Por Mauro Santayana
É da chamada erudição de almanaque lembrar que o vocábulo candidato procede da túnica alva que os pretendentes aos cargos eletivos romanos usavam em suas campanhas. Essas túnicas eram lavadas todas as manhãs, para que nenhuma mancha eventual viesse a comprometer a sua pureza, a sua candidez. No momento em que percebesse o menor traço de sujeira em sua roupa, o candidato corria para trocá-la. Normalmente alguém do séquito levava uma túnica imaculada para a conveniente substituição.
Como lembrou o professor Robson Leite, em artigo de ontem, neste Jornal do Brasil, a Lei da Ficha Limpa, como ficou conhecida, nasceu no seio da cidadania brasileira, representada sobretudo por duas instituições respeitáveis: a CNBB e a OAB. Elas, baseando-se em uma conquista da Constituição de 1988, pediram aos cidadãos-eleitores que subscrevessem o projeto de iniciativa popular exigindo o atestado de conduta dos candidatos. Como era necessário preservar o direito dos acusados sem provas, chegou-se ao compromisso atual, em que os condenados por um juízo plural não podem ter sua candidatura admitida. Os interessados contestaram a constitucionalidade da lei, e o Supremo Tribunal Federal foi sábio em confirmá-la. A lei não extingue a presunção da inocência: ela apenas reconhece mais uma condição de inelegibilidade, além das já existentes. E já que falamos em Roma, e em erudição de almanaque, não custa relembrar a história de César e sua mulher, Pompeia, acusada injustamente de admitir Clódio a um ritual religioso feminino em sua casa. Se, conforme César justificou seu divórcio, à mulher de César não basta a honestidade, mas é necessária a aparência de conduta ilibada, o mesmo se pede de um candidato: ele deve vestir a túnica limpa.
Havia entre os candidatos romanos a esperteza de desvestir rapidamente a túnica, quando manchada, e tornar a vesti-la pelo avesso, a fim de esconder a sujeira. O candidato Indio da Costa faz lembrar esse expediente. Tendo escapado, graças a uma maioria subserviente, de uma comissão de inquérito na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em que era acusado de desvio de recursos destinados à merenda escolar, aproveitou a chance de vestir a túnica ao avesso, fazendo-se relator do projeto de Ficha Limpa. Agora, indicado para vice-presidente na chapa de José Serra – que caiu na esparrela de aceitá-lo – procura legitimar-se pelo simples fato de, com a costumeira assessoria técnica da Câmara dos Deputados, ter assinado o relatório aprovado.
É mesmo possível que o ex-genro do banqueiro Cacciola seja um rapaz absolutamente honesto. Mas é necessário dar conotação lateral à máxima de César: se à sua mulher era necessária, além da honestidade, a aparência, a um candidato a presidente da República (sempre uma eventualidade a um vice, embora indesejável) não bastam a honestidade e a credibilidade pública dessa conduta, mesmo que sejam aferíveis. São necessárias outras virtudes, como as da coragem moral, da inteligência de Estado, da capacidade de liderança, da experiência das coisas do mundo. Pelo que se conhece desse jovem protegido de Cesar Maia, ele é jejuno desses atributos.
Há ainda tempo para que o deputado Indio da Costa e seu partido caiam na realidade, e renunciem à candidatura insólita e inconveniente. Há, na coligação que apoia o ex-governador, nomes que inspiram mais confiança do eleitorado. Faltam apenas a consciência da ragione di stato e a necessária vontade política para que se substitua o postulante – se a aliança quer realmente ganhar a eleição.
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