A civilização chinesa é extraordinariamente forte, e é por isso que o país será dominante.
E eis que a China conquista a liderança no comércio mundial.
A rigor, não é uma grande surpresa, considerados o crescimento chinês e o declínio americano dos últimos anos.
Como entender o fenômeno da China?
Uma
boa alternativa é ler “O Problema da China”, de Bertrand Russell, um
dos grandes intelectuais ingleses do início do século 20.
Dele li – e jamais me desfi em minhas periódicas arrumações na biblioteca – a História da Filosofia Ocidental, em três volumes.
“O
Problema da Índia” é um livro já com quase 100 anos – e estranhamente
oportuno e atual. É um livro ao mesmo tempo de viagem (Russell esteve na
China), de história e de filosofia.
Chamou
a atenção de Russell, nas conversas que teve com chineses, que eles
pareciam tentar entendê-lo e não convencê-lo de que as idéias deles eram
melhores.
Russel
relembra o momento em que o Ocidente esticou os olhos pela primeira vez
para a China. Foi em meados do século XIX. Uma enorme comitiva naval
britânica, liderada por Lord McCartney, foi à China para tentar vender
produtos novos, como telescópios.
O
imperador respondeu polidamente que a China não precisava de nenhuma
das engenhocas que os estrangeiros produziam. Os chineses estavam
felizes com o que eles próprios faziam.
Não
foi uma resposta que agradasse aos vendedores. Os ocidentais, então
como agora, estavam simplesmente malucos pelas possibilidades oferecidas
pelo monumental mercado chinês. Esse mercado seria conquistado não pela
negociação, não pelo convencimento, mas pelas armas.
Não
muito depois da fracassada viagem de McCartney, veio o que seria
conhecido como “O Século da Humilhação” da China. As duas Guerras do
Ópio, primeiro. Nelas, ajudada por forças americanas, alemãs e
francesas, a Inglaterra impôs aos chineses que aceitassem o comércio de
ópio livremente no país. (Na Inglaterra, naturalmente, o ópio era
proibido.) O dinheiro que a Inglaterra fazia com o ópio equilibrou enfim
as suas despesas de importação com o chá, a porcelana e a seda.
Eram
assim portanto as relações comerciais entre a China e a Inglaterra. De
um lado, na marra, era vendido o ópio. De outro, por opção, eram
comprados chá, porcelana e seda.
Depois,
o Japão derrotaria a China numa guerra. O pacote da humilhação
receberia ainda o acréscimo do massacre dos Boxers. O nome “boxer”
deriva exatamente de boxe. Eram guerreiros chineses que adotavam
técnicas de combate parecidas com as do boxe. Revoltados com a presença
ocidental, eles foram à luta. Imaginavam ter defesas divinas contra as
balas ocidentais, mas a realidade logo os desmentiu.
Foram chacinados.
Russell
lembra detalhes interessantes. Os “Poderes”, como ele chama os
ocidentais vitoriosos, dominavam até a alfândega chinesa. O principal
funcionário da alfândega na China, no tempo de Russel, era um inglês.
Russel
Os
“Poderes” estipularam uma taxa insignificante de importação na China.
No início, havia a justificativa de que também a Inglaterra agia assim.
Era o primado do livre comércio. Só que depois os ingleses criaram uma
lei que protegia a indústria local e taxava fortemente os produtos
estrangeiros. Mas o “livre comércio” perdurou, pela força dos canhões,
na China.
Russell
nota que nós, ocidentais, temos a “ilusão” de que nossa civilização é
superior, muito mais por ignorância do que por fatos objetivos.
Militarmente,
sem dúvida, o Ocidente está acima. Enorme como é, a China jamais foi
uma potência militar. No Tao Te King, um dos livros fundamentais para os
chineses, está escrito que os melhores soldados são aqueles que “não
lutam”.
O livro centenário de Russel (que achei no Ibooks do iPad) ajuda você a entender a China.
É uma pena, uma enorme pena, que não exista uma versão em português.
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