"Meu chefe", diz Odebrecht para Lula, que se despede da torcida: "Até 2014"
Eliano Jorge
Sem mostrar qualquer credencial, sem sequer ser minimamente questionado, sem dizer qualquer palavra, foi possível atravessar um corredor com diversos seguranças, entrar na área das obras do futuro estádio do Corinthians e assistir, numa sala do prédio administrativo, à apresentação do projeto para as cúpulas do clube e da construtora baiana Odebrecht, no final da manhã deste sábado (3).
O som da festa montada para 14 mil pessoas no entorno, em Itaquera, até atrapalhou as explicações, diante de uma tela que mostrava imagens de um arquivo em Power Point.
- Em 35 anos na empresa, nunca vi uma obra que repercutisse tanto - iniciou o diretor de contrato Antonio Gavioli, com uma camisa branca que transparecia o uniforme alvinegro por baixo.
Ele apontava a exposição da empreitada na mídia, registrando "65 referências positivas e 13 negativas". Ao detalhar o orçamento de R$ 820 milhões, com financiamento do BNDES, Gavioli contou que, para a Copa do Mundo de 2014, a capacidade de 48 mil espectadores será ampliada em 20 mil lugares numa estrutura provisória também para a imprensa. E então surgiu um debate sobre quem bancaria este custo.
- A Fifa cuida disso - minimizou o diretor de contrato.
- Ou o Estado - interveio o presidente corintiano, Andrés Sanchez.
- A Fifa exige que isso pareça fazer parte do estádio, não pode dar para ver que é provisório - ressaltou Gavioli.
- Serão duas inaugurações: uma da Fifa e (após o Mundial) uma do Corinthians - acrescentou o diretor de marketing Luis Paulo Rosenberg.
O diretor-presidente da construtura, Marcelo Odebrecht, de 43 anos, advertiu sobre a clareza da responsabilidade da estrutura temporária:
- É preciso ficar bem explicado isso. O Ministério Público vai querer saber. Isso não pode criar um desgaste para o Estado.
Quando foi citada a engenharia financeira do Itaquerão, ele destacou, ladeado pelo secretário municipal de Articulação para a Copa do Mundo de 2014, Gilmar Tadeu Alves Ribeiro:
- O grande parceiro foi a prefeitura - afirmou, referindo-se aos incentivos fiscais, que reduzem o preço da obra.
- Foi. O Kassab. Porra... - concordou Sanchez.
A data de finalização das obras provocou nova interrupção.
- A Fifa diz que é até fevereiro de 2014. A Odebrecht fala que é dezembro de 2013. E eu digo que é setembro. Faz uma média (aritmética) que vai ser entre isso aí - divertiu-se Sanchez.
- Mas, por causa disso, eu já vi notícia dizendo que a construtora adiou - observou Marcelo.
Atento a tudo, quieto, na frente da imensa mesa, sentou-se o presidente do Conselho de Administração da empresa, Emílio Odebrecht, de 66 anos. Mantinha-se discreto na comitiva, de boné. Era talvez o mais simples ali, embora um dos mais cortejados.
- Meu chefe! - assim ele saudou Lula, que chegou por volta das 12h30, já no térreo.
Emílio repetiria mais tarde esse tratamento, com sorriso no rosto. Na primeira chance de um papo reservado, ao pé do ouvido, Lula tratou de comentar oportunidade de negócios da construtora no exterior: "Vim agora da Costa Rica..."
- Ele foi o grande responsável por este estádio. Aliás, foi o responsável - atestou Emílio Odebrecht para Terra Magazine, que colheu uma negativa do ex-presidente.
- Não... Desde criança, isso era um sonho. Eu via o (ex-presidente corintiano) Alfredo Inácio Trindade dizendo que o Corinthians ia ter seu campo. Eu via o time na Fazendinha. Independentemente de Copa do Mundo, o Corinthians merece - lembrou Lula, antes de repetir estas palavras num palco, para a torcida alvinegra.
Questionado se, com tanto reconhecimento de sua participação, havia a chance de se firmar o apelido de "Lulão" do estádio, ele descartou. Ao seu lado, Sanchez, que tenta comercializar o nome da arena por dezenas de milhões de reais, negou que se possa batizar o complexo esportivo com uma homenagem a Lula. Bastante contrariado, comentou apenas que "quem conhece sabe que ele foi importante".
Sanchez, Lula e Odebrecht em visita às obras do Itaquerão
(foto: Reinaldo Marques/Terra)
As diretorias do clube e da empresa posaram, sentadas diante de uma mesa. Em direção às câmeras, Sanchez ironizou:
- Vocês estão tão preocupados, que a gente vai assinar o contrato agora.
- Vai, Curíntcha! - gritaram torcedores e operários presentes, festejando as firmas nos papéis e repetindo o coro mais frequente do dia.
- Agora, tô tranquilo - admitiu Sanchez.
Palanque
Anunciado pelo locutor como "um corintiano muito louco, no bom sentido, é claro" e por Sanchez como "o maior corintiano de todos", o protagonista da festa foi recebido pela multidão sob o coro de "olê, olê, olê, olá, Lula, Lula".
- Até 2014 - despediu-se Lula, após breve discurso.
Dutante sua passagem pelo bairro de Itaquera, o ex-mandatário da República compartilhou incontáveis fotos, brincadeiras e afagos com os operários, que ainda não formam o total de 1500 que estarão trabalhando ali.
Com imagens guardadas no celular, o maranhense Ediel dos Santos, do RH da Odebrecht, garantiu que a ovação a Lula não se justificava por sua celebridade, mas por uma afeição do grupo a ele:
- (O pessoal) gosta, sim. Lula é povão.
Naquele mesmo saguão, minutos depois de discursar no palanque, Lula repetia a faceta de "povão", diante de salgados e doces mais refinados, comendo churrasco no espeto e bebendo cerveja com Sanchez e os Odebrecht. Primeiro em pé, numa roda. Depois, por sugestão da ex-primeira-dama Marisa Letícia, numa mesa redonda, coberta com pano preto.
Sanchez prometeu transporte para levar as filhas de Marcelo Odebrecht ao clássico contra o Flamengo, quinta-feira (8), no Pacaembu, pelo Campeonato Brasileiro. Não falta quem tente corintianizar as baianas, que vivem em São Paulo desde muito os primeiros anos.
- Todo mundo... - relatou Gabriella, de 12 anos.
- Meu pai é Flamengo e Vitória. Eu também - disse Rafaela, de 14.
- Antes, eu torcia pro Bahia... Agora sou Corinthians - gracejou o avô delas, Emílio.
Só às 14h, no almoço reservado, a direção de comunicação da Odebrecht percebeu a presença da reportagem de Terra Magazine, que foi educadamente convidada a se retirar.
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