sábado, 3 de maio de 2014

POLÍTICA - Insistem em matar o Genoíno.


Cardiologista: “Genoino não conseguirá atingir o nível ideal de anticoagulação na cadeia. Temeridade que pode ser fatal”



por Conceição Lemes
Está no Código de Ética Médica. O papel do médico é tratar, cuidar, curar. Também prever para prevenir.
Na época da ditadura, havia uns médicos que avaliavam o quanto os presos políticos poderiam aguentar mais o pau-de-arara, a cadeira do dragão, os afogamentos, os eletrochoques… Examinavam rapidamente as vítimas e davam seu “diagnóstico” para os torturadores: “podem continuar”.
O laudo da junta médica da Universidade de Brasília (UnB) sobre o estado de saúde do ex-deputado federal José Genoino Neto (PT-SP), divulgado na terça-feira 29, me fez lembrar os médicos dos porões.
Genoino foi condenado a 4 anos e 8 meses em regime semiaberto na ação penal 470, o chamado mensalão. Porém, devido a sua saúde frágil e ao seu alto risco cardiovascular, pediu ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para cumprir a pena em prisão domiciliar.
Barbosa, respaldado pelo laudo da junta da UnB (na íntegra, no final), revogou a prisão domiciliar provisória de Genoino e  mandou-o de volta ao Centro de Internamento e Reeducação (CIR) da Penitenciária da Papuda, em Brasília.
Genoino tem 67 anos – neste sábado, completa 68 – e um catálogo de doenças, atestado pela própria junta médica da UnB.

Hipocoagulabilidade, em “leiguês”, significa que o sangue coagula menos do que deveria.
Após a cirurgia para correção da dissecção da aorta, em julho de 2013, Genoino teve um episódio de fibrilação atrial. É uma alteração no ritmo do coração que forma trombos nas cavidades do órgão. Os trombos são coágulos que vão crescendo. Acontece que os trombos se fragmentam, formando êmbolos. Esses êmbolos ganham a circulação do restante do organismo, podendo obstruir a passagem do sangue para áreas nobres.
“No caso do Genoino, os êmbolos foram para o cérebro e provocaram um pequeno derrame [acidente vascular hemorrágico, AVC]“, explica o cardiologista Geniberto Paiva Campos, que  foi professor de Cardiologia na UnB e cuida de Genoino em Brasília. “Por isso, ele toma o anticoagulante varfarina, anticoagulante que atua para não deixar formar trombos.”
O anticoagulante “afina” o sangue, evitando o tromboembolismo.
Para ter esse benefício, é indispensável que o anticoagulante atinja o seu nível ideal no sangue do paciente. Do contrário, persiste o risco de formação de êmbolos e obstrução da circulação.
Por isso Genoino faz periodicamente a dosagem da coagulação sanguínea: TAP/RNI.
Traduzindo. TAP é Tempo de Ativação da Protombina. RNI, Regulação Normatizada Internacional. Esses dois parâmetros indicam se o paciente está ou não anticoagulado. O objetivo é o RNI ficar entre 2 e 3.
No último exame feito por Genoino, o RNI está um pouco abaixo de 2, que é nível desejado, ou o alvo terapêutico.

“Mesmo Genoino tomando todos os cuidados com a varfarina e a alimentação em casa, ele ainda não está anticoagulado em nível ideal”, salienta o médico Geniberto Campos. “E isso é grave, pois ele tem risco de novo tromboembolismo.”
A dieta tem de ser com pouco sal, pouca gordura e restrita em alimentos ricos em vitamina K, pois ela interage com o anticoagulante, diminuindo a ação desse remédio.
Isso significa consumir com parcimônia, por exemplo, brócolis, couve-flor, grão-de-bico, espinafre, nabo, beterraba, lentilha, fígado, aipo, feijão verde, abacate, azeite, mamão, agrião, mostarda e salsa.
“Se o Genoino não atingiu o nível ideal de anticoagulação em casa, com todos os cuidados, protegido, não será na cadeia que conseguirá”, adverte o cardiologista. “É uma temeridade. Uma irresponsabilidade. Genoino tem risco de novo tromboembolismo, que pode ser fatal.”
Vale ressaltar que, exceto a anticoagulação, as atuais condições clínicas de Genoino são satisfatórias.
Importante: elas decorrem dos cuidados rigorosos que o seu caso exige e que vem sendo adotados durante a prisão domiciliar.Entre eles, a prevenção de fatores estressantes.
Nas situações de tensão, a pressão arterial de Genoino sobe abruptamente e muito,  mesmo ele tomando remédios anti-hipertensivos.
Durante o período em que esteve preso anteriormente na Papuda , isso aconteceu duas vezes. E poderá se repetir com o seu retorno nesta quinta-feira,1 de maio.
E a pressão arterial descontrolada pode causar outra dissecção da aorta, novo acidente vascular cerebral (AVC) ou um infarto do miocárdio devido aos fatores de risco associados. Acrescente-se aí o uso de anticoagulante que aumentaria o risco de problemas cardiovasculares.
Estranhamente, o laudo da junta médica da UnB não diz isso de forma clara.  Ou seja, não assume que volta à Penitenciária da Papuda adiciona sérios riscos à sua atual condição clínica.
Ao contrário. Numa linguagem ambígua, o laudo — tem trecho que parece escrito por alguém do Judiciário e não por médicos —  deu a chancela para o ministro Joaquim Barbosa revogar a prisão domiciliar.
O último parágrafo dá a senha para Barbosa decidir: “não se expressa no momento presença de qualquer circunstância justificadora de excepcionalidade …” 

Guardadas as proporções, é como faziam os médicos dos porões. Pode voltar para o “pau-de-arara”.
Só que, em medicina, não existe risco zero.
E os médicos que avalizaram a ida de Genoino para a Papuda sabem disso. Assim como sabem que, se algo pior acontecer,  terão esse fato registrado nos currículos pelo restante da vida.
Por isso, trataram de se precaver no penúltimo parágrafo:

Em termos objetivos, a junta médica da UnB disse que Genoino está bem, mas não pode dizer que não terá risco no futuro.
Futuro que pode ser nesta madrugada, amanhã, no sábado, quando Genonino completa 68 anos, semana que vem…
Em outras palavras: os médicos da junta se eximiram de qualquer responsabilidade com o que possa acontecer com Genoino na cadeia.
Em situações adversas, a “culpa” pela fatalidade costuma ser do paciente, que “fez”, como os médicos gostam de dizer, uma dissecção da aorta, um AVC, um infarto do miocárdio ou seja o que for.
No caso de Genoino, isso não vai colar.
A junta médica da UnB sabe que a volta ao encarceramento acrescenta um risco temerário à  vida de Genoino.
Ao fechar os olhos para o que pode eventualmente acontecer — isso faz parte, sim, da boa e ética medicina! –, a junta abriu mão também de prevenir. De tabela, deixar de salvar. Politizar a saúde, colocando em risco a vida alheia, não é missão dos médicos.

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