Ao que tudo indica, o FMI parece ter recuperado a popularidade posta em causa pelos desastres que causou nas últimas décadas, saindo da reunião do G20 e desta crise como (único) grande vencedor. Num contexto de total ausência de propostas que visem uma verdadeira reestruturação do actual sistema financeiro e económico mundial, os líderes mundiais não souberam, não quiseram, fazer mais e melhor do que reforçar aquele que tem sido o representante máximo do neoliberalismo.
Texto de Mariana Mortágua
Importa talvez recordar o que é o FMI e qual o seu papel nas ultimas décadas.
O Fundo Monetário Internacional foi criado em 1945 nas Conferências de Bretton Woods para, em teoria, manter o bom funcionamento do sistema financeiro mundial e prestar assistência técnica e financeira a países com dificuldades ao nível das suas Balanças de Pagamentos.
Na prática, a actuação desta instituição tem sido alvo de enormes controvérsias e oposição por parte dos movimentos anti-capitalistas e anti-neoliberais à escala mundial, devido às condições impostas em troca do auxílio prestado.
Como contrapartida dos empréstimos concedidos a países em desenvolvimento, o FMI obrigou à liberalização de mercados e a privatização de vastos serviços públicos. Para atingir os objectivos exigidos de redução dos défices orçamentais, fiscais e taxas de inflação, estas economias foram obrigadas a aumentar as taxas de juro internas, a reduzir salários e gastos públicos de modo a contrair a procura agregada.
A imposição de planos económicos standardizados, completamente alheios às especificidades de cada região, conjugada com a vaga de privatizações, foi responsável pela destruição de sistemas produtivos e industriais locais, com graves consequências ao nível do desemprego. Pelo contrário, economias fragilizadas foram forçadas a abrir as suas fronteiras ao comércio mundial, tornando-se dependentes dos produtos importados e impotentes relativamente à entrada de poderosas multinacionais que rapidamente tomaram o controlo, não só da economia, como também do poder politico.
Para favorecer integração destas economias no sistema financeiro mundial, foram removidas regulamentações a instituições financeiras (privadas) e criadas as condições para o seu crescimento através do investimento externo.
Em suma, o Fundo Monetário Internacional provou trabalhar para o crescimento e disseminação do sistema capitalista neoliberal e não em favor dos interesses dos países que a ele recorreram. Provou trabalhar em nome dos poderes económicos mundiais e não do desenvolvimento sustentável, tendo sido responsável pela destruição e desintegração de economias por todo o mundo, com as devidas consequências para as suas populações. Para comprová-lo basta recordarmo-nos, entre muitas, da crise na Argentina em 2002 e também em vários países do Sudoeste Asiático.
Embora não tendo sido responsabilizado pelos desastrosos resultados alcançados, o FMI perdeu, sem dúvida, visibilidade e até alguma credibilidade na última década. Até hoje.
O FMI tem sido, desde o inicio da crise, a instituição de crédito eleita para "ajudar" os países afectados pela crise a equilibrar as suas respectivas Balanças de Pagamentos, tendo atribuído um total de 47,9 mil milhões de dólares em empréstimos, apenas no último ano e meio.
Olivier Blanchard, economista chefe do FMI, tentou recentemente uma ruptura com o passado, defendendo a necessidade de políticas pró-cíclicas, ou seja, de estímulos fiscais e orçamentais que levem a uma expansão da procura agregada e ao crescimento no sentido de impedir uma depressão económica de maiores consequências. A realidade, no entanto, parece contradizer a ilusão de redenção do Fundo Monetário Internacional.
Desde Setembro de 2008, o FMI negociou empréstimos (chamados stand by arrangements - SBA) a nove países: Geórgia, Ucrânia, Hungria, Islândia, Sérvia, Lituânia, Paquistão, Bielorrússia e El Salvador. Em processo de negociação estão ainda a Turquia, a Roménia e o Sri Lanka, que acaba de candidatar-se a um empréstimo de 1,9 mil milhões de dólares. Os valores envolvidos nestes programas variam entre os 16,4 mil milhões concedidos à Ucrânia (com uma maturidade de 23 meses), 15,7 mil milhões à Hungria (a 17 meses), e os 523 milhões à Sérvia, a ser devolvidos em 15 meses.
