Por Mauro Santayana
Não se neguem ao candidato José Serra ideias e atos que fazem os homens públicos. Muito cedo, ao dedicar-se à política estudantil, anunciou seu compromisso com a defesa da soberania do país, revelou capacidade de trabalho e espírito de liderança. A conduta discreta que manteve no exílio, sobretudo depois da segunda tragédia que viveu, durante o golpe contra Allende, no Chile, não impediu que mantivesse seus contatos e a ação política contra o regime militar. Com a anistia, tornou-se empenhado na busca de solução negociada para a redemocratização, ao lado de Franco Montoro, de quem foi secretário. Na articulação do movimento das diretas e da candidatura de Tancredo, seu papel foi importante. Faltou-lhe, logo depois, a persistência no projeto de transformar o PMDB em partido ideologicamente afinado com a social-democracia europeia, conforme o desejo de sua ala acadêmica. Sendo assim, e sob discutível razão moralizadora, ele e seu grupo, com apoio de alguns mineiros, fundou o PSDB.
Com o passar do tempo e sua presença no governo de Fernando Henrique, José Serra tornou-se um pragmático. Esse pragmatismo o levou a participar do processo de privatizações, que constituem o momento mais estranho da vida brasileira, depois da restauração do poder civil. A nação, em sua alma histórica, jamais aceitará a entrega de seus ativos estratégicos a alguns privilegiados, entre eles estrangeiros, e a preços simbólicos. Trata-se de patrimônio construído com o trabalho de todas as gerações de brasileiros. Apesar de tudo isso, Serra podia ser considerado, naquele governo, um patinho feio. Sua nomeação para o Ministério da Saúde foi casca de banana colocada em seu caminho pela equipe econômica do governo, empenhada, até as orelhas, com o Consenso de Washington.
Esperava-se que, no setor mais difícil da administração, ele desabasse. Serra, com sua capacidade de trabalho, fez o que pôde ali, porque teve com Adib Jatene e Jamil Haddad (no governo Itamar) predecessores competentes.
Pouco a pouco, passou a distanciar-se, muito mais do que o tempo transcorrido, do jovem dirigente da UNE. Cometendo erros políticos elementares, entre eles o de superestimar a própria força eleitoral, confiado na tração da locomotiva paulista, impôs-se como candidato ao partido, desdenhando os líderes estaduais. E se tornou, malgré lui même, um liderado do ultradireitista Indio da Costa, sob suspeita de desvio de merendas escolares, que está ditando os rumos finais da campanha.
Se conseguisse uma pausa de solidão, na agenda de sua campanha, Serra na certa entenderia que de nada lhe serve imputar aos adversários o grotesco expediente de mandar alguém levantar os registros fiscais de seus familiares na Receita Federal.
Faltou a Serra e a seus conselheiros encontrar o ponto correto de diferença entre as duas candidaturas, sem que fosse necessário o ocioso apelo à direita. Essa guinada de Serra à ala mais reacionária da oligarquia conservadora, que troca de nomes mas não de odor (a irada UDN de Lacerda, a submissa e famigerada Arena dos militares), é inequívoca prova de desinteligência política.
Melhor seria admitir a hipótese de uma derrota honrosa, se não houver tempo para reencaminhar a campanha. Para isso, no entanto, será necessário que ele volte a ser o José Serra da UNE. E por falar na juventude dos candidatos, convinha a Serra desvincular-se publicamente dos odiosos ataques que têm sido feitos a Dilma Rousseff, pelo fato de ela ter combatido a ditadura militar.
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