Ria inclinado sobre o corpo do rapaz e com uma mão torcia o rosto ensangüentado para as câmeras. O cabo Jeremy Morlock ostentava seu troféu de caça, um civil afegão inocente, como costumava exibir os dos alces que caçava em seu pago do Alasca. As fotos deste militar de 23 anos tratando um ser humano como se fosse um animal, foram publicadas na semana passada pela revista alemão Der Spiegel. Até o exército dos Estados Unidos, uma instituição pouco dada a desculpas, disse que as imagens eram “repugnantes”.
A reportagem é de Guy Adams e publicado no jornal Página/12, 25-03-2011. A tradução é do Cepat.
Esta semana, Morlock foi condenado a 24 anos de prisão por um tribunal militar na base Lewis-McChord, perto de Seattle, no estado de Washington. O cabo se havia declarado culpado de ser o líder de um “pelotão de execução” de soldados rasos que mataram três civis ao acaso, por esporte, durante seus 12 meses de serviço na província de Kandahar entre 2009 e 2010. Morlock não foi condenado à morte ou prisão perpétua porque aceitou declarar contra seus camaradas “esportistas”.
Este caso, que já é chamado de “Abu Ghraib afegão”, promete deixar muitas perguntas sem resposta: os seus superiores sabiam do esporte que os soldados praticavam? Atentavam para a saúde mental dos homens sob seu comando? Não seriam os acusados apenas a ponta de um iceberg muito maior? O que se sabe de Morlock não ajuda a acalmar estas preocupações.
Terceiro de oito filhos de uma família de classe operária da minoria indígena Athabaska, Morlock nasceu em Wasilla, Alasca. No ensino médio jogou hockey sobre gelo com seu amigo Track Palin, na equipe treinada por sua mãe, a agora famosa ex-governadora Sarah Palin. Em 2006, terminou a graduação e entrou no exército, que o enviou à Quinta Brigada de Ataque da Segunda Divisão de Infantaria. Durante seu treinamento, Morlock relatou episódios de depressão agravados pela inesperada morte de seu pai, que se afogou em 2007.
Em meados de 2009, Morlock foi transferido para o sul do Afeganistão, por um ano, e de imediato se encontrou sob fogo. Participou de quatro “contatos” com o inimigo e em três deles sofreu concussões. Em uma carta à sua mãe disse: “há apenas três meses que cheguei e já não creio que alguma vez possa falar das coisas que estão acontecendo comigo”. Na mesma carta, confessava que não conseguia dormir e se sentia “traumatizado”.
Morlock começou a fumar maconha, que se cultivava em Kandahar, e lhe receitaram 10 medicamentos diferentes, incluindo analgésicos, antidepressivos e comprimidos para dormir. Após sua prisão, os médicos militares informaram que sofria de síndrome pós-traumática, era usuário de drogas e sofria de desordem de personalidade. Nenhum destes sintomas fez com que o enviassem para a retaguarda.
Em seus interrogatórios, o cabo contou que começou a matar civis desarmados junto com seus colegas depois do Natal de 2009, segundo ele com o apoio de seu sargento, Calvin Gibbs. Este suboficial, aparentemente, tem o hábito de cortar os dedos dos inimigos que mata e disse que havia matado por esporte durante seu rodízio no Iraque. “Se Gibbs soubesse que estou contando isso a vocês, certamente me faria merda”, disse Morlock aos interrogadores em uma conversa que parou no YouTube. Os advogados do sargento negam furiosamente que isto seja verdade.
Os três assassinatos pelos quais Morlock foi condenado ocorreram em janeiro, fevereiro e maio do ano passado. Não são conhecidos todos os detalhes, mas o acusado disse que haviam acomodado os corpos de tal maneira que parecessem baixas legítimas de guerra.
O que está ficando claro é que a Quinta Brigada de Ataque tem um problema. Seu comandante, o coronel Harry Tunnell, foi subidamente removido em meados do ano passado e esta semana foi acusado pela corte marcial de comandar uma brigada “disfuncional”. Um psicólogo da defesa disse que sua cadeia de comando “criou um ambiente propício para estes crimes”. Vários soldados disseram que falaram com seus superiores sobre problemas de abuso de autoridade e uso de drogas, mas que foram ignorados e, num caso, atacados para que se calassem. Os familiares de um soldado, que revelou em uma mensagem postada no Facebook que civis inocentes estavam sendo mortos, fizeram contatos com o comando da Brigada em Seattle, mas nunca receberam resposta.
Morlock foi preso em julho do ano passado e desde então está numa solitária. Teve um filho que ainda não conhece. Nos interrogatórios anteriores ao julgamento, chamou a atenção que nunca tentava culpar as drogas ou o estresse por seus atos. “Perdi meu norte moral”, foi sua explicação. Sua mãe já gastou 5.000 dólares com sua defesa legal e disse à imprensa que seu filho foi condenado para cobrir um problema maior. “Acho que o ordenaram a fazer o que fez”, disse a mulher. “Creio que seus superiores estão envolvidos e eles estão pagando. Ali acontece de tudo...”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário