Até uma criança foi usada no linchamento moral de Genoino
Está na história dos grandes momentos da resistência brasileira à brutalidade uma ação do advogado Sobral Pinto.
Na
defesa de um preso político chamado Harry Berger, no pior período da
era Getúlio Vargas, Sobral invocou a Lei de Proteção dos Animais.
Berger,
preso sob um vão de escada, era impedido sistematicamente de dormir.
Seus torturadores mantinham enfiado em sua uretra um arame cuja outra
extremidade ficava em brasa. A despeito do esforço épico, heroico de
Sobral, Berger enlouqueceu na prisão.
Me
pergunto se o advogado de Genoino não deveria invocar a Lei de Proteção
de Animais em favor de seu cliente, como Sobral Pinto fez.
Me
pergunto, também, se vamos assistir de braços cruzados à carnificina
psicológica de que Genoino vem sendo vítima há muito tempo, agravada
recentemente pela truculência de Joaquim Barbosa.
A sociedade vai dar um basta – sobretudo a JB -- quando Genoino enlouquecer como Harry Berger ou, simplesmente, morrer?
Alguém me perguntou: Genoino é bandido ou mocinho no enredo do Mensalão?
Minha resposta: nem uma coisa nem outra. Ele é, simplesmente, um injustiçado, como os demais reus.
O Mensalão é o equivalente ao Mar de Lama com que a direita levou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954.
É
o “combate à corrupção” sendo usado da forma mais descarada, mais
cínica e mais selvagem. Lembremos que Jango também tombou sob o “combate
à corrupção”, em 1964.
O
PT, é certo, se comportou ali, no Mensalão, como os demais partidos – a
começar pelo PSDB – cuja ética ele tanto criticara antes de chegar ao
poder.
Dinheiro
que sobrara de campanha – importante: não era dinheiro público, ao
contrário do que tem sido tão propagado – foi usado para que
congressistas de outros partidos apoiassem iniciativas consideradas
relevantes do governo. Não é o caso de aplaudir -- mas muito menos para
dizer, numa mentira abjeta, que era "o maior escândalo de corrupção da
República".
A
aprovação de Lula – 80% no final de seu mandato – é o melhor indicador
de que as medidas, feitas todas as contas, eram afinal positivas para o
Brasil, no julgamento da voz rouca das ruas. Isso não elimina o fato de
que o PT errou -- e o erro foi especialmente dolorido porque o partido
prometera trazer uma ética rígida que não havia na política brasileira
-- mas ajuda a ver as coisas com mais clareza.
Em
circunstâncias normais, averiguadas as responsabilidades, a vida
seguiria e todos extrairiam as lições, a começar pelo PT. Mas não. A
direita viu nele a chance de repetir 1954 e 1964. A indignação era tão
fajuta quanto a de Lacerda nas duas ocasiões. Apenas os resultados foram
diferentes.
Se a indignação fosse genuína, ela teria se manifestado na compra de votos que permitiu a FHC um segundo mandato.
Sobral Pinto foi um gigante moral
Por
que a diferença de tratamento? Por que FHC e companheiros foram
poupados e sob Lula os acusados foram – a palavra é esta – massacrados?
A resposta mais simples é: porque FHC era e é amigo do chamado 1%, cuja voz é a mídia, notadamente a Globo e a Veja.
E
porque o 1% sempre quer tirar governos populares, como o de Getúlio e o
de Jango, para colocar seus representantes. E o argumento é,
invariavelmente, o mesmo: “corrupção”.
Nada
mais corrupto que o 1% -- a começar pelo fato de que para essa elite
predadora imposto é coisa para os pobres. Mas mesmo assim o 1% se
comporta como se fosse Catão.
Veja bem: Roberto Marinho no papel de Catão. Você tem aí uma dimensão da palhaçada.
Tudo,
no Mensalão, foi meticulosamente preparado pela direita. O número de 40
reus, por exemplo: foi feito para que se usasse a expressão “Ali Babá e
os 40 Ladrões”.
Para
a conta fechar, Gushiken foi incluído, e isso contribuiu decisivamente,
segundo relatos dos que o conheceram, para o avanço do câncer que o
mataria. Quando Gushiken foi retirado da lista, por não haver nada que
pudesse ser usado contra ele pelos carrascos, já era tarde.
A
data do julgamento foi escolhida para coincidir com as eleições de
2012. O brasileiro mostrou ter acordado: mesmo com o patético espetáculo
da mídia e do STF, Serra não se elegeu prefeito de São Paulo.
Num
debate, ele disse mais de uma vez a Haddad, seu desconhecido oponente:
“Você é amigo do Dirceu, não é?” Para Serra, este golpe sujo teria
efeito sobre os paulistanos. Deu no que deu.
O
Mensalão foi um mau passo do PT, é verdade. Mas a dimensão que se deu a
ele foi infinitamente acima da realidade. Daí a injustiça fundamental.
Isso
porque o objetivo não era moralizar coisa nenhuma. Era, simplesmente,
repetir o que fora feito com Getúlio e Jango. Tomar o poder por outros
meios que não as urnas.
O
impeachment contra Lula não foi adiante por dois motivos: primeiro, ao
contrário do que ocorre com Collor, a direita temia o poder de
mobilização do PT. Como reagiriam as centrais sindicais, por exemplo?
Parariam o país? A pressão popular em favor de Lula, deposto, faria que
se repetisse no Brasil o que ocorreu na Venezuela com Chávez?
Chávez
foi deposto pela direita num dia e, 48 horas, foi devolvido ao poder
pelo povo venezuelano cansado de sua elite vassala dos Estados Unidos.
A
segunda razão para que o impeachment de Lula não prosperasse é que não
havia militares aos quais recorrer, ao contrário de 1964. A ditadura
militar foi um fracasso tão espetacular que nem mesmo o mais reacionário
dos generais consideraria que no início dos anos 2 000 haveria qualquer
chance de apoio popular a um golpe à base de tanques.
No
meio desse enredo todo entra Genoino, vítima de um linchamento moral
intolerável. O infame programa CQC do ainda mais infame Marcelo Tas
chegou a usar uma criança para atormentar Genoino.
Que
ele fez? Ninguém sabe direito. Provavelmente nada. Com certeza muito
menos do que lhe atribuíram. Invocaram a Teoria do Domínio do Fato –
segundo a qual ele deveria saber das coisas -- para condená-lo.
Quem
comandou as acusações comprou de forma imoral um apartamento em Miami
que vale algumas vezes todo o patrimônio de Genoino, e usou 90 000 reais
do dinheiro do contribuinte para reformar os banheiros de seu
apartamento funcional.
Alguém,
em algum instante, falou em TDF para FHC? Ou ele se achava tão popular
no Congresso que deputadores e senadores correriam, alegres, para apoiar
um segundo mandato?
O
Mensalão foi extraordinariamente aumentado, pela combinação da mídia
com o STF, com finalidades inconfessáveis. Mas mesmo as cinzas de
Getúlio e Jango sabem que queriam que Lula se juntasse aos dois em mais
um golpe;
Essa ampliação fabricada acabou por custar caro particularmente a Genoino.
Ele
tem que ser salvo de seus carrascos enquanto é tempo. Nem que para isso
seja necessário invocar a Lei de Proteção de Animais, como fez Sobral
Pinto num gesto cuja grandeza é maior que as palavras que posso
empregar.
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