Nesta nova Reflexão, o comandante da Revolução cubana, Fidel Castro, aborda o complexo problema do tráfico de drogas e o fluxo migratório de países latino-americanos, especialmente da América Central, para os Estados Unidos. E discorre sobre as posições assumidas pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em sua última viagem a El Salvador.
Os latino-americanos não são criminosos natos nem inventaram as drogas.
Os Aztecas, os Mayas e outros grupos humanos pré-colombianos do México e da América Central, por exemplo, eram excelentes agricultores e nem sequer conheciam o cultivo da coca.
Os Quechuas e Aymaras foram capazes de produzir nutritivos alimentos em perfeitos terraços que acompanhavam as curvas de nível das montanhas. Em planaltos que às vezes ultrapassavam os três e quatro mil metros de altura, cultivavam a quinua, um cereal rico em proteínas, e a batata.
Conheciam e cultivavam também a planta de coca, cujas folhas mastigavam desde tempo imemoriais para mitigar o rigor das alturas. Tratava-se de um costume milenar que os povos praticam com produtos como o café, o tabaco, a aguardente e outros.
A coca era originária dos abruptos declives dos Andes amazônicos. Seus povoadores a conheciam desde muito antes do Império Inca, cujo território, em seu máximo esplendor, se estendia no espaço atual do sul da Colômbia, todo o Equador, Peru, Bolívia, o leste do Chile e o noroeste da Argentina, que somava cerca de dois milhões de quilômetros quadrados.
O consumo da folha de coca se converteu em privilégio dos imperadores Incas e da nobreza nas cerimônias religiosas.
Com o desaparecimento do Império depois da invasão espanhola, os novos senhores estimularam o hábito tradicional de mastigar a folha para aumentar as horas de trabalho da mão de obra indígena, um direito que perdurou até que a Convenção Única sobre Entorpecentes proibiu o uso da folha de coca, exceto com finalidades médicas ou científicas.
Quase todos os países a assinaram. Pouco se discutia qualquer tema relacionado com a saúde. O tráfico de cocaína não alcançava então a enorme magnitude atual. Nos anos transcorridos se criaram gravíssimos problemas que exigem análises profundas.
Sobre o espinhoso tema da relação entre a droga e o crime organizado a própria ONU afirma delicadamente que “A América Latina é ineficiente no combate ao crime.”
A informação que distintas instituições publicam varia devido a que o assunto é sensível. Os dados às vezes são tão complexos e variados que podem induzir à confusão. Do que não cabe a menor dúvida é que o problema se agrava aceleradamente.
Há quase um mês e meio, em 11 de fevereiro de 2011, um informe publicado na Cidade do México pelo Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça desse país, oferece interessantes dados sobre as 50 cidades mais violentas do mundo, pelo número de homicídios ocorridos no ano de 2010. Nele se afirma que o México reúne 25% delas. Pelo terceiro ano consecutivo a número um é Cidade Juárez, na fronteira com os Estados Unidos.
Em seguida o informe expõe que “…naquele ano a taxa de homicídios dolosos de Juárez foi 35% superior à de Kandahar, no Afeganistão ― a número dois no ranking― e 941% superior à de Bagdá…”, quer dizer, quase dez vezes superior à capital do Iraque, cidade que ocupa o 50º lugar da lista.
Quase de imediato acrescenta que a cidade de San Pedro Sula, em Honduras, ocupa o terceiro lugar com 125 homicídios por cada 100 mil habitantes, sendo superada apenas por Ciudad Juárez, no México, com 229, e Kandahar, Afeganistão, com 169.
Tegucigalpa, Honduras, ocupa o sexto lugar, com 109 homicídios por cada 100 mil habitantes.
Deste modo, pode-se avaliar que Honduras, da base aérea ianque de Palmerola, onde se produziu um golpe de Estado já sob a presidência de Obama, tem duas cidades entre as seis em que se produzem mais homicídios no mundo. Cidade da Guatemala alcança 106.
De acordo com o referido informe, a cidade colombiana de Medelin, com 87,42, figura também entre as mais violentas da América e do mundo.
O discurso do presidente norte-americano Barack Obama em El Salvador e sua posterior coletiva de imprensa, me levaram ao dever de publicar estas linhas sobre o tema.
Na Reflexão de 21 de março critiquei sua falta de ética ao não mencionar no Chile sequer o nome de Salvador Allende, um símbolo de dignidade e valentia para o mundo, que morreu em consequência do golpe de Estado promovido por um presidente dos Estados Unidos.
