Por Mauro Santayana
Ao assumir sua plena responsabilidade pela derrota eleitoral dos democratas, nas eleições legislativas de terça-feira, o presidente Barack Obama comportou-se como um grande estadista. Os êxitos obtidos fizeram-no descuidar-se de seus contatos com o povo, sobretudo com a parcela que o elegeu. Ele deveria ter sido bem claro e didático, a fim de explicar as dificuldades eventuais, sem diminuir as esperanças nas grandes mudanças prometidas. É uma lição que deve ser aproveitada pelos chefes de Estado.
Nos Estados Unidos, o mandato dos representantes (deputados federais) é de apenas dois anos, o que leva o chefe do Poder Executivo ao risco de perder a maioria legislativa nas eleições de meio-termo, no início de seu terceiro ano de governo. Esse revés não é raro. Geralmente, parte do eleitorado se sente frustrada com o governo e revela sua insatisfação ao votar nesses pleitos intervalares. O que é raro é o tamanho da derrota que os democratas sofreram.
A reação dos comentaristas e leitores de jornais norte-americanos vai do pessimismo de setores da esquerda (norte-americana, bem se entenda) à euforia do reacionário Tea Party. Entre os dois extremos atua a lucidez de alguns jornalistas e historiadores. Segundo Timothy Egan, em seu comentário no New York Times, Obama salvou o capitalismo – e está pagando por isso. Na verdade, ele não está pagando por ter salvado o capitalismo, mas pelo fato de que, para preservar o sistema como um todo, teve que promover reformas de caráter social, como a da assistência à saúde.
Muitas vezes essas derrotas têm o efeito salutar de advertir o presidente de seus erros. Isso se registrou, entre outros casos, com Bill Clinton. Há, no entanto, uma circunstância especial, no caso de Obama. Trata-se de um outsider em quase todos os sentidos: na cor da pele, no nascimento fora do território continental, no nome árabe – e na história de vida. Em seu benefício, mas não a ponto de incluí-lo na elite do poder, militam os êxitos acadêmicos, na vetusta e referencial Universidade de Harvard.
Muitos lembraram Roosevelt e o New Deal, mas, embora o problema central fosse o mesmo (impedir a catástrofe do capitalismo insensato), a situação é bem diferente. A insânia do liberalismo, que levara à Primeira Guerra Mundial, reclamava (como hoje) a recuperação do Estado na direção das sociedades, sobretudo na intervenção no processo econômico. Na Rússia, a resposta foi a revolução de esquerda, na Itália e na Alemanha, a ditadura de direita. Roosevelt conseguiu assegurar o sistema, nele intervindo com as corajosas reformas do New Deal, para isso enfrentando poderosos inimigos, entre eles, a Suprema Corte. Não fosse a sua ameaça de promover a reforma do tribunal, ampliando o número de juízes, de 9 para 14, e assim criar a maioria de que necessitava, não teria cooptado para apoiar seu governo o famoso juiz Owen Roberts que, a partir de 1937, assegurou-lhe a maioria necessária nas decisões fundamentais.
A intervenção do Estado na economia é historicamente recusada pelos republicanos. No fundo trata-se da velha e universal luta entre os pobres – que buscam a justiça da igualdade de oportunidades – e os ricos, que defendem seus privilégios. É necessária a moderação dos ricos, a fim de evitar o estouro da miséria. Como bem assinalou, ainda em 1933, Donald Richberg, um dos grandes conselheiros de Roosevelt, ao resumir a razão do New Deal: “Uma economia nacionalmente planificada é a única salvação de nossa situação atual e a única esperança para o futuro”.
Daí o grande paradoxo e o ir e vir da História: só o Estado, ao disciplinar a economia, salva o capitalismo; mas, uma vez salvo, o capitalismo trata de algemar o Estado, criar outra crise e socorrer-se com o dinheiro do povo.
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