Nas voltas que a vida dá, tive a oportunidade de acompanhar de perto os episódios que levaram dois ministros do governo Lula, Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia) e Marina Silva (Meio Ambiente), líderes políticos muito próximos ao fundador do PT, a trilhar caminhos que os levaram no último fim de semana a surpreender o país ao formar a mais competitiva chapa de oposição para disputar as eleições presidenciais de 2014 contra Dilma Rousseff.
Em agosto do ano passado, quando ainda se definia o cenário das eleições municipais, fiz uma longa entrevista com o governador pernambucano Eduardo Campos para a revista Brasileiros, no momento em que, aborrecido com Lula e as disputas internas do PT, ele resolveu lançar candidato próprio do PSB para a prefeitura do Recife, rompendo a velha aliança da Frente Popular com o PT.
O que aconteceu no Recife naqueles dias foi determinante para os passos em direção a um voo próprio que Eduardo tomaria dali para a frente, até desembarcar do governo Dilma em setembro. Vou reproduzir abaixo algumas frases das quatro horas de conversa com o governador pernambucano, que explicam sua guinada rumo à oposição, mesmo sabendo que ele seria o candidato "in pectore" de Lula para presidente, mas só nas eleições de 2018.
Sobre a disputa no Recife _ "Fiquei sabendo pela imprensa que Humberto Costa seria o candidato do PT com João Paulo de vice, liguei para o Lula e disse a ele: `Estou falando do gabinete onde o doutor Arraes (seu avô, ex-governador Miguel Arraes) recebeu os milicos, não sou homem de ser enquadrado por ninguém. Posso ser convencido, mas enquadrado, não´ (...). Eu esperei até o último dia para conseguir um entendimento com o PT aqui, ficamos de conversar, mas tive que escolher um candidato no meu partido porque já estávamos correndo o risco de perder a eleição para a direita, com a cidade sangrando e o PT brigando. Acharam que eu estava blefando...".
Sobre Dilma e Lula _ Num jantar com a presidente, em Brasília, ela aconselhou Eduardo: "Você precisa conversar com o Lula, ele está muito chateado...". Eduardo ligou para Lula, mas lhe disseram que o ex-presidente estava num sítio descansando e só poderia entrar em contato depois do dia 20 de julho. "Estamos no dia 24 de agosto e até hoje ele não me ligou...".
Sobre a sua candidatura a presidente: "Em 2006, eu dediquei a minha eleição para governador a meu avô e ao Lula. O que não podemos é devolver o poder à direita. Se quiser ser candidato a presidente, vou dizer que sou candidato, não preciso pedir licença. Eu tenho 47 anos de idade e nunca mudei de lado político. Você acha que eu vou aderir à oposição? É isso que vou fazer? O Lula é que está transformando problemas locais em questões nacionais, precisa chegar mais perto da realidade".
Sobre intermediários _ Nesta época, Eduardo e Lula só se comunicavam por intermédio de amigos comuns. Um deles relatou ao governador o que teria ouvido de Lula: "Eu queria fazer o Eduardo presidente pela minha mão, na hora certa, mas agora ele resolveu chegar lá sozinho".
Se este já era o plano de Eduardo em 2012 só ele sabe, mas o fato é que, no último sábado, assumiu oficialmente sua candidatura a presidente em 2014, ao fazer uma aliança com Marina Silva, que ajudou a fundar o PT, pelo qual foi senadora e ministra, e já havia deixado o partido em 2009, para disputar as eleições presidenciais pelo PV, de onde saiu logo depois para criar sua própria legenda.
Assim como Eduardo Campos ficou magoado com a postura de Lula durante a campanha municipal de 2010, Marina saiu do PT ressentida por não ter conseguido espaço para seus sonhos presidenciais, uma vez que Lula já tinha se definido pela candidatura de Dilma Rousseff para a sua sucessão ainda em 2006. Mágoa e ressentimento estão na gênese da "Coligação Democrática" anunciada em Brasília, como se pode constatar nos discursos.
No evento de lançamento da sua aliança, Eduardo e Marina acusaram o PT de colocar obstáculos para as suas candidaturas presidenciais. Marina chegou a denunciar o "chavismo" do PT, colocando no partido a culpa por não ter conseguido as assinaturas necessárias para registrar seu próprio partido. o Rede Sustentabilidade.
Com um discurso enfezado, que fez lembrar o de José Serra em 2010, quando foi derrotado por Dilma, Marina mudou de personagem: da sonhática, aquela figura que queria lançar os fundamentos da "Nova Política" com o ar de santidade de uma Madre Tereza de Calcutá, ela rapidamente aderiu ao figurino pragmático e buscou abrigo no PSB, aceitando até ser vice de Eduardo, sem se importar em ter agora a companhia da fina flor da modernidade de aliados como a família Bornhausen e Ronaldo Caiado, o ex-líder da UDR, sem abrir mão, é claro, do apoio dos grupos Itaú e Natura, seus tradicionais sponsors, nesta cruzada na defesa das matas e dos bichos em nome da sustentabilidade.
Marina deixou o PT ao perder a batalha para os "desenvolvimentistas" liderados por Dilma, que queriam investir em hidroelétricas, indústrias e infraestrutura, sem se importar muito com os bagres e as tartarugas, o mesmo discurso que Eduardo Campos vem fazendo agora para conquistar o apoio dos empresários paulistas.
Como os seguidores sonháticos de Marina Silva e os políticos pragmáticos de Eduardo Campos, que aceitam o apoio de qualquer um, vão se entender na hora de definir um programa de governo, e mesmo quem vai ser o cabeça de chapa, a depender dos números das pesquisas no ano que vem, é problema deles, mas o fato concreto é que esta inesperada aliança dos dois ex-ministros de Lula muda todo o cenário da campanha de 2014, tirando do PSDB o papel de principal liderança da oposição desempenhado nas últimas três eleições.
Quem poderia prever esta reviravolta num quadro que parecia definido a favor de Dilma já no primeiro turno, segundo as previsões do profeta João Santana, a ponto de chamar os adversários de "anões antropofágicos"? Talvez os leitores deste blog e da revista Brasileiros...
Vida que segue
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