havido escuta não autorizada.
Se querem mesmo vasculhar e punir os atos ilícitos contra a economia e os cofres públicos, bem que poderiam ir fundo nessas falências fraudulentas, essa evasão de dinheiro de empresas para paraísos fiscais, a sonegação crônica de impostos e, por que não dizer, a indústria de sentenças e liminares de um judiciário que se considera intocável, sujeito apenas a corretivos leves como aposentadoria compulsória.
Poderia dizer simplesmente que esse poder está devendo ao país o mesmo rigor em tantos outros casos, como o que envolve figuras manjadas como Paulo Maluf, mas vou além: não posso aceitar, como não aceita o Pacto Interamericano dos Direitos Humanos de San José, que uma única instância, por mais excelsa que se considere, tenha super-poderes judicantes. Nem na ditadura militar, por mais atrelada que tenha sido a Justiça, o réu deixou de ter direito a julgamento em mais de uma instância.
Em sendo assim, tenho razões para supor que esse processo não passou de uma peça política de múltiplas facetas, atrelada a um calendário do interesse pessoal de alguém que hoje povoa o imaginário revanchista e compensa as angústias de uma direita órfã desde o fim do ciclo dos generais.
É tudo muito feio nessa sequência de episódios midiáticos. Nada está acontecendo por acaso, sem nexos com um contexto continental marcado pelo fortalecimento de forças que não rezam pela velha cartilha, até por que o próprio centro de poder, que já não investe na Escola (militar) das Américas como entreposto de golpistas, que já leva mais fé nos políticos de negócios, atravessa sua própria agonia sem saber onde vai chegar.
Mas que ainda não perdeu suas ambições de domínio e sua capacidade de xeretar e fuxicar na eterna guerra fria que encobre seus interesses insaciáveis
Tânia Franco
O espetáculo da revanche torpe
Novo capítulo exibe cenas que reacendem o arbítrio em julgamento de viés político e ambições ocultas.
Não tenho nada a ver com o peixe, não sou petista, nem simpatizante, não participo, nem nunca participei do governo dessa coligação heterogênea, mas não posso calar diante do circo montado em pleno feriado nacional, tendo como protagonista um ministro do STF que só saiu do anonimato e chegou lá por que o ex-presidente Lula quis fazer um carinho político aos afro-descendentes. E que agora cismou de ser a alternativa dos órfãos da ditadura e do império decadente.
Não posso calar por que toda a espetaculosidade dessas prisões só serve para induzir à cidadania mal informada à ideia de que finalmente os corruptos estão indo para a cadeia, justo na hora em que certos desvios de conduta transpõem à fronteira, como no caso dos trens e metrôs de São Paulo, onde um dos envolvidos foi condenado na Suíça, embora aqui permaneça impune, em meio a denúncias de que todos os pilares da Justiça brasileira, inclusive o Ministério Público, foram lentos e indolentes diante dessa roubalheira que atravessou três governos tucanos e somou mais do que bilhões.
Tudo nesse julgamento do Supremo cheira mal, independente do verniz que o escândalo ganhou já na fase de sua CPI, quando se calculava que seria bastante para levar Lula à renúncia ou tornar inviável sua reeleição. Depois, pensava-se que o bombástico julgamento no ano eleitoral de 2012 iria recuperar alguma coisa para a direita e adjacentes. Aconteceu o contrário.
Agora, em nome de um torniquete que resgata para humilhar os encarcerados, esse senhor dos anéis exibe o arbítrio ao desrespeitar as próprias sentenças mantendo trancafiados alguns condenados ao regime semiaberto. E o mundo jurídico até o momento permanece calado, temente da torrente midiática.
Não posso deixar essa maquinação passar em branco por que cada um dos seus capítulos parece urdido sob as piores intenções e movido pelos ranços mais odientos, de onde o jogo de cena produzido em laboratórios de alto teor conspirativo.
