Por Mauro Santayana
Os cenários mudam, envelhecem os tempos, a retórica ganha novos vocábulos, mas o problema real é sempre o mesmo: o do confronto entre o predador e a presa; entre a presunção de que a força faz o direito e a resistência das vítimas; entre os ricos e os pobres. O encontro de Seul anuncia o malogro: todos querem ampliar o seu mercado, seja para obter matérias primas, seja para vender os seus produtos. Retorna-se ao cínico axioma dos anos 30: “Beggar thy neighbor” – empobreça o seu vizinho. Nesse movimento, a moeda deixa de ser o que deveria ser, um instrumento de trocas justas (a convenção que torna iguais as coisas diferentes, no pensamento clássico grego), para se transformar em uma arma de guerra.
A moeda é uma construção mental, como todos os símbolos que o homem criou para fazer a sua história. Ao vê-la assim, ao lado da linguagem e da ciência, concluímos que a economia, ou seja, a organização e evolução do trabalho, foi uma astúcia da espécie. Chegou o momento em que o sistema de trocas foi substituído pela adoção da moeda. Mas o valor da moeda depende da credibilidade de quem a emite. Mais do que o peso do metal e da perfeição gráfica do papel-moeda, é essa confiança que garante o valor real do dinheiro. No passado, todas as moedas tinham lastro em bens tangíveis, fosse o ouro, fosse o trigo. A partir do encontro de Bretton Woods, em 1944, o dólar passou a ser a moeda de referência, garantida pelos estoques de ouro dos Estados Unidos. Com base nessa garantia, os norte-americanos passaram a comprar o mundo, com a moeda que emitiam sem que se comprovasse sua relação com as barras de ouro guardadas em seu cofre de Fort Knox. Vinte e sete anos depois de realizado o encontro de Bretton Woods e 25 anos depois de entrar em vigor, o presidente Nixon, dos Estados Unidos, revogou-o: o principal articulador e beneficiário da convenção de Bretton Woods não garantia mais o acordo. A razão era singela: De Gaulle havia anunciado que queria trocar os créditos franceses em dólar por ouro, ouro, mesmo. Outros países pretenderam seguir o seu exemplo: já previam o aumento dos preços do petróleo, diante da organização dos países produtores. Foi assim que, em um dia de agosto de 1971, o colunista pode assistir a uma situação insólita: nos bancos e casas de câmbio da Europa o dólar amanheceu sem cotação. Todas as moedas eram aceitas, em taxas arbitrárias e quase aleatórias – menos a moeda norte-americana. A partir de então, o dólar passou a valer o que queriam os norte-americanos. Fort Knox foi substituído pelos mísseis.
Desde a primeira crise do liberalismo de 1929 (que contribuiu para a 2ª Guerra Mundial) e outras delas menores, até a mais grave, de 2008, o mundo está em busca de uma solução permanente para a guerra cambial, para o controle do mercado financeiro pelos estados nacionais, e para a moralização de um sistema que, a cada nova revelação, mais se assemelha às gangs de Chicago e Nova Iorque. A comparação entre aqueles rapazes e os bandidos de Wall Street é moralmente favorável a Al Capone, Dillinger, Lucky Luciano e outros, que arriscavam a sua vida, e de vez em quando eram abatidos. Madoff nunca andou armado, nem teve que escapar de emboscadas.
Muitos se voltam para Keynes, a grande presença teórica de Bretton Woods, que foi vencido na ideia da criação da moeda mundial (“bancor”) e de um banco internacional de compensações; e outros desejam a volta ao padrão-ouro. A decisão do Fed em colocar mais US$ 600 bilhões em circulação, sem qualquer lastro sólido que os garantam, é mais um argumento para abandonar o dólar como moeda de referência mundial.
O capitalismo terá que inventar logo um novo Keynes, antes que os pobres descubram um novo Marx.
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