Condenaram o amigo do FHC. Este bem que poderia também ser condenado pelo menos, pelo crime de lesa-pátria.
Carlos Dória
O ex-presidente do Peru Alberto Fujimori: condenação da Justiça e da História
Paola Ugaz
Direto de Lima (Peru)
O tribunal peruano dirigido por Cesar San Martin declarou culpado e condenou a 25 anos o ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000) pelos delitos de homicídio qualificado e lesões graves, além dos sequestros do jornalista Gustavo Gorriti e do empresário Samuel Dyer.
A sentença abre um novo capítulo na história dos direitos humanos na América Latina e Fujimori se une ao clube formado pelos mandatários Juan Maria Bordaberry, uruguaio, pelo chileno Augusto Pinochet, o boliviano Luis Garcia Meza e pelo argentino Jorge Rafael Videla.
San Martin explicou que o veredicto tem 700 folhas, 1.258 citações ao pé de página e foi dividido em 4 partes. O magistrado disse que foram provados com "certeza razoável" os quatro crimes pelos quais Fujimori era processado: os massacres de Barrios Altos e da Universidad La Cantuta, onde foram executadas extrajudicialmente 25 pessoas, e os seqüestros de Gorriti e Dyer.
Ao ser anunciado que Fujimori foi declarado culpado, houve gritos, lamentos e lágrimas na sala.
Entre os principais pontos da sentença, afirmou-se que:
- No grupo Colina ("Esquadrão da morte"), que dependia de seu braço-direito Vladimiro Montesinos Torres e Nicolas de Bari Hermoza, chefe do exército e comandante das Forças Armadas, foi creditado a Fujimori o papel de políticas de inteligência e de eliminação seletiva, assim como a responsabilidade para designar dinheiro para suas atividades criminosas.
No instante em que era condenado, o ex-presidente tremeu a mão direita ao escrever alguma mensagem ininteligível em espanhol.
Perto da sede onde é ditada a sentença, ocorrem enfrentamentos entre os simpatizantes do ex-presidente com obreiros da central sindical CGTP. Vários ficaram feridos.
Espera-se que a decisão judicial - que cabe recurso por uma das partes - seja confirmada nos próximos 4 meses pela Corte Suprema peruana.
Biografia de Fujimori
A condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, de 71 anos, entrou para a história da América Latina como sendo o primeiro caso de um estadista eleito democraticamente a ser julgado no seu próprio país por violações aos direitos humanos.
Dessa forma, Fujimori faz parte do clube dos governantes latino-americanos julgados por violações aos direitos humanos, cujos outros membros não foram escolhidos em eleições abertas: o boliviano Luis García Meza (1980-81); o argentino Jorge Rafael Videla (1976-81); o chileno Augusto Pinochet (1973-90) e o uruguaio Juan María Bordaberry (1971-76).
Em meados de 1919 chegou ao Peru Naoichi Minami, que foi adotado em 1939 por Rutaro Fujimori e lhe ajudou a conseguir a documentação peruana. Casou-se com Matsue Inamoto e tiveram quatro filhos: Alberto Kenya, Juana, Santiago e Pedro Fujimori.
Alberto Kenya afirma que veio ao mundo em 28 de julho de 1938, data de aniversário da independência do Peru. Durante o seu governo a data era festejada com bolos gigantescos e serenatas que reuniam multidões. Seus opositores contestam essa data de nascimento e afirmam que ele teria inventado esse fato para justificar as suas comemorações populares.
Alberto Fujimori cresceu em Lima, em um ambiente onde desde o século XVI foram forjadas a ferro e fogo as diferenças raciais e de classe entre espanhóis, crioulos (brancos nascidos no país), afrodescendentes e indígenas. Os peruanos viam os japoneses com receio, devido ao seu espírito gregário e ao desconhecimento da sua cultura.
Durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo de estudantes de Lima saiu às ruas para saquear e queimar lojas atendidas por japoneses com o pretexto de que escondiam armas e que tinham a intenção de tomar Lima. Inclusive após o ataque a Pearl Harbor, um grupo de japoneses e seus filhos foram deportados para campos de concentração dos Estados Unidos, com a ajuda do governo peruano.
Por isso não chama a atenção que Fujimori tenha declarado durante a sua defesa - realizada na semana passada - que sofreu na própria carne a discriminação racial em um país que "às vezes não reconhece os seus próprios filhos".
Fujimori estudou no Colégio Público Alfonso Ugarte, destacou-se em matemática e se formou como o estudante mais esforçado. Isso o incentivou a estudar engenharia agrícola na Universidade Agrícola, onde se formou com louvores.
A família Fujimori passou por muitas dificuldades econômicas, agravadas pelo derrame cerebral sofrido pelo pai, Naoichi, que obrigou a mãe, Mutsue, e os irmãos a trabalharem no que pudessem.
Essa situação fez com que Mutsue Fujimori decidisse não participar do círculo de mulheres japonesas e nikkeis (mistura de peruanos com japoneses), uma vez que estavam superando as dificuldades econômicas e o seu primogênito, Alberto Kenya, tinha assimilado fortemente a cultura e o povo peruanos.
Graças ao seu bom desempenho acadêmico, Alberto Fujimori pôde cursar uma pós-graduação em Wisconsin (Estados Unidos) e em Estrasburgo (França).
Três anos após a morte do seu pai, Alberto Fujimori casou-se com Susana Shizuco Higushi - uma nikkei com considerável fortuna - com quem teve quatro filhos: Hiro, Keiko Sofía, Saschi e Kenji Alberto.
Em meados da década de 1980, Fujimori foi eleito reitor da Universidade Agrária e depois Diretor da Associação Nacional de Reitores do Peru, ao mesmo tempo em que estreava na televisão nacional com o seu programa, Concertando.
Nas eleições de 1990, o Peru se encontrava em uma das piores crises econômicas desde a guerra com o Chile, acontecida no final do século XIX, e o grupo terrorista Sendero Luminoso tinha chegado a Lima com a intenção de tomar o poder pela força das bombas e dos assassinatos seletivos.
Nessas eleições, o escritor Mario Vargas Llosa tinha conseguido aliar-se ao ex-presidente Fernando Belaúnde (1980-85) e ao líder social-cristão Luis Bedoya Reyes, que o lançaram como o candidato que salvaria esse país arrasado pela crise.
Embora Vargas Llosa tivesse vantagem nas pesquisas, o apoio dos meios de comunicação e dos intelectuais teve um efeito contrário na candidatura do escritor mais premiado do Peru: os peruanos desconfiaram dele por ser o candidato favorito dos mais ricos.
Além disso, o então presidente Alan García (1985-90) admitiu que fez o possível para que Vargas Llosa não fosse eleito, pois não "gostava dele" e apoiou o candidato Alberto Fujimori, que, sobre um trator de agricultores, oferecia apenas "honestidade, tecnologia e trabalho".
Quando chegou ao poder, em 1990, Fujimori não contava com um partido político para apoiá-lo no Congresso ou que lhe oferecesse os quadros para compor o Ministério. É quando entra em cena Vladimiro Montesinos, oferecendo-se para ser o elo com as Forças Armadas e o seu homem de confiança nos afazeres políticos, com os quais Fujimori não tinha experiência.
Montesinos - denunciado pela revista Caretas desde o início de 1980 pelas suas relações com os narcotraficantes e por ser um ex-militar que vendeu segredos ao Equador - passou a ser o braço-direito de Fujimori e com ele planejou o autogolpe de 5 de abril de 1992, quando fechou o Congresso, o Poder Judiciário e encampou os meios de comunicação.
Meses após a chegada de Montesinos ao serviço de inteligência peruano, foi criado o chamado "Esquadrão da Morte", que passou a ser chamado de Colina por ser o sobrenome de um oficial do exército assassinado pelo Sendero Luminoso.
