Uma família diferente
Diz
o NY Times: “Ele deu voz aos nova-iorquinos esquecidos – os 46% que
vivem na pobreza ou perto dela, os 50 000 sem teto, os milhões que estão
fora das áreas de segurança econômica e afluência aristocrática.”
O
Times estava se referindo a Bill de Blasio, 52 anos, democrata que se
elegeu espetacularmente prefeito de Nova York. Surgido do nada dentro do
mundo político americano, Blasio venceu as eleições com 40 pontos de
diferença sobre o candidato republicano. Não foi uma vitória, foi um
esmagamento.
Blasio
se elegeu com a seguinte plataforma: combater a desigualdade social,
combater a desigualdade social e ainda combater a desigualdade social.
Para isso, em sua plataforma estavam coisas como o aumento dos impostos para os ricos.
Pausa para uma reflexão: você vê algum candidato à presidência no Brasil falando em aumentar imposto dos ricos?
Bem,
Blasio foi duramente atacado pela plutocracia novaiorquina. Vasculharam
seu passado e brandiram contra ele um passado ativista no qual ele se
colocou a favor dos sandinistas na Nicarágua. Até sua lua de mel em Cuba
foi usada contra Blasio.
Mas
os novaiorquinos não ouviram a elite financeira. E abarrotaram Blasio
de votos numa vitória que, para muitos, simboliza o retorno aos Estados
Unidos de uma coisa chamada ‘esquerda’. Blasio se declara um “socialista
democrático”.
Blasio
é uma figuraça. Ele é casado com uma mulher negra que, antes do
casamento, só tivera relacionamentos lésbicos. Os dois têm dois filhos
adolescentes, um menino e uma menina.
O
garoto tem um cabelo afro que acabou virando destaque na mídia
americana. Um vídeo em que o menino fala do pai viralizou nos Estados
Unidos.
Blasio,
de origem italiana, teve uma infância conturbada. O pai perdeu uma
perna numa guerra e mesmo assim, ao voltar, foi perseguido pelo Estado,
sob a acusação de ser comunista.
O
homem se perdeu: passou a beber, se divorciou e se afastou da família.
Acabou por se matar com um tiro de rifle no peito. “Com ele aprendi o
que não fazer”, diz Blasio. Ele tirou o sobrenome paterno em sua vida
profissional e ficou com o da mãe.
Blasio
conta que teve conversas interessantes com empresários que o viam com
desconfiança. A um deles, cujo avô era um homem sem nada, ele lembrou
que em outros tempos gente pobre tinha oportunidade de ascender. “O
empresário, ao lembrar do avô, entendeu o meu ponto”, diz Blasio.
Obama, que apoiou Blasio, foi uma enorme decepção para os pobres americanos.
Blasio
parece ser diferente. Tem mais conteúdo e foi eleito para mitigar a
desigualdade social. Ele falou muito na parábola de Dickens de “duas
cidades” dentro de uma só, uma riquíssima e outra miserável. (É uma
imagem absolutamente adequada ao Brasil.)
Num
gesto notável, estendeu a mão para a comunidade islâmica de Nova York,
alvo de espionagem constante depois do Onze de Setembro. Disse que a
perseguição e o preconceito vão acabar em sua gestão.
Os
novaiorquinos deram uma chance à sorte ao escolhê-lo maciçamente e
preterir o candidato republicano sob o qual as “duas cidades”
permaneceriam e, com elas, a pobreza abandonada de milhões de pessoas.
Parabéns, mais que a Blasio, aos novaiorquinos.
O texto acima foi publicado em novembro, quando Blasio venceu a eleição. É publicado de novo hoje, quando ele toma posse.
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