Etienne
de La Boétie é o pai dos “99%” – a vasta maioria da sociedade para a
qual cabe uma pequena parcela de um bolo quase todo devorado pelo
restante “1%”, para usar expressões vinculadas a um movimento que marcou
intensamente 2011, o “Ocupe Wall Street”.
La
Boétie escreveu aos 18 anos, em 1548, um pequeno grande livro chamado
“Servidão Voluntária”. Nele,La Boétie sustentava que são as pessoas que
dão poder aos tiranos. Por isso elas são mais dignas de desprezo do que
os ditadores de ódio.
Foi
o primeiro livro francamente libertário. Foi usado pelos protestantes
franceses como uma inspiração para reagir à violência dos católicos,
expressa tenebrosamente no Massacre de São Bartolomeu, na segunda metade
do século XVI. Milhares de protestantes que tinham acorrido a um
casamento da família real francesa foram mortos por forças católicas.
La Boétie
Mais
tarde, o tratado circulou entre revolucionários em vários momentos da
história. Em 1789, por exemplo. Os teóricos do anarquismo foram também
fortemente influenciados por la Boétie. O autor avisa, logo no início de
“Servidão Voluntária”, que seu objetivo é entender como “tantas
pessoas, tantas vilas, tantas cidades, tantas nações sofrem sob um
tirano que não tem outro poder senão o que a sociedade lhe concede”.
La
Boétie formou-se com louvor advogado pela Universidade de Toulouse, e
depois foi um juiz especialmente admirado pela integridade. Arbitrou,
por seu caráter libertário e equânime, muitas disputas entre católicos e
protestantes.
Morreu
aos 33 anos. Deixou todos os seus papéis a um amigo que o imortalizaria
num ensaio sublime sobre a amizade: Montaigne. Tinham-se aproximado na
juventude, depois que Montaigne leu com encanto uma cópia manuscrita de
"Servidão Voluntária". É com base na amizade entre ele e la Boétie que
Montaigne escreveu seu célebre tratado sobre a amizade. “Dois amigos
formam uma unidade tão absoluta que é como se fossem dois tecidos em que
é impossível ver a costura que os junta”, disse Montaigne.
Montaigne
tinha 31 anos quando seu amigo morreu. Ficou arrasado a ponto de se
recolher e largar tudo que fazia. A dor da morte de la Boétie acabaria
sendo vital para que ele começasse a escrever seus Ensaios.
O
livro de La Boétie foi lido durante muito tempo em edições clandestinas
por pequenos grupos de gente culta e rebelde. Um editor francês, muito
tempo depois da morte de Montaigne, teve a idéia de publicar o tratado
de La Boétie como um apêndice dos Ensaios, logo depois do que tratava da
amizade e do próprio La Boétie.
Foi então que “Servidão Voluntária” ganhou reconhecimento em grande escala.
Quando
os “99%” se insurgem contra a desigualdade em várias partes do mundo,
eles podem até não saber – mas estão prestando um tributo a um gênio que
ainda na universidade compôs linhas perenes contra a tirania e os
tiranos.
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