Em novembro de 1991, o esquadrão Colina irrompeu nos pátios das casas velhas do tradicional distrito de Barrios Altos e eliminou extrajudicialmente 15 pessoas - entre eles um menino de 8 anos - por serem suspeitos de pertencer ao grupo terrorista Sendero Luminoso.
Após um atentado à bomba no exclusivo distrito de Miraflores, que deixou 25 mortos e danificou vários prédios, em 16 de julho de 1992, o esquadrão Colina invadiu a Universidade La Cantuta e eliminou extrajudicialmente um professor e 9 alunos.
A sentença, que será anunciada em Lima, justamente decidirá se Fujimori teve responsabilidade pessoal na criação e nas ações do grupo Colina.
Com a prisão do líder do Sendero Luminoso, Abimael Guzman, a sua companheira, Elena Iparraguirre, e vários membros da cúpula política, Fujimori conseguiu o grande tesouro que o atual presidente Alan Garcia procurou no seu primeiro governo, e pôde continuar endurecendo as leis que - segundo ele - "poriam fim ao terrorismo do Sendero".
Quando começaram a aparecer as notícias da existência do "Esquadrão Colina", Fujimori ignorou as denúncias do então parlamentar Henry Pease e as notícias dos meios de comunicação.
Em vez de investigar o grupo Colina, Fujimori mandou prender o general Rodolfo Robles - que tinha denunciado o grupo Colina - e assinou a promoção dos oficiais desse grupo. Além disso, desde 1994 Fujimori procurou promover uma "lei de anistia" para os membros das Forças Armadas.
No mesmo ano, Fujimori se separou da sua esposa, Susana Higushi, cuja família - conforme os biógrafos do ex-presidente - "não lhe agradava no aspecto social", uma vez que representavam essas famílias japonesas que se radicaram no país andino e tiveram sucesso, diferentemente da sua própria família.
A separação foi uma experiência traumática para ambos os lados, porque a família se rompeu no poder: Keiko Fujimori - sua filha, hoje parlamentar e eventual sucessora política - aceitou ser a primeira-dama e os quatro filhos se aliaram incondicionalmente ao pai.
Em 1995, Fujimori foi reeleito em uma eleição cujo opositor era o ex-secretário geral da ONU, Javier Pérez de Cuéllar.
Em 2000, Fujimori anunciou a sua terceira candidatura à presidência e concorreu em uma eleição em que renunciou à maioria das agrupações por dezenas de irregularidades e suspeitas de fraude.
Após confirmar-se no poder pela terceira vez, em julho de 2000 as atividades do todo poderoso Montesinos começaram a ficar evidentes para todos, inclusive a compra de armas para o grupo guerrilheiro colombiano FARC, em troca de cocaína.
Em setembro de 2000 apareceu um vídeo no qual Montesinos aparece entregando dinheiro a um parlamentar para que este passe a integrar o partido de Fujimori; o presidente foge do país e, em Tóquio, por fax, renuncia à presidência em novembro daquele ano.
Em Tóquio, casou-se pela segunda vez com a empresária japonesa Satomi Kataoka.
Surpreendentemente, cinco anos depois, Fujimori chega em um avião particular a Santiago do Chile, onde é preso. Nesse momento o Peru inicia um pedido de extradição por crimes de lesa humanidade e corrupção.
Em setembro de 2007, o Chile concede a extradição ao Peru e três meses depois o magistrado César San Martín inicia o processo judiciário por crimes de violações aos direitos humanos e sequestro com agravantes.
Paralelamente, o Poder Judiciário condena Fujimori a seis anos por ter dado a ordem de invasão ilegal para que as forças de segurança invadissem a casa da primeira esposa de Vladmiro Montesinos, Trinidad Becerra, para buscar provas que incriminassem seu ex-assessor.
Em poucas horas, Alberto Kenya Fujimori enfrentará uma nova etapa da sua vida. Os juízes peruanos dirão se ele passará os próximos anos na prisão ou se recuperará a liberdade que perdeu desde que chegou ao Chile.
Fonte:Terra Magazine.
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