Interessante matéria da edição de 28 de setembro de 2013 da revista The Economist, "Stimulus v Austerity", traz uma discussão que retorna periodicamente ao palco do debate econômico. Ela discorre objetivamente sobre a crise que estourou em setembro de 2008 e o seu prolongamento, abordando as perspectivas teóricas das discussões, ou seja, a matéria pondera argumentos favoráveis e contra a austeridade fiscal.
Keynes é evocado como um pensador revolucionário, pois ele compreendeu que a austeridade fiscal, em tempos de crise, só agrava o quadro econômico recessivo ou depressivo. Nos momentos de crescimento, a política fiscal deve ser austera. Do ponto de vista pós-keynesiano, quando o setor externo está em equilíbrio (déficit zero em conta corrente do balanço de pagamentos), a poupança do setor privado doméstico é o déficit do setor governamental (cf. L. Randall Wray, ‘Modern Money Theory’. Palgrave Macmillan, 2012). Para esse caso específico, um déficit do setor privado doméstico seria a poupança do setor governamental. Mas estaria efetivamente o setor privado interessado em entrar em déficit em um momento de crise?
Vivemos um contexto global no qual o setor privado busca desalavancagem, algo que empurra os balanços dos governos para posições fiscais deficitárias e se todos os países buscarem superávits nas suas contas correntes dos balanços de pagamentos ao mesmo tempo, a guerra cambial se materializará como fato e eventual tragédia nas suas prováveis consequências.
O consenso pré-crise de 2008 estava consolidado naquilo que se convencionou chamar de Grande Moderação. Segundo The Economist: “A política monetária parecia totalmente capaz de domar o ciclo de negócios. Esforços de governo para aumentar os gastos públicos, ou cortar impostos para aliviar o desemprego, seria uma batalha inútil e só pioraria a situação” (tradução livre). Esse consenso evaporou junto com a perspectiva teórica das expectativas racionais.
Segundo Keynes (1936), o Estado deveria sustentar a demanda agregada em momentos de contrações econômicas pelas vias do gasto público deficitário até que o pleno emprego fosse atingido. Keynes recomendou que fossem executados gastos em coisas úteis – infraestruturas física e social, por exemplo. Se faltasse inteligência aos governantes, nesse mesmo contexto, até cavar buracos no chão aumentaria momentaneamente o emprego dos fatores de produção ociosos e também a renda nacional. Como liberal, ele foi avesso ao planejamento centralizado e sua concepção de intervenção estatal era minimalista, ou seja, o Estado não precisava controlar os meios de produção para estimular as atividades econômicas.
Keynes é ainda figura polêmica no presente. Alguns acadêmicos defendem existir uma espécie de “barganha faustiana” no seu pensamento (Robert Skidelsky, ‘Keynes: The Return of the Master’. PublicAffairs, 2010). Para ele, o sistema capitalista funcionava razoavelmente bem; o problema estaria na distribuição arbitrária e desigual das rendas e na incapacidade do próprio sistema em proporcionar e sustentar o pleno emprego. Intervenções macroeconômicas inteligentes de Estado seriam necessárias para que o equilíbrio do sistema capitalista não se processasse recorrentemente abaixo do pleno emprego, reproduzindo iniquidades sociais.
Após o estouro da crise financeira global em 2008, o célebre economista Robert Lucas afirmou acreditar sermos todos keynesianos nas trincheiras. As expectativas racionais dos agentes econômicos, que operam em um mundo não ergódico, não conseguiram atuar em um contexto no qual a “mão invisível” do mercado se ausentava, ainda que temporariamente. Se existe ago de muito útil a aprender com a história é que devemos parar de cair em trincheiras.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)