Carlos Chagas
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O oba-oba encenado pelo Obama em sua passagem de dois dias pelo Brasil, sem atender a uma só das nossas reivindicações fundamentais, não afasta os erros cometidos do lado brasileiro. Claro que Dilma Rousseff cumpriu seu papel, sendo ao mesmo tempo cordial e firme ao abordar a injustiça das barreiras tarifárias americanas diante de nossos produtos de exportação.�
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Mesmo assim, escorregamos. Será que não tínhamos outra manifestação de cultura popular para apresentar, senão dois espetáculos de capoeira, um em Brasília, outro no Rio? Afinal, esse bailado de pernas e gingas não será a única forma de demonstrar nossas criações artísticas. A capoeira ficaria melhor para uma visita do Imperador do Japão, dada sua semelhança com o caratê. É verdade que Obama visitou uma exposição de pinturas de artistas brasileiras, mas no recôndito do palácio do Planalto.
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Também faltou iniciativa de nossa parte diante das imposições do Serviço Secreto, FBI, CIA e congêneres para blindar seu presidente. Até submetralhadoras eles trouxeram, sem falar em fuzis de mira telescópica e longo alcance, instalados no alto de edifícios na nova e da velha capital. Exigiram, e não houve reação de nossa parte, esvaziar a Praça dos Três Poderes. A ausência de povo no local constituiu fato único desde a inauguração de Brasília. Assim como em parte da Cinelândia. Vale o mesmo para os acessos à Cidade de Deus, para o campo do Flamengo e boa parte do trajeto percorrido por Obama, no Rio.�
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Ministros do nosso governo retiraram-se antes da fala do visitante, num encontro com empresários, como reação à tentativa dos gorilas americanos de apalpá-los e revistá-los com aquelas maquininhas que apitam ao detectar canetas e isqueiros, mas não houve quem do lado da nossa segurança se insurgisse contra a humilhação.
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Ficamos sabendo, também, como é fácil interditar celulares, pois nenhum funcionava ao redor dos hotéis onde a comitiva americana hospedou-se. Só os deles. Ainda seria positivo caso nos tivessem repassado a tecnologia aplicada para isso, capaz de ser utilizada nos presídios nacionais.
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Em suma, não se dirá ter sido inócua a vinda de Barack Obama ao Brasil, mas ficou evidente que, se queremos crescer, tornando-nos potência de primeira classe, será apoiando-nos em nossas próprias forças.�
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MELHOR ASSIM
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Ainda bem que a crítica feita por Barack Obama à ditadura militar brasileira aconteceu no Rio, no Teatro Municipal, diante de convidados especiais. Tivesse se verificado em Brasília, diante do nosso governo, causaria constrangimentos. Não propriamente à presidente Dilma Rousseff, uma das vítimas daqueles tempos bicudos, mas talvez a oficiais-generais porventura presentes. O general José Elito, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, por exemplo, como reagiria?
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Não dá para deixar de lembrar que Lyndon Johnson foi o primeiro a reconhecer e apoiar o golpe, quando João Goulart ainda se encontrava em território nacional, e que Richard Nixon, em Washington, declarou a Garrastazu Médici que para onde o Brasil se inclinasse, inclinar-se-ia toda a América do Sul. Jimmy Carter e Ronald Reagan foram recebidos por Ernesto Geisel e João Figueiredo, em Brasília. Se as coisas mudaram por aqui, também mudaram por lá.
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COMPENSAÇÃO
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Cogita-se da ida da presidente Dilma Rousseff a Portugal, dentro de duas semanas, a fim de participar da homenagem ao ex-presidente Lula, que receberá o diploma de professor honoris causae na Universidade de Coimbra. Seria uma demonstração de não haver estremecimento entre eles pelo fato de o antecessor ter recusado comparecer ao banquete em homenagem a Barack Obama, em Brasília.
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Ainda conforme o Itamaraty, Dilma estará na China, em abril, podendo fazer escala na Grécia. A visita aos Estados Unidos ficará para o segundo semestre.
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FORNECENDO PRETEXTOS
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O mundo muçulmano continua ferozmente dividido entre sunitas e xiitas, aliás, em choque desde logo depois da morte de Maomé. As desavenças entre as duas alas da religião fundada no Alcorão tem sido tão brutais quanto as de católicos e protestantes, no cristianismo, até o Século XIX. �
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Tantas e tão mal-feitas tem sido as iniciativas do Ocidente diante dessa quase metade da população mundial que um dia desses poderá celebrar-se uma união forçada entre os seguidores dos dois caminhos. O diabo, com todo o respeito, é que poderão unir-se para combater um inimigo comum, aquele que não hesita em jogar mísseis e bombardear nações árabes onde, por coincidência, o petróleo é farto. Se a chamada “coalizão” fizer com a Líbia o que fez com o Iraque, é bom tomar cuidado.
Não foi fácil os muçulmanos engolirem o enforcamento de Saddam Hussein. Se o mesmo acontecer com Muhamar Kadafi, apesar de ditador como o outro, a coisa explode, superando as divisões históricas numa região que vai desde a Indonésia até a África.
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Lá pelo final dos anos setecentos de nossa era, os árabes foram barrados no meio da França, em Poitiers, por um rei chamado Carlos Martelo. Mais tarde, os turcos perderam a batalha naval de Lepanto, mas, mesmo assim, chegaram às portas de Viena, salvos por um príncipe polonês. Não será Nicolas Sarkozi que repetirá o passado.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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