Recordar é viver. Em pleno carnaval, antes da Quaresma, é bom analisar a surpreendente ressurreição de Palocci, para comprovar que a memória da opinião pública só dura 15 dias.
Tadeu Cordova Borges
Em novembro de 1992, Lula colhia os frutos de sua Caravana da Cidadania, despontando nas pesquisas para a Presidência em 1994, e isso causava enorme preocupação nas elites do país. Em um jantar na residência de Olacyr de Moraes, em São Paulo, reunida boa parte da elite da Paulicéia, discutiu-se o assunto eleição e concluíram que só um nome com grande popularidade poderia fazer frente à Lula.
Decidiram então lançar Pelé a presidente, e a candidatura pegou fogo. Naquele tempo não havia internet nem TV por assinatura, e Pelé estava no exterior. Quando ele voltou ao país, descartou completamente a candidatura e já no dia seguinte não se falou mais no assunto.
Esse fato é muito importante porque uma outra pré-candidatura aconteceu para as eleições de 2002. Ao contrário de Pelé e embora nunca tenha se filiado a partido político, o protagonista não descartou a candidatura e ela constou de pesquisas do Ibope até setembro de 2001. O pré-candidato era o então Ministro da Fazenda Pedro Malan.
Sou economista e desenvolvo incessante trabalho de pesquisa. Em decorrência, preciso acompanhar acontecimentos de outras áreas além da economia, e a política é a que mais se destaca. Dentro dessa ótica, não consegui entender a razão da presença em pesquisa de alguém que não demonstrava a menor vocação para o ramo, no caso de Pedro Malan candidato a presidente. Jamais poderia entender que se estava montando uma armadilha, na qual o PT, como um todo, foi apanhado.
Na cronologia da sucessão de 2002 registramos: Lula foi eleito no segundo turno, em 27 de outubro. Quatro dias depois, houve uma visita informal a FHC no Planalto. No dia 8 de novembro aconteceu um jantar, em que estavam, além de Fernando Henrique e Lula e respectivas esposas, José Dirceu e Antonio Palocci por parte do novo governo, e Pedro Malan e Pedro Parente por parte do governo em final de mandato.
No dia 12 de novembro houve enfim um encontro a sós entre Pedro Malan e Antonio Palocci. Nenhuma pessoa esteve presente, nada se noticiou, não ouvi nem li algo a respeito, mas tenho certeza que naquele encontro MUDOU-SE O RUMO DO BRASIL. Não tenho prova alguma, como não tenho dúvida também. Ali foi celebrado um pacto funesto: a continuidade da monstruosa política econômica de Pedro Malan, baseada no tripé de câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário, em troca do prestígio a Palocci.
O prestígio a Antonio Palocci foi através de matérias superelogiosas nas revistas Época e Veja, que tiveram seu fechamento editorial em 22 de novembro, dez dias depois do pacto funesto. A revista Veja inclusive prognosticou que Palocci deveria ser o ministro da Fazenda, algo que Lula não dera o menor indício, mas que se tornou irreversível. Um gesto banal de Palocci, coordenador da transição, mereceu rasgados elogios nas duas publicações. O Brasil recebia naqueles dias missão do FMI chefiada pelo argentino Jorge Marquez-Ruarte. Um dos integrantes da missão informou que Palocci se recusou a discutir a elevação do superávit primário, alegando: “Por enquanto, só o atual governo pode acertar metas com o Fundo”.
Em 27 de outubro, data do segundo turno da eleição, a taxa de juros estava em 20,9%. Em 21 de novembro, nove dias após o fatídico encontro, a taxa foi aumentada em 1%. E em 19 de dezembro, com Meirelles já escolhido presidente do BC e sabatinado (17/12) , Armínio Fraga e equipe tiveram liberdade para aplicar um reajuste de 3% na Taxa Selic, sem que ninguém do novo governo reclamasse.
Lula começou seu discurso no Congresso, no dia da posse, afirmando: “MUDANÇA É A PALAVRA-CHAVE“. Mas Palocci assumira o compromisso de não mudar, e nas primeiras reuniões do Copom no governo Lula, em janeiro e fevereiro de 2003, os juros sofreram altas de 0,5 e 1%, batendo em 26,5%, cinquenta por cento acima dos 17,9% vigentes na data do primeiro turno, em 3 de outubro. A mudança de Lula ficara só no discurso.
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A PRESSÃO DOS BANQUEIROS SOBRE O BC
Em julho de 2003, primeiro ano de Lula, houve uma gigantesca pressão dos banqueiros sobre o Banco Central para que fosse reduzido o recolhimento compulsório sobre depósitos à vista. A autoridade monetária não deu ouvidos, alegando que era impossível. Em agosto, durante uma semana a imprensa divulgou que Palocci estava para cair. O presidente Lula desmentiu, dizendo que quem apostasse contra Palocci iria perder, conforme entrevista publicada na revista Veja. Mas a notícia da queda foi suficiente para que o recolhimento compulsório caísse de 60 para 45%, e na reunião do Copom daquele mês a taxa de juros caiu de 24,5 para 22%, o maior corte do governo Lula.
