Do site Agência Carta Maior.
A contaminação informativa
A Lei de Meios Audiovisuais sancionada pelo Parlamento argentino é necessária, já que permite romper o controle dos monopólios informativos, gerar o pluralismo jornalístico e recuperar a liberdade de imprensa. A reação das corporações, como o grupo Clarín, desatou uma campanha virulenta contra o governo acompanhada pela voracidade de uma oposição sem idéias, que busca unicamente golpear o governo e que tem todos os meios de comunicação à sua disposição, como a pitonisa que anuncia todo tipo de catástrofes. O artigo é de Adolfo Perez Esquivel.
Adolfo Perez Esquivel (*)
A vida dos povos está submetida aos impactos ambientais, à contaminação auditiva e visual da palavra e das idéias, que impõem o monocultivo das mentes. Os avanços tecnológicos são utilizados muitas vezes para o controle dos meios de comunicação e, assim, para o condicionamento e a manipulação dos povos. Nenhum meio informativo é asséptico, mas deve basear-se na ética e em valores a serviço dos povos e não para se servir dos mesmos.
Uma das grandes conquistas das lutas sociais foi a liberdade de imprensa, o direito de informar e ser informado, mas os grandes monopólios econômicos, ideológicos e políticos que controlam os meios de informação mataram a liberdade de imprensa e querem confundi-la e reduzi-la à liberdade de empresa, duas expressões que não são sinônimas.
A contaminação da palavra e a propaganda midiática chegaram a tal extremo que não permite ver com clareza onde está verdade informativa. A ética e a busca da verdade estão ausentes e prevalece a distorção da realidade. A CNN é o exemplo dessa contaminação de que sofremos povos. Sua ação no Iraque foi e é para justificar a guerra e difundir que esse país possuía armas de destruição em massa. Algo semelhante está sendo armado agora contra o Irã e outros países. Por outro lado, ocultam massacres e assassinatos de crianças e de população civil no Iraque e no Afeganistão, onde os que se dizem defensores da “democracia” se dedicam ao saqueio do patrimônio do povo iraquiano e implantam centros de tortura levando morte e destruição a essa região. Esse povo é acusado de “terrorismo islâmico”, quando os verdadeiros terroristas são os torturadores e assassinos que invadiram esses países, violando os direitos humanos, os direitos dos povos e todas as convenções internacionais.
Os grandes monopólios informativos da Europa, Estados Unidos e América Latina estão em uma forte campanha internacional para atacar e desprestigiar governos como o de Hugo Cávez, na Venezuela, acusando-o de tirano e de todos os males, ignorando em seus esquecimentos intencionais que Chávez é um dos poucos presidentes que se apresenta para eleições e é reeleito pelo povo, por suas políticas sociais e trabalho em favor dos setores mais pobres da população.
Outro alvo midiático dessa campanha de desprestígio é o presidente Evo Morales, da Bolívia, que enfrenta a campanha e a ação dos meios concentrados de comunicação, contra um governo que tem buscado a integração e a vida dos povos em um país pluricultural e nacional, desagradando aos interesses econômicos e políticos que sempre dominaram a Bolívia.
As campanhas midiáticas dos grandes monopólios informativos são dirigidas buscando uma contaminação mental que debilite os governos progressistas. Através do tempo vemos que o mesmo ocorre com Fidel Castro e o governo cubano; 50 anos de resistência e assombro no mundo diante dos avanços e da capacidade de seu povo, com seus programas de saúde, educação, luta contra o analfabetismo e a pobreza.
Cuba é um povo solidário com outros povos mais necessitados e os fatos falam por si mesmos. Há muito tempo, antes do terremoto que assolou o Haiti, Cuba enviou médicos, educadores e técnicos para apoiar e trabalhar solidariamente junto ao povo haitiano, vítima da pobreza, marginalidade, violência social e estrutural e de desastres naturais. Os Estados, como resposta às necessidades do povo haitiano, enviou 20 mil soldados para controlar e submeter o povo. Mas disso não se fala. A intenção das campanhas jornalísticas é estar a serviço dos interesses econômicos e políticos dos poderosos para submeter os povos.
