sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Danilo Gentili e a doadora de leite: estupidez não é a mesma coisa que politicamente incorreto

 Diário do Centro do Mundo


by Kiko Nogueira

“Em termos de doação de leite, ela já tá quase alcançando o Kid Bengala”.
Era uma piada?
A Bandeirantes foi condenada a pagar 5 mil reais diários de multa porque Danilo Gentili dedicou alguns bons minutos de seu programa à pernambucana Michele Rafaela Maximino, que doou mais de 300 litros de leite para hospitais de Pernambuco. Ela tenta entrar para o Guinness.
"A justiça está sendo feita, pelo menos. Ele falou essas barbaridades e eu estava fazendo um incentivo às mães a doarem leite”, disse Michele. "Eu passava na rua e o povo falava : ‘Olha a vaca de Danilo Gentili'!’. Fiquei várias noites sem dormir. Um peito secou”.
Defensores de Gentili se queixaram da sentença. Censura! Censura onde, se ele não foi proibido de falar? Exerceu sua liberdade de expressão e Michele, que se sentiu ofendida, foi à Justiça, o que é direito dela. Ganhou.
Como muita coisa no Brasil, o humor está alguns anos atrasado. Hoje há mais comediantes de stand up do que gente. Gentili faz um humor agressivo e ofensivo. É tido como um humorista politicamente incorreto. Não é. O politicamente incorreto, em sua boa forma, expõe e destrói preconceitos. Gentili faz o contrário.
Gente como Andrew Dice Clay, George Carlin, Lenny Bruce, entre outros, são expoentes dessa escola. Eddie Murphy também. Carlin e Bruce morreram, Clay e Murphy sumiram. Murphy tirava sarro de negros, como Chris Rock. Uma diferença é que eles são negros. A outra é que eles são engraçados e inteligentes. Rock fez um excelente documentário chamado “Cabelo Ruim”.
O que a turma de Gentili faz é outra coisa. Não é humor. É só covardia. É a transposição para a TV do valentão que fica no fundo da classe xingando a gorda, o quatro-olho, o macaco, o aleijado, o judeu, o retardado etc. Todos os grandes incomodavam o poder. Bruce criticava a Justiça americana.  Algum poderoso foi ridicularizado por Gentili? Claro que não. Rafinha Bastos mexeu com a mulher de um empresário que era amigo de Ronaldo Fenômeno. Em dois dias estava fora da Bandeirantes.
A melhor comédia que se faz hoje já transcendeu isso. Jerry Seinfeld criou a sitcom definitiva falando sobre o nada. Sim, tinha piada de bicha ("não que tenha nada de errado com isso", diria George Costanza). Larry David, co-autor da série, é a estrela de “Curb Your Enthusiasm”, em que não perdoa o judaísmo -- o judaísmo DELE. ELE é o trapalhão, ELE é o grosso.
Ricky Gervais, inventor de “The Office”, estreou um seriado na Netflix em que interpreta um deficiente mental. É terno -- e divertido. Louis CK lota teatros tirando sarro de suas duas filhas pequenas. Num de seus esquetes, imagina Deus voltando à Terra e dando uma bronca: “Que porra vocês fizeram? Até os ursos polares? Quem vazou óleo? Eu dei tudo o que vocês queriam e vocês fazem isso?” Russell Brand detonou a Hugo Boss num evento em que era um dos premiados.
Eles falam palavrões e são contundentes. Nenhum deles é vendedor de incenso. São agressivos e polêmicos. Abordam assuntos quentes. Não faz diferença se são de esquerda ou de direita. Tem de ser engraçado. E eles sabem que voltar suas baterias contra uma moça que doa leite não é provocação esperta, não é comédia. É apenas o triunfo da estupidez. Agora, nessa área, pelo menos, nenhum deles bate Danilo Gentili.

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