Lacerda originou "república sindicalista" baseado em carta falsa
Líder da UDN divulgou documento forjado que acusava João Goulart em 1955. Termo agora usado por Serra era, em 1964, um dos preferidos dos golpistas
João Goulart foi acusado de ser parte de trama falsa de venda de armas a forças de sindicalistas. Tese virou munição golpista (Foto: Reprodução/Agência Brasil)
O presidenciável José Serra não resistiu à tentação, ele também, de usar a expressão "república sindicalista" para rebater críticas de dirigentes sobre supostas iniciativas parlamentares do tucano na criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O termo aparece com alguma regularidade na história política brasileira, curiosamente sempre usado por vozes conservadoras. Convém lembrar que tal expressão surgiu de uma operação farsesca ainda nos anos 1950 e ganhou força no avanço golpista dos 1960.
Em 1955, o jornalista Carlos Lacerda divulgou uma carta atribuída ao deputado argentino Antonio Brandi, peronista, que a teria enviado ao ministro do Trabalho, João Goulart. Fazia referência a contrabando de armas e à organização de uma república sindicalista no Brasil. Tudo falso. E quem descobriu foi um jovem repórter da própria Tribuna de Imprensa, jornal de Lacerda. Quem contou, em 2002, para o projeto "Memória da Imprensa Carioca" foi o repórter e hoje comentarista internacional Newton Carlos.
"Vamos recordar um episódio conhecido como Carta Brandi. Foi divulgado o texto de uma carta que um peronista de nome Brandi teria mandado ao Jango propondo a criação de uma república sindicalista na América Latina, a partir de um eixo Brasil-Argentina. O petardo partiu da Tribuna mas logo surgiram desconfianças de que a assinatura da carta era falsa. Nesse meio tempo, o Perón caiu. O Lacerda foi à Argentina e eu o acompanhei com a missão de levantar a 'autenticidade' da carta. Descobri que a assinatura era de fato falsa. Avisei ao Lacerda. Ele disse: 'você não tinha nada que descobrir. O Jango que descobrisse'".
Na articulação para derrubar o presidente João Goulart, um dos argumentos preferidos foi o de que se instalada no Brasil uma temível... "república sindicalista". Na época, havia sido criado (em 1962) o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que apoiava Jango – mas ao que se sabe até hoje não tinha nenhum arsenal escondido para defendê-lo após o golpe.
Volta e meia, alguém surge com a velha expressão, talvez desconhecendo sua origem. Em fevereiro de 2008, a cientista política Lúcia Hippolito recorria ao termo para criticar a "excessiva" influência dos sindicalistas no governo. Em julho de 2009, o jornal O Globo apontava "a república sindicalista", sempre ela, "instalada na Petrobras". A revista Época, do mesmo grupo, também "denunciou" este ano a tal potência sindical atuante na gestão Lula. Desnecessário dizer que a Veja também lançou mão do surrado termo para uma de suas tronitoantes matérias.
E isso porque tudo surgiu de um fato falso. Que o patrão da época não quis publicar, mas os trabalhadores descobriram faz tempo. Os discursos de hoje podiam, pelo menos, ser mais originais.
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