Cláudio Lembo.
Volta à cena um velho tema. A paternidade atribuída a um celibatário. O enredo se desenvolve no Paraguai e tem como personagem principal nada menos que o próprio presidente da República.
Antes de sua eleição, Fernando Lugo era bispo da Igreja Católica Romana. Agora, passado alguns meses no exercício do cargo presidencial, é apontado como pai de três crianças.
O assunto, inerente à esfera da intimidade, tornou-se público e tomou feições políticas. A oposição paraguaia, aproveitando-se do surgimento da prole, deseja o afastamento de Lugo.
O debate é intenso. Os meios de comunicação preenchem expandem espaços para noticiar o inusitado: um bispo pai. A análise do episódio permite inúmeros ângulos de observação.
Certamente, o mais sensível sob o ponto de vista das pessoas é aquele da intimidade. Pode a vida privada das pessoas - mesmo que ocupem altos cargos - ser esmiuçada sem qualquer constrangimento?
É pergunta que se impõe. Na contemporaneidade, como doença endêmica, surgiu o deplorável vício de violação da privacidade das pessoas, tornando-as passíveis de uma exibição danosa.
Exatamente isto ocorre, no Paraguai com o caso do bispo afastado Fernando Lugo. Todos se preocupam em conhecer sua vida pregressa e sua intimidade. Os seus passos pretéritos.
Há uma procura diabólica de novos filhos para o presidente. Uma caça a mais um membro para a prole em franco crescimento. Nada moralista. Simplesmente, a presença de um manifesto sadismo. Sadismo coletivo.
Outro ângulo de visão se coloca no campo religioso. A tradição católica, a partir do século IV, exigiu dos sacerdotes a adoção do celibato. Foram resoluções dos Concílios de Elvira (306) e de Roma (386).
Agora a indagação é direta: a imposição do celibato, em pleno século XXI, condiz com os atuais costumes e com as novas exigências da nova cultura do corpo?
É resposta de aparente simplicidade. Parece ser inoportuna a castidade por ferir a própria condição humana. A virgindade consagrada só pode se originar de casos especiais e respeitáveis de opções individuais.
Exigir a todos aqueles que desejam se dedicar ao sacerdócio a castidade obrigatória parece ferir o bom senso médio. Ou permitir o surgimento de situações extremamente degradantes.
O caso do bispo Lugo - hoje presidente da República - é emblemático. Um homem dinâmico com vocação de líder vê-se envolvido em uma teia de circunstâncias próprias do cotidiano das pessoas.
Deplorável, mas compreensível. Apontá-lo como um transgressor é romper os limites do pensamento médio das sociedades contemporâneas. Elas são mais compreensíveis com as fragilidades humanas.
Dramática a situação vivida por Fernando Lugo. Ainda mais dramático é o silêncio da hierarquia. No Paraguai, prelado manifestou-se contrário ao Presidente.
Roma, porém, preservar-se em profundo silêncio. Cala-se. Não deseja alterar a regra imposta pela tradição. Foge do tormentoso tema: o celibato imposto ao clero.
Todas as divagações se originam de um país com profundas raízes religiosas. Todas as ordens católicas históricas encontram-se no Paraguai a longa data.
Franciscanos, dominicanos e jesuítas instalaram-se entre os paraguaios desde os primeiros anos da presença espanhola. Encontraram as populações autóctones com seus usos e costumes.
Estas liam os fenômenos naturais e, a partir destes, deslocavam-se pelo imenso território formado por espaços hoje distribuídos entre a Argentina, Bolívia, Brasil, Uruguai até alcançar os altiplanos peruanos.
Por este imenso território deslocavam-se quando da ocorrência de eclipses totais do sol ou a produção de tornados e enchentes. Nestas oportunidades, os pajés aconselhavam os grandes movimentos coletivos.
Iam os guaranis e as outras etnias em busca de Yvy Marâe Y, a Terra sem mal, onde estariam ao abrigo de todos os cataclismos. Não ocorrem tragédias coletivas no Paraguai de hoje. Felizmente.
O mal resta na mente de quem, baseado nas tradições, preserva práticas contrárias à natureza humana. As conseqüências se encontram por todas as partes. Não há pajé que resolva.
Fonte:Terra Magazine.
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