quinta-feira, 23 de abril de 2009

A CONSTRUÇÃO INTERROMPIDA

Mauro Santayana

O grande pernambucano Barbosa Lima Sobrinho dizia que, no Brasil, há apenas dois partidos: o do mineiro Tiradentes e o do português Joaquim Silvério dos Reis. Se nos debruçarmos um pouco diante da História, poderemos dar razão ao grande jornalista e homem público.

Há ainda, entre os historiadores brasileiros, os que buscam esmaecer a importância do homem que foi executado há 217 anos. O principal reparo que lhe fazem é o que marca a sua grandeza: a ele faltava a posição social na comunidade da Capitania que o levasse à chefia dos conjurados. Os líderes, nos movimentos políticos e revolucionários, são aqueles que se destacam no processo, pelas qualidades exigidas. É preciso que haja, em primeiro lugar, a inteligência para estabelecer a estratégia da luta e coragem para assumir as responsabilidades de sua posição no movimento – e isso não lhe faltava. Era necessário que vivesse no meio do povo, a fim de reunir os combatentes na hora certa, e só ele podia fazê-lo, por conhecer toda a Capitania, com seus ricos e pobres, e exercer ativa solidariedade entre os homens que poderiam ser reunidos para a luta. Era alferes, acostumado ao uso das armas e das táticas de combate. Autodidata aplicado, tinha em suas coisas um compêndio de leis dos estados americanos, arrolado como prova na Devassa.

Só ele poderia arregimentar partidários no Rio de Janeiro, onde era conhecido por seus conhecimentos de engenharia. Para lembrar a peça de Robert Bolt sobre Thomas More – Tiradentes era o homem para aquela estação.

Ontem, em Ouro Preto, as comemorações evocativas do alferes coincidiram com a abertura do Ano da França no Brasil, e a ela esteve presente o embaixador daquele país, Antoine Pouillieute. O governador Aécio Neves lembrou as ligações ideológicas entre a Revolução Francesa e a Conjuração Mineira, que também coincidiram no tempo. Tiradentes foi denunciado em março de 1789, semanas antes que se iniciasse o movimento em Paris.

Aécio, frequentador dos livros de Tancredo, fez referência a autores franceses que influenciaram o avô em sua formação humana e política, como Montaigne e Montesquieu. Tancredo via o mundo com a cautela do autor dos Essais e a ousadia de La Boétie, mas também com o fascínio pelos estudos sobre a arquitetura de Estado, desenvolvidos em De l'esprit des lois por Montesquieu. Embora conhecesse bem as doutrinas anglo-saxônicas, a identidade cultural do grande mineiro era com a França. Nisso ele sempre foi fiel a uma tradição de Minas, mais próxima de autores como Vitor Hugo e Dumas, Anatole France e Zola, com seu poderoso Germinal e o forte panfleto antirracista J'’accuse.

Embora não se tenha declarado candidato – o momento não era adequado – o governador defendeu o projeto nacional de desenvolvimento soberano, iniciado por Vargas, continuado por Juscelino e retomado pelo atual governo. Aécio não se tem apresentado como candidato de oposição mas, sim, de união. Ele tem insinuado que continuará a obra do atual governo, se for eleito. Sua preocupação é a de prosseguir na execução de um projeto nacional de desenvolvimento e soberania que remonta aos conjurados de Minas, a Vargas e a Juscelino. Para que se cumpra, no entanto, é preciso que se incluam na sociedade econômica e política os que dela sempre estiveram ausentes. As últimas décadas, que deveriam ter facilitado esse processo de inclusão, foram perdidas pelo egoísmo a que se chamou novo liberalismo. Ao defender a inclusão social, Aécio citou a forte ideia de Tancredo: enquanto, no Brasil, houver um só homem sem pão, sem teto, sem trabalho e sem letras, toda prosperidade será falsa.

Embora com a cautela da discrição, os que estiveram em Ouro Preto sentiram, no discurso de Aécio, a retomada das ideias que ocuparam o Brasil durante os meses de 83 e 84, levadas às ruas por vários brasileiros, mas, sobretudo por Tancredo. Ele, ao assumir o governo de Minas, deixara claro que o Palácio da Liberdade era sua fortaleza política para arquivar na História a ditadura militar e, com a reconquista do estado de direito, retomar o caminho de Vargas, seguido por Juscelino e Jango. Os fatos terríveis de há 24 anos o privaram daquele destino. Não só os mineiros, mas cidadãos de todo o Brasil sentem a necessidade de continuar aquele projeto, a que Celso Furtado chamou A construção interrompida, que hoje se impõe para que o Brasil não perca seu lugar na nova geografia política do mundo – como Lula tem percebido.
Fonte:JB

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