Muitas ações solidárias e fatos positivos são ocultados pelos meios informativos. A presidente Cristina Fernández de Kirchner, em sua viagem a Europa, lembrou a crise vivida por esses países e sugeriu não aceitar a receita do FMI e do Banco Mundial, advertindo a respeito das graves conseqüências que elas já tiveram na vida do povo argentino. A soberba dos grandes meios de comunicação europeus recebeu essa advertência de forma depreciativa, falando “dessa senhora que quer nos ensinar o que devemos fazer”. Seria bom e saudável que prestassem atenção aos conselhos da presidente que solidariamente lhes estendeu a mão.
Já defendi publicamente e reafirmo que a Lei de Meios Audiovisuais sancionada pelo Parlamento argentino é necessária, já que permite romper o controle dos monopólios informativos, gerar o pluralismo jornalístico e recuperar a liberdade de imprensa. A reação das corporações, como o grupo Clarín, desatou uma campanha virulenta contra o governo acompanhada pela voracidade de uma oposição sem idéias, que busca unicamente golpear o governo e que tem todos os meios de comunicação à sua disposição, como a pitonisa que anuncia todo tipo de catástrofes, sem diferenciar as contribuições e avanços do governo, assinalando apenas seus erros e aumentando sua real dimensão. Isso é um fator preocupante para a vigência da democracia no país.
Com o tema da Papel Prensa, empresa monopolista, é preciso investigar as ações da ditadura militar e quem se favoreceu com elas. A família Graiver foi submetida a seqüestros, torturas, cárcere e morte, além de ter seus bens todos apropriados. O governo argentino iniciou uma investigação para determinar responsabilidades. Manobras similares a esta envolvendo a Papel Prensa foram utilizadas pela ditadura militar para se apropriar das empresas e recursos dos irmãos Iaccarino, vítimas da violência e da impunidade desses anos.
Ao mesmo tempo, o governo – e tenho assinalado isso em reiteradas oportunidades – não sabe e não quer dialogar. É um governo de confrontação e agudização dos conflitos, movendo-se com muita soberba e pouco sentido político para resolver os problemas do país, somando-se a isso as políticas provinciais dos senhores feudais, que fazem o que querem e não o que devem, e estão levando as províncias a um quadro de desintegração social, cultural, política e econômica.
A política neoliberal impulsionada pelo governo não se modificou desde o menemismo que tanto dano trouxe ao país. Pelo contrário, aprofundou-se, porque uma coisa são os discursos progressistas e outra é a realidade. O problema político e econômico do governo e da Sociedade Rural Argentina, não são muito diferentes. A disputa está em quem fica com o pedaço maior da torta. Basta ter em mente que o governo não faz nada para frear os danos ambientais e os agrotóxicos, a exploração de megamineradoras com seus desastres e danos para a saúde das populações e de suas economias regionais e familiares.
Por outro lado, devemos ter presente que o governo, em suas contradições, avançou em diversos campos sociais. Seria importante para o país que as forças progressistas, opositoras ao governo, apresentassem alternativas ao modelo atual, ao invés de ficar apenas fazendo críticas que não vão para nenhum lado. Os desafios são enormes e é preciso repensar o país, gerar um novo contrato social que permita avançar em sua construção democrática e a vigência dos direitos humanos em sua integridade. A liberdade de imprensa permitira uma maior consciência crítica e o fortalecimento de valores éticos, sociais, culturais e políticos. Superará a contaminação informativa e, assim, poderá repensar o país que queremos.
(*) Arquiteto argentino, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1980 por sua obra de combate à violência na América Latina.
Fonte: Agência Carta Maior.
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