Quando março chegar
A ida dos presos para cadeias injustificáveis em Brasília proporcionou um espetáculo de marketing
Na conturbada sessão do Supremo Tribunal Federal de quarta passada,
quando decididas as prisões do mensalão sem esperar pelo fim dos
recursos de defesa, um dos vários incidentes surgiu e repicou
insistentemente sem sequer indício de algo que o explicasse. A
ocorrência das prisões no 15 de novembro não só o explicou, como
explicou muito mais. E com mais importância.
Já a antecipação das prisões entrava em discussão. Ricardo Lewandowski
ponderou que, tendo o procurador-geral da República entrado com novo
documento no processo, do qual o ministro recebera cópia e notara o
despacho "Junte-se" assinado por Joaquim Barbosa, cabia à defesa
pronunciar-se a respeito. Marco Aurélio Mello endossou de pronto a
ponderação, pronunciamento de uma parte chama o da outra. O documento
propunha as prisões imediatas.
Joaquim Barbosa desfechou, com raiva, um ataque súbito ao
procurador-geral Rodrigo Janot, sentado à sua direita, por lhe mandar o
documento na véspera, o qual nem ao menos lera antes de despachar. Do
seu teor só tomava conhecimento ali, naquela hora.
Não precisaria dizer, aqui, que Marco Aurélio Mello se esbaldou em
gozações ao presidente do tribunal que confessava assinar e despachar
documentos sem os ler. Barbosa repetiu, e repetiu mais, o ataque à
atitude de Janot, no entanto adotada com perfeita formalidade e no seu
direito funcional.
Também não precisaria dizer que Joaquim Barbosa atropelou a ponderação
sobre um direito de defesa e um dever de juízo, e aparentemente foi
acompanhado pela maioria (com a intensidade da balbúrdia, o presidente
não conseguiu formular o sentido e a forma da decisão do tribunal;
adiou-a, e não a expôs na sessão seguinte).
Mas toda a crítica raivosa, que o procurador-geral Rodrigo Janot ouviu
como um soldado ao tenentinho que experimenta o seu recente poder de
humilhar, ficou explicada no feriado. Já em meio à exaltação com Marco
Aurélio e Janot, aliás, Joaquim Barbosa dissera que já tinha preparada a
medida quando o procurador-geral a pedira. Mas, na sessão, isso não
pareceu importante porque nada levava a prever-se a intenção de Joaquim
Barbosa de determinar as prisões para 15 de novembro.
Claro, com seu pedido, o procurador-geral pôs-se na iminência de se
apropriar das prisões e dos efeitos promocionais decorrentes de
providenciá-las. Mesmo não sendo esse o propósito de Rodrigo Janot, foi
até manchete de primeira página com o que pedia. A intenção marqueteira
pulou-lhe na garganta.
A ida dos presos de São Paulo, Belo Horizonte e Goiânia, cidades de suas
residências, para cadeias injustificáveis em Brasília foi, mais do que
sem sentido, por isso mesmo sem amparo legal. Mas proporcionou um
espetáculo de marketing político extraordinário pelo alcance, social e
geográfico, e pela concentração precisa sobre o beneficiário. Se apenas
para colher palmas em lugares públicos ou para mais que isto, saberemos
quando março encerrar o prazo especial de inscrições
partidárias-eleitorais. Mas a convicção de que não será preciso esperar
até lá, com as indicações dadas pelo espetáculo fabricado para o 15 de
novembro, já supera as prisões como assunto na política.
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