No segundo semestre de 2004 Palocci enfrentou seu mais sério dilema. Comprometido com Malan a seguir a mesma política recessiva, sentia pressões pelo crescimento partindo de todos os lados. Particularmente, creio que orientado pelo próprio Malan, chegou-se a fórmula mágica: “Basta o IBGE divulgar que o país cresceu”. E foi o que aconteceu. O índice (divulgado sempre no último dia útil do segundo mês após o trimestre, agosto portanto) revelou que o Brasil teve crescimento de 5% no segundo trimestre de 2004.
Recorrendo-se a qualquer critério para verificação da veracidade de tal crescimento, constatei que foi inacreditável ou incrível, na legítima acepção das palavras. Nada aconteceu que justificasse o crescimento. A política econômica foi exatamente a mesma dos cinco trimestres anteriores de estagnação.
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PALOCCI NEM SABE O TRIMESTRE DO CRESCIMENTO
Três outros fatores comprometem qualquer crença no acontecimento. No livro “Sobre formigas e cigarras”, página 105, sem elencar qualquer ato que o justificasse, o próprio Palocci afirma que o crescimento foi no terceiro trimestre de 2004. Portanto, nem ele sabe em que trimestre foi. Em segundo lugar, o Presidente Lula, bem no meio do trimestre de excepcional aumento do PIB, declarou a imprensa que estudava criar metas de crescimento. Por que criar metas de crescimento se o país já estava crescendo satisfatoriamente? Finalmente, o PT do Rio de Janeiro, capital, deu uma outra explicação para o fraco desempenho de Jorge Bittar nas pesquisas recém-divulgadas, no início de setembro. Entre outros motivos, o PT informou que o crescimento econômico não passou pela Cidade Maravilhosa.
No espaço de uma semana (duas sextas feiras, 16 e 23 de julho), o então ministro da Fazenda mostrou seu espírito antidesenvolvimentista. Em 16.07 o Governo anunciou um aumento na carga tributária, elevando a contribuição previdenciária em 0,6%. A gritaria foi ampla, geral e irrestrita. Na segunda-feira seguinte o Palocci compareceu ao programa “Bom Dia Brasil” onde afirmou que a medida era indispensável e irreversível. Dois dias depois ela deixou de ser indispensável, pois foi revertida. Na sexta, 23, o mesmo governo anunciou uma redução na carga tributária. Difícil de entender, principalmente se considerarmos que no dia 20.07, bem no meio dos anúncios, o Tesouro revelou que a arrecadação federal foi recorde no primeiro semestre, com aumento real de 8,83%, sobre igual período de 2003.
Em março de 2005, com Severino Cavalcanti na presidência da Câmara, o PP começou a brigar pelo Ministério das Comunicações, mirando na Diretoria dos Correios. O jornalista Klécio Santos, então no Diário Catarinense (Grupo RBS), escreveu um artigo interessante, em 16 de março, intitulado “O mel dos Correio$”. No texto uma frase isolada resume o comportamento do Ministro Palocci: “São R$ 6 bilhões, um dos mais gordos (orçamentos) do Planalto e um dos únicos imune aos humores da tesoura de Palocci”.
Neste mesmo sentido houve denúncia do também ex-ministro Roberto Rodrigues, publicada na coluna de Ancelmo Gois, em O Globo: “O Brasil está com uma espada apontada para a cabeça, por causa da dificuldade de convencer Palocci a liberar recursos para a prevenção à febre aftosa”.
A economia é uma ciência que atua em um campo muito amplo. É comum economistas especializarem-se em determinado assunto, como Rudiger Dornbusch, que se aprofundou em estudos das diversas políticas cambiais e muitas dores de cabeça deu em Pedro Malan, por ocasião da sobrevalorização do real, no primeiro mandato de FHC. Já Steve Hanke, economista do MIT, especializou-se na atuação dos diversos bancos centrais do mundo. Palocci, sem ser economista, tornou-se uma exclusividade, quando, ainda ministro, afirmou que o Brasil precisava de dez anos de arrocho para depois crescer.
A Folha de S. Paulo tem em seus quadros a figura do ombudsman, que escreve aos domingos. Marcelo Beraba exercia a função estouraram as denúncias contra Palocci e a “República de Ribeirão Preto”. Na sua coluna, o ombudsman declarou-se impressionado com a blindagem que a mídia impôs a Palocci.
Após as denúncias do ex-assessor Rogério Buratti e do caseiro Fracenildo, Palocci compareceu três vezes ao Congresso para depor. Em 17 de março, o blog de Fernando Rodrigues registrou: “O risco de Palocci receber voz de prisão em sua cidade é real”. No dia seguinte, a Folha de S. Paulo circulou com manchete “PALOCCI NÃO SAI NEM SE PEDIR, DIZ LULA“. Dez dias depois, o então presidente fez Palocci pedir o boné.
Os anos se passaram, Palocci voltou ao poder, os juros voltam a subir e ficou comprovado o ditado de que a memória da opinião pública brasileira só dura 15 dias.
Fonte: Tribuna da Imprensa online.
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