Por Villas-Bôas Corrêa
A eleição de Dilma Rousseff para presidente da República recolocou na pauta da imprensa o velho tema da tortura durante a ditadura militar dos cinco generais presidentes. Como é notório e sabido, a presidente eleita foi militante destacada no movimento de guerrilhas, sendo presa e torturada, antes de ser recolhida ao Presídio Tiradentes, em São Paulo.
E, não por acaso, estou relendo os quatro volumes sobre a ditadura militar do grande jornalista e escritor Elio Gaspari, um amigo de muitas décadas. E no primeiro volume, A ditadura envergonhada, página 360 e seguintes, Gaspari conta a história escabrosa, no cenário da 1ª Companhia da PE, na tarde de 8 de outubro de 1969, quando oficiais do Exército brasileiro “escreveram uma triste página da história da corporação”.
Gaspari conta em detalhes: “Os presos eram dez. Entre eles, seis rapazes do Colina. Foram tirados das celas e escoltados em fila até um salão. No caminho ouviram uma piada de um cabo: “São esses aí os astros do show?”. A plateia, sentada em torno de mesas, chegava perto de cem pessoas. Eram oficiais e sargentos, tanto do Exército como da Marinha e Aeronáutica. Numa das extremidades do salão havia uma espécie de palco, e nele o “tenente Ailton” presidia a sessão com um microfone e um retroprojetor: “Agora vamos dar a vocês uma demonstração do que se faz clandestinamente no país”.
O chefe da seção de informações da 1ª Companhia era o “tenente Ailton Joaquim”. Pulamos algumas linhas. Adiante: “Os presos foram enfileirados perto do palco e o “tenente Ailton” identificou-os para os convidados. Tinham três sargentos por acólitos. Com a ajuda de slides, mostrou desenhos de diversas modalidades de tortura. Em seguida os presos tiveram que ficar de cuecas.
Maurício Vieira Prado, 24 anos, quintanista de engenharia, foi ligado a um magneto pelos dedos mínimos das mãos. Era a máquina dos choques elétricos. Depois de algumas descargas, o tenente ensinou que deviam dosar as voltagens de acordo com a duração dos choques. Chegou a recitar algumas relações numéricas, lembrando que o objetivo do interrogador é obter informações e não matar o preso.
Murilo Pinto da Silva, 22 anos, funcionário público, ficou de pés descalços sobre as bordas de duas latas abertas. Pedro Paulo Bretãs, 24 ano, terceiranista de medicina, foi submetido ao esmagamento dos dedos com barras de metal. Outro preso, um ex-soldado da Polícia Militar, apanhou de palmatória nas mãos e na planta dos pés. “A palmatória é um instrumento com o qual se pode bater num homem horas a fio, com toda a força”, explicou o tenente.
No pau de arara penduraram Zezinho, que estava na PE por conta de crimes militares. Ailton explicou – enquanto os soldados demonstravam – que essa modalidade de tortura ganhava eficácia quando associada a golpes de palmatória ou aplicações de choques elétricos, cuja intensidade aumenta se a pessoa está molhada.
“Começa a fazer efeito quando o preso não consegue manter o pescoço firme e imóvel. Quando o pescoço dobra, é que preso está sofrendo”, ensinou o tenente-professor”.
Gaspari conclui com uma frase que hoje soa como uma advertência: “O Exército brasileiro tinha aprendido a torturar”. E que ecoa não mais como advertência. Mas, como o contraste entre ditadura, fardada ou paisana, e a democracia que acaba de passar pela prova dos noves de uma eleição disputada, com debates ásperos, mas que termina sem mortos e feridos.
Fonte: JBonline.
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