quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

FUTEBOL - O jogador alemão que assumiu ser gay.

Diário do Centro do Mundo

O craque da seleção alemã que assumiu que é gay arromba a porta da homofobia no futebol

by Diario do Centro do Mundo
Hitzlsperger
Hitzlsperger

Publicado originalmente na DW

Como que inspirada nos shows de casting da TV, no estilo Deutschland sucht den Superstar (Alemanha procura o superstar), a busca se estendeu por quase oito anos: a Alemanha procura seu craque gay.
Em dezembro de 2006, a hoje extinta revista de futebol Rund iniciou o debate, sob a manchete "Um entre cada 11 profissionais do futebol é gay". Desde então, as especulações e prognósticos se acumularam. Reportagens sobre jogadores anônimos eram ilustradas com silhuetas e emolduradas em cor-de-rosa. A homossexualidade era descrita como algo esquálido, sórdido, e portanto inferior à heterossexualidade.
Agora, o ex-craque da seleção nacional Thomas Hitzlsperger resgata o tema dos becos escuros, trazendo-o à luz pública, numa bem fundamentada entrevista ao semanário Die Zeit. Deste modo, o atleta de 31 anos dá partida a uma discussão que teoricamente já foi encenada uma dúzia de vezes. Mas será que torcedores, clubes e mídia vão resistir ao teste da realidade?

Palavras "inofensivas", ressentimentos difundidos

Hitzlsperger recebeu demonstrações de respeito de todos os lados: em público, o futebol pode ostentar liberalidade. Mas que consequências terá o coming out? A discussão vai descambar num culto da personalidade, com manchetes de tabloide e uma maratona de talk-shows? Ou jogadores, clubes e federações aproveitarão a atenção pública para de fato questionar as estruturas do futebol, com seu culto à masculinidade, a sua glorificação dos craques, a exaltação da superioridade pelos torcedores?
A norma implícita do futebol é "masculino, hetero, branco". "Combate, garra e vontade de vencer estão indissoluvelmente interconectados", declarou Hitzlsperger ao Die Zeit. E isso não combina com o clichê "quem é gay, é frouxo", que tantos ainda sustentam.
Hitzlsperger se expõe à opinião pública depois de ter encerrado a carreira. Hoje ele não precisa mais encarar colegas nos vestiários ou torcedores em estádios adversários. Sua decisão é importante, mas, ao estampá-la como uma revolução na história do esporte, corre-se o risco de perder de vista o cerne do problema.
Três exemplos: em 2008, o treinador alemão Christoph Daum indiretamente equiparou os homossexuais aos pedófilos. Após um episódio da série policial televisiva Tatort sobre jogadores de futebol gays, em 2011, o coordenador técnico da seleção alemã, Oliver Bierhoff, classificou a declaração fictícia de um dos protagonistas como "atentado contra a família da seleção nacional alemã". Referindo-se à Copa do Mundo de 2022, no Catar, país onde o sexo entre iguais é punido com prisão, o presidente da Fifa, Sepp Blatter, disse que os homossexuais deveriam "se abster de qualquer atividade sexual".
Daum, Bierhoff e Blatter expressam, assim, em palavras aparentemente inofensivas, ressentimentos difundidos. Se eles tivessem se referido à cor de pele escura ou à origem judaica, o clamor da sociedade teria sido mais alto. Diversos jogos já foram interrompidos por causa de manifestações racistas – por homofobia, nunca. Um coming out será capaz de mudar essa situação?

Futebol ignora a homossexualidade

Num estudo de longa duração da Universidade de Bielefeld sobre hostilidade contra grupos humanos, um quarto dos entrevistados concordou com a seguinte afirmativa: "É nojento homossexuais se beijarem em público".
Nos estádios, é provável que uma atitude homófoba se traduza ainda mais rapidamente em comportamento hostil: são muitos os torcedores alemães que, no anonimato da massa, usam o termo "Schwuchtel" ("bichona") para degradar o adversário.

Torcida antihomofobia
Torcida antihomofobia

A Fundação Nacional Magnus Hirschfeld, de Berlim, porta o nome de um sexólogo alemão e pioneiro do direito à sexualidade, que viveu de 1868 a 1935. Ela se propõe enfraquecer os clichês homofóbicos com um programa de esclarecimento entre os jovens profissionais de futebol. Em meados de 2013, a Federação Alemã de Futebol (DFB) também publicou uma brochura sobre o tema.
Tais iniciativas podem, agora, se reportar a um embaixador: Thomas Hitzlsperger. Ao jornal Die Zeit, ele declarou que, no futebol, a homossexualidade é "simplesmente ignorada". Ele disse não conhecer pessoalmente nenhum jogador que a tenha tematizado. Agora, abriu a chance de ampliar a receptividade dos jovens para o tema, raramente mencionado nos internatos dos clubes ou nas escolas voltadas à formação de esportistas.

Iniciativas das bases

A maioria das campanhas anti-homofobia partiu das bases, muitas vezes enfrentando a resistência do esporte de ponta. A primeira associação esportiva para gays e lésbicas da Europa foi o SC Janus, de Colônia, fundado em 1980 por craques de voleibol. De lá para cá, a Alemanha já conta com mais de 50 clubes esportivos do gênero.
No futebol, 20 torcidas organizadas de torcedores homossexuais se empenham por ganhar aceitação, e projetos para fãs do esporte oferecem workshops. Há anos iniciativas como essas tentam criar um polo de oposição ao "Alemanha procura seu craque gay", e agora, à sombra de Hitzlsperger, podem tentar sair de seu nicho midiático.
A DFB e a Federação Alemã de Esportes Olímpicos (DOSB) prometeram apoio a Hitzlsperger. Ainda em 1995, o DFB ameaçou expulsar suas jogadoras da seleção nacional caso participassem da Copa Europeia de Gays e Lésbicas. Foi o ex-presidente Theo Zwanziger que mudou esse posicionamento. Na época, a DOSB não se opôs ostensivamente a esse posicionamento. Será que as coisas de fato mudaram?
Dentro de um mês iniciam-se os Jogos Olímpicos de Inverno na cidade de Sochi, na Rússia: lá, a homossexualidade é passível de punição pelo Estado.

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