Por Mauro Santayana
Não há pior conselheiro do que o desespero. Setores da classe média que haviam “engolido” o operário Luiz Inácio da Silva, e supunham que sua ascensão fosse efêmero capricho da História, desesperam-se com a hipótese de que o lulismo continue, com a vitória de sua candidata, no pleito de domingo. Mas não devemos nos desesperar com seu desespero. É natural que se esforcem para impedir a eleição de quem não desejam. A isso se chama democracia. E é também natural que os partidários da continuidade de uma filosofia de governo, a de Lula, se preparem para defender o que conquistaram. A isso também se chama democracia.
Se examinarmos a situação do país, concluiremos que, pelo menos até agora, todos os setores sociais, incluída a classe média, foram beneficiados. A muitos de nós incomoda a alegria dos banqueiros e de outros grandes empresários. Mas o povão, ou seja, os que nada ou muito pouco tinham para comer e vestir, estão também satisfeitos. Enfim, noves fora zero, a conta se fecha. Do muito que saiu de um lado, para os grandes, alguma coisa ficou para os pequenos; para aqueles que nada tinham, o pouco tem o gosto de muito.
Todos os que conhecem os países ricos, além dos circuitos enganadores do turismo organizado, sabem que a verdadeira classe média brasileira é senhora de grandes privilégios. Há que se considerar que os critérios de remuneração para identificar a classe média brasileira são incorretos. Nenhuma família que tenha, na soma de seus membros ativos, menos de 4 mil reais de renda mensal, pode ser considerada de classe média, embora esteja salva da pobreza. Nessa faixa, se viver nas cidades pequenas e médias do interior, já pode contar com empregadas domésticas, fixas ou eventuais, essas, sim, quase sempre exploradas. Nos países ricos, nenhuma família pode ser considerada de classe média, se não ganhar pelo menos o dobro, e, mesmo assim, seus membros terão que se revezar nos trabalhos domésticos, porque, no máximo, poderão contratar imigrantes ilegais para servi-las um ou dois dias por semana.
O importante é que a fome volta a desaparecer do Brasil. No passado, ela era minorada pela solidariedade entre os pobres. O hedonismo, induzido pela televisão, fez com que muitos pobres se tornassem egoístas. Hoje, o Estado está presente, em vários programas sociais, para suprir a solidariedade, e só escassa parcela da população ainda come aquém de sua fome. Enfim, conforme o velho ditado, quem tem a barriga cheia tem também o coração contente.
Podemos criticar, como fizemos nesta coluna, a forma pela qual o presidente conduziu o processo sucessório, mas esse reparo não invalida a sua natureza democrática. Enquanto não houver reforma política que restaure o pacto federativo e confira mais legitimidade ao sistema eleitoral, dele retirando a influência do poder econômico, teremos que conviver com o possível, até que consigamos o necessário. Em 1964, o tempo, nacional e internacional, era outro. A desastrada greve dos transportes coletivos nas capitais impediu a mobilização dos trabalhadores. Hoje, onde houver um terminal da internet, haverá um palanque como os que têm reunido, aqui e ali, multidões decididas.
Os que, mediante a imprensa e outros meios, quiserem contestar o resultado das urnas, que se preparem para assumir, mais uma vez, e não se sabe com que consequências, os riscos do desatino.
É bom que reflitam, renunciem a aventuras liberticidas e se preparem para exercer oposição honrada, ainda que seja firme.
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