Sinceramente, precisava o presidente do Supremo emitir as ordens de prisão às quatro da tarde de um feriado de sexta-feira, quando o próprio havia agendado tais providências para o primeiro dia últil seguinte? Por que esse tom de ataque-surpresa, como se todos teriam fugido não fosse assim? Que urgência lhe ocorreu no ato que se perpetrou em sintonia com toda a mídia, devidamente agraciada num dia de pauta morta e ainda sob os efeitos emocionais da volta consagradora do ex-presidente João Goulart à Brasília, ainda que em urna mortuária?
Não estou aqui para derramar lágrimas pelos presos, nem para declará-los inocentes, embora como cidadão no exercício da expectativa do direito lamente profundamente o ritual de um julgamento em uma única instância, ferindo a regra pétrea do duplo grau de jurisdição, que assegura a todos a faculdade do recurso, prática que está sendo observada numa lentidão ostensiva no caso de Minas Gerais, onde o governador tucano Eduardo Azeredo teria se beneficiado anteriormente do mesmo expediente que levou ao escândalo de Brasília.
Tenho todas as razões do mundo para ver nessa movimentação cinematográfica exacerbada pela mídia segundas e terceiras intenções que permitem todo tipo de ilação: desde o super-dimensionamento como forma de escamotear as centenas de evidências de corrupção em outras áreas, como esse caso de São Paulo, que põe á vista a ação corruptora das construtoras de todo o país, poderosas fontes de propinas que seriam penalizadas se as investigações no caso dos fiscais do ISS tiverem o aprofundamento exigido, até a revanche visceral de uma direita moribunda que já não tem como retomar o poder dentro da normalidade democrática.
Uma revanche insidiosa que visa atingir muito mais a Lula, Dilma, o PT, as esquerdas e a própria democracia, num manobra torpe e desatinada.
Essa mesma cúpula do Poder Judiciário já nos agrediu com a impunidade do banqueiro Daniel Dantas, veementemente liberado duas vezes pelo ministro Gilmar Mendes, numa pressão implacável sobre o juiz Fausto De Sanctis, com a desautorização da "Operação Castelo de Areia", que pegou os donos das grandes construtoras com a mão na massa, mas foi para a prateleira sob a alegação de que teria havido escuta não autorizada.
Se querem mesmo vasculhar e punir os atos ilícitos contra a economia e os cofres públicos, bem que poderiam ir fundo nessas falências fraudulentas, essa evasão de dinheiro de empresas para paraísos fiscais, a sonegação crônica de impostos e, por que não dizer, a indústria de sentenças e liminares de um judiciário que se considera intocável, sujeito apenas a corretivos leves como aposentadoria compulsória.
Poderia dizer simplesmente que esse poder está devendo ao país o mesmo rigor em tantos outros casos, como o que envolve figuras manjadas como Paulo Maluf, mas vou além: não posso aceitar, como não aceita o Pacto Interamericano dos Direitos Humanos de San José, que uma única instância, por mais excelsa que se considere, tenha super-poderes judicantes. Nem na ditadura militar, por mais atrelada que tenha sido a Justiça, o réu deixou de ter direito a julgamento em mais de uma instância.
Em sendo assim, tenho razões para supor que esse processo não passou de uma peça política de múltiplas facetas, atrelada a um calendário do interesse pessoal de alguém que hoje povoa o imaginário revanchista e compensa as angústias de uma direita órfã desde o fim do ciclo dos generais.
É tudo muito feio nessa sequência de episódios midiáticos. Nada está acontecendo por acaso, sem nexos com um contexto continental marcado pelo fortalecimento de forças que não rezam pela velha cartilha, até por que o próprio centro de poder, que já não investe na Escola (militar) das Américas como entreposto de golpistas, que já leva mais fé nos políticos de negócios, atravessa sua própria agonia sem saber onde vai chegar.
Mas que ainda não perdeu suas ambições de domínio e sua capacidade de xeretar e fuxicar na eterna guerra fria que encobre seus interesses insaciáveis
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