Luiz Nassif
Peça 0 – a lógica do caos
O ponto de partida é entender a lógica do caos. Não há um comando
estabelecido, nem um script pré-definido. Existem atores mais ou menos
relevantes, respondendo a impulsos, sem que ninguém tenha controle sobre
a resultante final.
Os protagonistas principais vão se adaptando as circunstâncias, de
maneira a preservar seus interesses, saltando de uma onda para outra,
pulando obstáculos de maneira a não perder a liderança.
Desse modo, fatos novos que mudam a atitude de um dos personagens, imediatamente obriga a um rearranjo dos demais atores.
Peça 1 – o papel de Rodrigo Janot
O novo movimento foi deflagrado pelo Procuradoria Geral da República (PGR) Rodrigo Janot, com a delação da JBS.
Há um conjunto de fatores mal explicados. Há tempos a JBS está sob
investigação. Marcelo Miller, do grupo da Lava Jato ligado a Rodrigo
Janot, anuncia sua saída do Ministério Público Federal (MPF) no dia 6 de
março passado (https://goo.gl/uDZZ4h). Era homem da estrita confiança de Janot, trabalhando em sua assessoria pessoal para a área criminal.
O grampo de Joesley Batista em Michel Temer foi no dia 7 de março (https://goo.gl/uDZZ4h).
O que significa que a preparação da operação controlada – e a decisão
de Miler de deixar o MPF e assessorar a JBS – ocorreu no mesmo período.
Deixemos de lado, por enquanto, a participação de pessoas ligadas à
Lava Jato, ou próximas dos principais protagonistas, no milionário
mercado dos honorários para assessorar delações. E mesmo a suspeita de
que o procurador Ângelo Goulart Villela, preso na operação, tenha sido
uma espécie de boi de piranha. Não há nenhuma prova maior a respeito.
Fica apenas o registro da suspeita.
O ponto central é que a operação resolvia dois problemas
simultaneamente. Do lado da JBS, a possibilidade de limpar a área no
Brasil e acertar o acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos
Estados Unidos, conseguindo se transformar em empresa norte-americana.
Do lado de Janot, a possibilidade de, pela primeira vez, assumir o
protagonismo na Lava Jato, em um momento em que, no final de mandato,
estava enfraquecido perante a categoria e o Ministério Público Federal
(MPF) arriscado a perder a prerrogativa de eleger o PGR.
Peça 2 – o papel da Globo
Dois pontos chamam a atenção no desempenho da Globo.
O primeiro, o sigilo absoluto sobre a operação – e mesmo sobre a
própria posição da Globo – provocando uma desorganização ampla no
disciplinadíssimo esquadrão de comentaristas da emissora.
O desempenho da Mirian Leitão e de Ricardo Noblat foram bastante
elucidativos. O primeiro movimento foi uma defesa do governo, dando voz
ao insuspeito Elizeu Padilha. Quando O Globo deu a freada de arrumação –
o editorial pedindo o impeachment -, imediatamente Mirian soltou uma
nota em seu blog dizendo que, à luz dos últimos acontecimentos, o
governo Temer estava no chão. Mais ágil que eles foi
Luciano Hulk, retirando do Twitter as fotos de amizade eterna com Aécio.
O segundo ponto foi o rapidíssimo alinhamento da Globo com a tese
do impeachment. Nenhuma surpresa. Até então, era a principal madrinha da
posse de Temer. A divulgação dos malfeitos de Temer e quadrilha tem o
condão de ressuscitar a tese das diretas. A estratégia adotada, então,
foi cavalgar a onda do impeachment, sair na frente pedindo o
impeachment, vender o peixe da isenção jornalística – assim como a Lava
Jato do PGR (não confundir com a Lava Jato de Curitiba) – e vender a
boia da salvação de um novo governo garantindo as tais reformas. Que,
com Temer, mostravam poucos sinais de serem aprovadas.
Peça 3 – o desmanche da frente do golpe
Aí entram em cena dois integrantes fortes do cartel da mídia, a Folha e o Estadão.
Ambos enfrentam crises financeiras graves e dependem
fundamentalmente do pacote de bondades montado por Eliseu Padilha e
quadrilha. São doses maciças de publicidade e patrocínios para eventos,
da Petrobras e de outras estatais, escondendo o nome dos patrocinadores.
Não vai dar certo. Ambos não têm controle sobre Tribunal de Contas e
outros órgãos para passarem isentos por essa extravagância – de
patrocínios em off.
Por outro lado, não teriam fôlego para recompor o pacote de
publicidade governamental caso a crise da sucessão seja prolongada. E
não poderiam correr o risco de uma sucessão que optasse por não
reafirmar as juras de amor com a quadrilha de Temer.
Peça 4 – os próximos lances
Aqui, se entra no imponderável. A Globo é o único dos veículos que
ensaia lances estratégicos. Mas, como estrategista brasileiro, só
consegue imaginar um lance na frente.
Ao mesmo tempo, o PSDB parece ter se dado conta dos riscos de uma
nova aventura do impeachment. Seu único elo com o poder é Temer. Com a
destruição das principais lideranças do partido, sem o anteparo dos
cargos no governo Temer, haveria uma revoada imediata sabe-se lá para
onde.
A aposta em Henrique Meirelles é furada. Desde 2.010 repousa nas
gavetas indevassáveis da PGR um inquérito contra Meirelles por crime
tributário (https://goo.gl/z5BVWz). Ele faz parte da geração de filhos de Anápolis, que inclui, entre outros, a família Batista e Carlinhos Cachoeira.
Aliás, outra dica de pauta: as imbricações entre o bicho e a
expansão inicial da JBS. O comendador Arcanjo – outro dos campeões do
bicho de Goiás – foi um dos financiadores dos maiores sojicultores do
estado, através de lavagem de dinheiro. Nas conversas de Joesley com
Temer, ambos acertam formas de pressionar Meirelles embora, até agora,
não haja nenhum indício maior de que as pressões tenham sido
bem-sucedidas.
Um outro agente inseguro é o próprio mercado. No tambor do revólver
da Lava Jato há a delação de Antônio Palocci que pode pegar grandes
bancos, elucidar episódios pouco esclarecidos do CARF e alguns episódios
pesados, de como o Pactual comprou o silêncio da imprensa.
Outro, a economia como um todo, exposta mais vez a esses jogos de
poder. O estrago que vier pela frente será debitado, agora, ao exercício
indiscriminado de poder pela Globo.
Por outro lado, os grampos de Joesley apenas registraram o que está
ocorrendo à luz do dia no governo e no Congresso, um assalto
despudorado, desesperado, do qual o melhor exemplo é Aécio Neves
arrostando perigos para arrancar os derradeiros R$ 2 milhões da JBS.
Como resistir à enxurrada de lama das demais delações?
Independentemente da motivação das denúncias, não dá mais para varrer
debaixo do tapete o que apareceu.
A sobrevida de Temer dependerá exclusivamente da maior ou menor
rapidez dos diversos personagens em reconstruir alianças e definir
interesses. E, principalmente, em convergir para um nome, caso emplaquem
eleições indiretas.
A recomposição política brasileira passará, em algum ponto do
futuro, por um amplo pacto em torno das eleições diretas, a única
maneira de reconstruir a coesão social.
Não há saída possível fora de uma reconstrução do centro. Mas,
seguramente, a crise ainda não produziu o grau de amadurecimento
necessário.
Haverá ainda um bom período de caos, antes de se produzir a nova ordem.
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