"Bombardeada em ataques os mais insólitos lançados sobre ela e seu passado, a eleita de repente foi entronizada em altares insondáveis"
Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)
"Oh, como cantam as pessoas do andar de cima!". É a frase do escritor argentino Julio Cortázar, no Manual de Instruções do livro Histórias de Cronópios e Famas, que retorna à memória do jornalista ao observar os movimentos dos primeiros dias depois de jogado o jogo eleitoral para a presidência do País.
E esta impressão do personagem surreal de Cortázar, ao perceber que há festa no andar superior, assemelha-se à sensação de quem escreve estas linhas quando já está em andamento, a todo gás, o confronto dos craques profissionais da política e dos negócios - da mídia inclusive - em disputa das fatias do poder no governo Dilma Rousseff.
Vencida a primeira batalha, a presidente descansa a seu jeito, até este domingo, em Itacaré, no sul baiano. Da ensolarada Costa do Dendê e do Cacau a presidente eleita retorna amanhã para pegar pesado, segundo ela própria declarou, na construção de sua equipe de governo - até agora mais composta de boatos que de fatos.
No colossal recanto da costa do Atlântico Sul, de águas cálidas, límpidas e areia de cartão postal de ensolarado paraíso tropical, Dilma banha-se e passeia ao sol e à brisa no ambiente onde pisaram antes dela pés de celebridades como o presidente francês Nicolas Sarkozy e a primeira-dama, Carla Bruni. Em horas mortas, conversa com nativos e com poderosos detentores de boa parte do PIB baiano e nacional, gente que povoa seletos e sofisticados "resorts" e suntuosas mansões da região.
Enquanto isso, diante dos resultados eleitorais e suas primeiras consequências, ainda repercutindo com pressão máxima dentro e fora do País, converso à distância com dois queridos amigos jornalistas cujas informações e opiniões busco sempre nos momentos em que a salada da política e da profissão fica difícil de entender e de engolir sozinho e sem ajuda.
Por exemplo, esse "trololó" de quase beatificação da vencedora (para usar a linguagem do tucano José Serra, o perdedor) na primeira semana pós eleição da primeira mulher presidente do Brasil. Tudo virou o avesso do avesso do avesso daquilo que se via, ou se ouvia há menos de 10 dias, na chamada grande imprensa nacional. De repente, é como se o milagre da transubstanciação da água em vinho houvesse sido operado outra vez, agora em terras de Tupã. E de Macunaíma, é bom que se registre para avivar memórias.
Saída quase das cinzas da fogueira ardente, bombardeada em ataques e condenações os mais insólitos e terríveis lançados sobre ela e seu passado, a eleita de repente, não mais que de repente, foi entronizada em altares insondáveis. Nos mesmos espaços onde até a véspera ela era pintada como "figura do mal", dada a malvadezas e bruxarias impensáveis, tudo parece ter-se invertido em favor de Dilma Rousseff.
Na grande tenda dos milagres nacional (salve Jorge Amado) ela acaba de ser posta no trono dos novos santos brasileiros. A quase bruxa que aparecia diariamente na fase de campanha nas paginas editoriais de tantos diários e revistas semanais importantes, é agora tratada quase como nova Irmã Dulce, a freira baiana na iminência da beatificação oficial no mundo católico, depois do Vaticano ter reconhecido recentemente o seu primeiro milagre.
No lugar de bode expiatório do País (é preciso sempre ter um de reserva para oferecer aos leões famintos), deixado vazio só por poucas horas, insanos voltam-se agora contra gente do Nordeste, mostrada como responsável por levar a vencedora ao Palácio do Planalto. Está provado, no entanto, que mesmo sem os votos dos nordestinos o triunfo da petista estaria garantido com a vantagem obtida em outras regiões - algumas delas citadas até a véspera como santuários eleitorais do tucano Serra.
Isto foi mostrado cabalmente na reportagem tão simples quanto relevante produzida pelo jornalista baiano Eliano Jorge, da equipe de Bob Fernandes, na revista eletrônica Terra Magazine, que caiu em campo na busca da verdade dos números e dos fatos, no mar jornalístico povoado de lendas, delírios e versões interesseiras. Bingo!
Um dos jornalistas das conversas no começo destas linhas, com quem bato bola via MSN, está em São Paulo. Mesmo estafado e ainda arfando pelo esforço demolidor de percorrer o país de ponta a ponta na cobertura da campanha, ele segue no batente da Redação. Busca novos fatos, enquanto a candidata eleita já repousa na praia baiana.
Depois de ver bem de perto tudo - ou quase - que Dilma Rousseff teve de engolir durante a campanha, o repórter se revela espantado "com o fervor dilmista" que sacode o Brasil, principalmente nos círculos da grande mídia, onde a vencedora parece ter virado unanimidade "a favor".
Na praia do litoral norte de Salvador, onde estuda para um concurso federal, desolada com a profissão, antes mesmo da contagem dos votos do pleito presidencial, converso por telefone com uma querida colega. Ela transmite a mesma impressão do jornalista e amigo comum em Sampa. E diz muito mais coisas, que deixo para reproduzir em outras linhas e em outra oportunidade.
E isso seguramente não faltará a partir de amanhã, quando Dilma Rousseff voltará a Brasília depois do repouso em Itacarezinho e a tenda dos milagres no planalto central do Brasil voltará a ferver.
A conferir.
Fonte: Terra Magazine.
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