terça-feira, 14 de julho de 2015

ECONOMIA - Dois segredos sobre o poder dos abutres.

Dois segredos sobre o poder dos abutres

Se os argentinos tivessem que votar no referendo grego, deveriam escolher o 'não', como propunha o primeiro-ministro Alexis Tsipras.


Martín Granovsky, para o Página/12
Brandon / flickr
A Argentina não é um vizinho que exporta migrantes aos Estados Unidos, como o México, não é um país estratégico do Oriente Médio, como a Síria, e está longe de ser uma potência petroleira, como a Venezuela. Tampouco é membro da OTAN e com bases, como a Grécia. Por isso, nem em Washington, nem em Paris, nem em Berlim, os funcionários perdem o sono, pensando no que ocorre em Buenos Aires. Felizmente? Sim, ainda que isso possa ferir o orgulho nacional.

Uma política implantada nos Estados Unidos ou na União Europeia poucas vezes têm resultados diretos para a Argentina. A recente licença para a entrada de carne bovina ao mercado norte-americano, por exemplo, teve esse impacto direto. Mas, em geral, o impacto é indireto. Então, quando alguém quer saber quais fatores influirão na Argentina, deve fazer inferências.

É isso o que acontece com a relação entre o país, o sistema financeiro e os abutres.

Se os argentinos tivessem que votar no referendo grego, deveriam escolher o “não”, como propõe o primeiro-ministro Alexis Tsipras. Para a Argentina, o mais conveniente é o “não”.

Se os argentinos tivessem que decidir se desejam um processo negociado entre Estados Unidos e Irã deveriam dizer que “sim”. Para a Argentina, o mais conveniente é que o acordo seja homologado com base nos parâmetros das negociações que avançaram anteontem (sábado 4/7) entre o Irã e os representantes dos Estados Unidos, China, Rússia, França, Reino Unido e Alemanha, segundo o que informou, direto de Viena, o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, Yukiya Amano. Os países vêm conversando sobre o tema atômico desde 2006.

Na Grécia, o ministro da Fazenda, Yanis Varoufakis, não duvidou em definir: “a crises é política”. Segundo ele, Tsipras não quer o referendo para jogar o euro no lixo ou para destruí-lo, mas sim para negociar em melhores condições. “O futuro exige uma Grécia na Zona Euro, mas sem perder seu orgulho”, disse ele, na sexta-feira. “Esse futuro pede aos gregos que digam um grande ´não` neste domingo, que nos mantenhamos na Zona Euro e que, com o poder que nos dá esse ´não´, renegociemos a dívida pública da Grécia e também a distribuição das cargas entre os abastados e os vulneráveis”.

Na política internacional, nada é automático, mas um triunfo de Tsipras marcará uma diminuição relativa do poder do abutre Paul Singer e dos fundos que usam as armas do lobby em favor dos lucros sem limites e das finanças sem regulação. Se a proposta do Syriza tivesse sofrido uma derrota nas urnas, os abutres ficariam contentes, e também mais fortalecidos. A disputa é ideológica e prática ao mesmo tempo. Como analisou Varoufakis, a partir da conjuntura, estava claro que o resultado teria o inevitável efeito de fortalecer ou debilitar as ideias e os projetos dos que preferem o lado dos mais ricos ou o dos mais vulneráveis.

Nessa briga, o Poder Executivo norte-americano está a favor de um acordo que seja menos cruel para com o povo grego. Sua posição não é tão extrema como a defendida pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu – que representa os interesses dos bancos privados – e o Fundo Monetário Internacional. Uma hipótese a se pensar é a de que para a Argentina lhe convém um Obama fortalecido e não debilitado, ainda que sem abrigar muitas esperanças na Casa Branca e em sua vocação solidária no terreno financeiro. É uma questão de qual é o mal menor.

Com relação à negociação com Teerã, não se trata de qualquer negócio. O tema tem relevância porque a Argentina assinou um acordo com o Irã, em 2013, mas não se trata do mesmo caso. Primeiro porque aquele acordo argentino apontava – talvez ingenuamente – a facilitar a colaboração iraniana com a Justiça argentina. Logo, porque o conteúdo das negociações entre os Estados Unidos e o Irã tem como protagonistas a única hiperpotência do mundo e uma potência regional, e tem a ver com a chance de que os persas transformem ou não em membros do clube da bomba atômica.

A ligação desse acordo com o da Argentina é Singer. Assim como o abutre-chefe aproveitou o acordo entre Argentina e Irã para criar uma campanha de descrédito do país no cenário internacional, como se o governo argentino estivesse negando o Holocausto e quisesse o fim do Estado de Israel, também é o ariete contra toda negociação entre os Estados Unidos e o Irã. Mas apesar da campanha virulenta, Singer acaba de ganhar um probleminha. O Conselho para Assuntos Globais de Chicago revelou, na sexta, os resultados de uma pesquisa sobre el programa nuclear iraniano.

Enquanto os líderes republicanos questionam duramente qualquer acordo, a sondagem mostra que 46% dos eleitores desse partido apoia um acordo. Também é verdade que 51% o rechaça – mas não são 70% ou 80%, como se esperava. Segundo o Conselho, a disparidade de critérios entre os líderes e seus votantes tem relação com os muitos milhões de dólares de financiamento eleitoral que recebem de Singer e seus amigos, como Sheldon Adelson, que organizou a desafiante visita do ultradireitista israelense Bibi Netanyahu ao Congresso estadunidense.

O Programa de Consulta Pública da Universidade de Maryland também realizou pesquisa com os cidadãos de Maryland, Oklahoma e Virginia, e obteve os seguintes números:

– Seis de cada dez pessoas está a favor de um acordo nuclear no qual o Irã se comprometa a um desenvolvimento pacífico, em troca do fim das sanções.

– 46% dos republicanos está a favor, 74% dos democratas e 57% dos que se definem como independentes.

– 56% dizem que, se o Irã violar o acordo, apoiaria bombardeios para “impedir a obtenção de armas nucleares”.

– Seis de cada dez aprovariam ciberataques contra o Irã.

– 44% estaria de acordo com enviar tropas para destruir as instalações nucleares iranianas.

– 80% apoiaria castigos econômicos no caso de violação do acordo.

– Um último dado mostra que não há uma simpatia pelo Irã, e sim pelo acordo em si: oito de cada dez norte-americanos pensa que o Irã faz um papel negativo ou muito negativo no Oriente Médio. Tão negativa é essa percepção sobre o Irã que sobressai na comparação com os outros temas. Dois terços dos consultados estão de acordo com o fim do bloqueio econômico a Cuba, incluindo boa parte dos 59% que se definem como eleitores republicanos.

Não parece um aventurado concluir que quanto mas “iranizada” for a agenda pública argentina, melhor para Singer. E quanto mais “iranizada” for a discussão nos Estados Unidos, quanto mais tensa for a relação entre Washington e Teerã, piores serão os resultados para Obama e para a Argentina.

Tradução: Victor Farinelli

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