Como sabia que no dia seguinte visitaria El Salvador, um país centro-americano símbolo das lutas dos povos de nossa América que mais sofreu como consequência da política dos Estados Unidos em nosso hemisfério, disse: “Ali terá que inventar bastante, porque nessa nação centro-americana irmã, as armas e os treinadores que recebeu dos governos de seu país derramaram muito sangue.”
Desejava-lhe boa viagem e “um pouco mais de sensatez.” Devo admitir que em seu longo périplo, foi um pouco mais cuidadoso no último trecho.
O Monsenhor Oscar Arnulfo Romero era um homem admirado por todos os latino-americanos, crentes ou não, assim como os sacerdotes jesuítas covardemente assassinados pelos esbirros que os Estados Unidos treinaram, apoiaram e armaram até os dentes. Em El Salvador, a FMLN, organização militante de esquerda, travou uma das lutas mais heróicas de nosso continente.
O povo salvadorenho deu a vitória ao partido que emergiu do seio desses gloriosos combatentes, cuja história profunda não é ainda o momento de construir.
O que urge é enfrentar o dramático dilema que vive El Salvador, do mesmo modo que o México, o resto da América Central e a América do Sul.
O próprio Obama expressou que cerca de 2 milhões de salvadorenhos vivem nos Estados Unidos, o que equivale a 30% da população daquele país. A brutal repressão desencadeada contra os patriotas e o saque sistemático de El Salvador, imposto pelos Estados Unidos, obrigou centenas de milhares de salvadorenhos a emigrar para esse território.
O novo é que, à desesperada situação dos centro-americanos, une-se o fabuloso poder dos bandos terroristas, as sofisticadas armas e a demanda de drogas, originadas pelo mercado dos Estados Unidos.
O presidente de El Salvador em breve discurso que precedeu ao do visitante, expressou textualmente: “Insisti que o tema do crime organizado, o narcotráfico, a insegurança cidadã não é um tema que ocupe somente El Salvador, Guatemala, Honduras ou Nicarágua e nem sequer México ou Colômbia; é um tema que nos ocupa como região, e nesse sentido estamos trabalhando na construção de uma estratégia regional, através da Iniciativa CARFI.”
“… insisti em que este é um tema que não só deve ser abordado desde a perspectiva da perseguição ao delito, através do fortalecimento de nossas polícias e nossos exércitos, mas também dando ênfase às políticas de prevenção do delito e que, portanto, a melhor arma para combater em si a delinquência na região é investindo em políticas sociais.”
Em sua resposta o mandatário norte-americano disse: “O presidente Funes se comprometeu a criar mais oportunidades econômicas aqui em El Salvador para que as pessoas não sintam que devem tomar o rumo do norte para manter sua família.”
“Sei que isto é especialmente importante para os aproximadamente 2 milhões de salvadorenhos que estão vivendo e trabalhando nos Estados Unidos.”
“…pus o presidente a par das novas medidas de proteção ao consumidor que promulguei, que proporcionam às pessoas mais informação e asseguram que suas remessas cheguem efetivamente aos seus entes queridos em casa.
“Hoje, também estamos lançando um novo esforço para fazer frente aos narcotraficantes e bandos que têm causado tanta violência em todos os países, especialmente aqui na América Central.”
“…dedicaremos 200 milhões de dólares a apoiar os esforços aqui na região, o que inclui fazer frente [...] às forças sociais e econômicas que impulsionam os jovens para a criminalidade. Ajudaremos a reforçar os tribunais, os grupos da sociedade civil e as instituições que defendem o Estado de direito.”
Não necessito de nem mais uma palavra para expressar a essência de uma situação dolorosamente triste.
A realidade é que muitos jovens centro-americanos têm sido levados pelo imperialismo a cruzar uma rígida e cada vez mais intransponível fronteira, ou prestar serviços nos bandos milionários dos narcotraficantes.
Não seria mais justo ― me pergunto ― uma Lei de Ajuste para todos os latino-americanos, como a que se inventou para castigar Cuba há quase meio século? Continuará crescendo até o infinito o número de pessoas que morrem cruzando a fronteira dos Estados Unidos e as dezenas de milhares que já estão morrendo a cada ano nos povos aos quais você oferece uma “Aliança Igualitária”?
Fidel Castro Ruz
25 de março de 2011, 20h46
Fonte: Cubadebate
Tradução de José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho
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