As contrapartidas exigidas em troca destes financiamentos, contrariamente às declarações oficiais, centram-se mais uma vez em políticas orçamentais e monetárias mortalmente restritivas, tendo por único objectivo a redução do défice e da inflação, com graves impactos ao nível das condições de vida nestes países.
Na Ucrânia foi estabelecido o objectivo de défice zero, que deverá ser alcançado através do congelamento dos salários públicos, pensões e outras transferências de carácter social. Aumentos no salário mínimo deverão ser adiados por dois anos e os subsídios ao sector de produção de gás eliminados, o que deverá ser compensado pelo aumento do seu preço. O FMI recomenda ainda o aumento das taxas de juro directoras, a adopção de taxas de câmbio flexíveis (de acordo com os valores de mercado) e a abolição de taxas às transacções cambiais.
De forma semelhante, a Hungria foi aconselhada a reduzir o seu défice em 2%. Para isso deverá eliminar o pagamento do 13º mês e congelar os salários dos funcionários públicos. Deverá ainda ser estabelecido um limite para o pagamento de pensões e adiados os restantes benefícios sociais. Os cortes ao nível da carga fiscal previstos para 2009 deverão ser cancelados e adoptadas politicas monetárias semelhantes às já referidas para a Geórgia.
A Lituânia, em troca dos 2,35 mil milhões obtidos, comprometeu-se a reduzir o défice orçamental em 2,1%. Deste valor, prevê-se que um terço seja conseguido através do aumento do imposto sobre o valor acrescentado e os restantes dois terços da redução da despesa pública em cerca de 25%.
No sentido de promover a competitividade e impedir a sobrevalorização da moeda, além dos cortes salariais ao sector público em cerca de 25%, o Banco Central deverá subir a taxa de juro 6%.
O Governo Lituano é ainda aconselhado a tomar o controlo de um Banco privado, Parex, para ser recapitalizado e devolvido ao sector privado o mais rapidamente possível.
O Paquistão deverá, entre outras medidas, aumentar os gastos sociais em 0,3% do PIB mas reduzir a sua despesa pública em cerca de 3,2%. O subsídios ao sector eléctrico devem ser eliminados e os preços aumentados em 18%.
Para Sérvia o FMI aconselha o adiamento de vários tipos de subsídios e a redução da despesa pública em termos nominais. Para além do aumento das taxas de juro praticadas, é recomendado ao Governo a privatização de todas as empresas públicas ou socialmente detidas e, numa segunda fase, dos bancos e seguradoras. Os impostos sobre as transferências de capital devem ser eliminados em 2009 e os mercados cambiais desenvolvidos.
Ao obrigar a que se dê prioridade ao pagamento dos empréstimos concedidos, o Fundo Monetário Internacional exige aos Governos destes países que o façam através da redução nos gastos públicos, em detrimento do investimento em sectores como a educação, a saúde e a segurança social, essenciais ao crescimento e desenvolvimento sustentado destas economias.
Ao impedir a desvalorização da moeda, para atrair investidores estrangeiros e controlar a inflação, o FMI está a obrigar os Governos e Bancos Centrais a manter as taxas de juro acima do suportado pelas famílias e pequenas empresas, para quem o crédito se torna inacessível. Simultaneamente reduz-se a competitividade das exportações nacionais que são gradualmente substituídas por produtos importados.
As populações, já afectadas pelos elevados níveis de desemprego e inflação, terão que lidar ainda com o aumento dos preços de bens essenciais como a energia, e das taxas de juro, enquanto vêem os seus salários reais (e nominais) em processo de erosão constante.
O FMI demonstra assim ter sido incapaz de aprender com os erros do passado e romper com as ideais "Friedmanianos" de há décadas atrás. Num momento histórico, em que cada vez mais nos apercebemos da inconsistência e insustentabilidade do sistema capitalista, as politicas adoptadas continuam a ser hipocritamente contrárias aos discursos reformistas do FMI, do G8, do G20, da EU, dos EUA...
A legitimação do Fundo Monetário Internacional por parte do G20 não é mais do que um prova de que não há, nem nunca houve, interesse em deixar cair ou sequer reformar o capitalismo que nos trouxe até aqui. Há sim, pelo contrário, vontade de lhe atribuir novas forças para que cresça e dure por muitos anos mais.
Fonte:Esquerda.net
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