quarta-feira, 15 de abril de 2009

CUBA - Sem Congresso, Obama não muda relação com Cuba.

Claudio Leal

O politólogo e professor titular de história política exterior do Brasil, na Universidade de Brasília, Luiz Alberto Moniz Bandeira, 73 anos, avalia que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dependerá do apoio do Congresso para modificar completamente as relações diplomáticas com Cuba. "O lobby dos setores mais direitistas, tanto dos partidos quanto dos exilados, é muito forte", acrescenta.

Esta semana, às vésperas da 5ª Cúpula das Américas, o governo americano atenuou as restrições a Cuba: liberou as visitas de cubano-americanos ao país caribenho e pôs fim aos limites para remessa de recursos. Com a medida, Obama prenunciou mudanças no diálogo diplomático com a Ilha. O líder político Fidel Castro reagiu ao anúncio e afirmou que o povo cubano "não aceita esmolas".
Para Moniz Bandeira, especialista na história da Revolução Cubana, "é possível que os países da América Latina logo aprovem o retorno de Cuba à OEA (Organização dos Estados Americanos)." Mas o modelo de abertura política, ressalta, não atenderá ao estilo defendido pelos EUA.

- O modelo de transição política, para um regime no estilo pretendido pelos Estados Unidos, é muito difícil. Não creio que isto possa ocorrer a curto ou a médio prazo. O mais provável - e é o que me parece estar acontecendo - é uma evolução para um tipo de regime semelhante ao existente na China e ao Vietnã - diz o politólogo.

Intelectual do Ano 2005 pela UBE (Troféu Juca Pato), Moniz Bandeira tem mais de 20 livros publicados, vários traduzidos em outros países, como Rússia, Alemanha, Chile, Portugal e Argentina. Atualmente, é cônsul-honorário do Brasil em Heidelberg, na Alemanha, onde reside há mais de 13 anos. Em 2008, publicou "Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende, 1970-1973" e vai relançar este ano "De Martí a Fidel: a Revolução Cubana e a América Latina".

Nesta entrevista por e-mail a Terra Magazine, ele analisa ainda os impactos da crise mundial nos países sul-americanos e o declínio da influência dos EUA.


Terra Magazine - Os gestos iniciais de Barack Obama, na política externa, apontam para a superação da agenda diplomática do governo George W. Bush? Há linhas de continuidade?
Luiz Alberto Moniz Bandeira - O fato de Obama anunciar o levantamento de restrições aplicadas pelo governo do presidente George W. Bush contra Cuba, depois de outras decisões aprovadas pelo Congresso, aponta realmente nessa direção, mostra que pretende melhorar as relações dos Estados Unidos com Cuba. Mas a questão é muito complexa. Há, nos Estados Unidos, vastos setores, inclusive entre os asilados cubanos, que hoje querem até o levantamento do bloqueio imposto pelo presidente Kennedy, em 1962, um bloqueio que nunca atingiu seus objetivos políticos. Mas o lobby dos setores mais direitistas, tanto dos partidos quanto dos exilados, é muito forte. E, sem o apoio do Congresso, Obama não pode modificar completamente a política dos Estados Unidos vis-à-vis de Cuba. De qualquer maneira, é possível que os países da América Latina logo aprovem o retorno de Cuba à OEA, em uma próxima reunião dos chanceleres. Talvez isto seja acordado na cimeira das Américas.

Com a suspensão das restrições a viagens e remessas para Cuba, os EUA ganham mais fôlego nas pressões para a abertura política do regime cubano?
O governo cubano tende a abrir-se, porém não no modelo que os Estados Unidos defendem. As pressões americanas neste sentido só reforçam o nacionalismo cubano.

A ascensão de Raúl Castro, após a doença de Fidel, provocou uma série de cogitações sobre a abertura de Cuba. Como autor do livro "De Martí a Fidel: a Revolução Cubana e a América Latina", o senhor conhece os fundamentos históricos do governo cubano. Há um modelo de transição política mais provável ou aceitável para o Partido Comunista?
Como disse na resposta anterior, o modelo de transição política, para um regime no estilo pretendido pelos Estados Unidos, é muito difícil. Não creio que isto possa ocorrer a curto ou a médio prazo. O mais provável - e é o que me parece estar acontecendo - é uma evolução para um tipo de regime semelhante ao existente na China e ao Vietnã. E isto é perfeitamente aceitável pelas empresas interessadas em investir na ilha.

A crise econômica redimensiona a influência dos EUA na América Latina? Vai acelerar o recuo do poder americano na região?
O advento de governos como o de Hugo Chávez, na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, do presidente Lula, no Brasil, a vitória da Frente Sandinista de Libertação, na Nicarágua, e, mais recentemente da Frente de Libertação Faribundo Martí em El Salvador, e outros fatos não significam que a esquerda se fortaleceu, aumentou na América Latina. O que evidencia é o declínio do prestígio e da influência dos Estados Unidos, que, já faz algum tempo, estão a perder mais e mais a preeminência na América Latina. E, certamente, os Estados Unidos não mais poderão sustentar por muito tempo o poderio militar que mantém com centenas de bases espalhadas em diversas regiões do mundo. Seus déficits - fiscal e comercial - e sua dívida externa só tendem a crescer e provocar uma explosão da bolha que se formou com sua indústria bélica.

A aproximação entre os presidentes Lula e Obama, na reunião do G-20, com troca de elogios efusivos, foi comemorada no Brasil. Mas, até que ponto a simpatia pessoal de um chefe de Estado interfere na política externa de uma País como os EUA?
Simpatia pessoal dos presidentes não determina a política externa de nenhum país. Sob qualquer governo e qualquer que seja o presidente do Brasil e dos Estados Unidos, os dois países vão manter estreito relacionamento. São as duas maiores massas geográficas, demográficas e, apesar da assimetria, econômicas do hemisfério. Este dado cartográfico gera a necessidade de que os dois países se entendam. Nenhum pode prescindir do outro. As relações com os Estados Unidos apresentam fundamental importância na política exterior do Brasil e vice versa. É natural e inevitável que ocorram convergências e divergências, em várias questões, porque o que convém aos Estados Unidos nem sempre convém ao Brasil. O que o Brasil não pode é ser caudatário das políticas dos Estados Unidos e submeter-se à sua hegemonia.

Apesar de vivermos o início da crise, como o senhor analisa os impactos dela na América do Sul? A liderança de Hugo Chávez começa a sofrer abalos significativos?
O presidente Hugo Chávez realizou muito em favor do povo venezuelano, mas desperdiçou muitos recursos, externamente, e não investiu bastante para diversificar a produção do país. E agora o preço do petróleo despencou. Tudo isto contribui para que a crise econômica global se reflita de modo negativo na situação da Venezuela, um país cujas exportações provém 94% do setor petroleiro, que foi muito mal administrado. Além do mais, a Venezuela depende pesadamente do mercado americano, onde está o epicentro da crise.

Por que a interferência do pensamento de esquerda, na atual crise, tem sido ínfima? O "retorno" do keynesianismo, em vez de estimular, reprimiu o debate da esquerda?
Não sei o que se pode chamar de esquerda, atualmente. Os parâmetros existentes ao longo do século XX, desde a revolução, já perderam sua razão de ser. Já estavam a desaparecer mesmo antes do desmoronamento do Bloco Soviético. E a crise econômica global desmoralizou o modelo neoliberal, que a direita tentou difundir, sobretudo ao longo dos anos 1990. O tema, porém, é demasiadamente complexo para aprofundar numa entrevista. Vai muito além do que se imagina como retorno do keynesianismo.

Terra Magazine

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