Revide soberano
Dilma reage à espionagem americana como cabe à presidenta de um país que não é mais quintal dos EUA
por Mino Carta
Diretor de redação. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital e criou o Jornal da Tarde
Diretor de redação. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital e criou o Jornal da Tarde
A prepotência é própria dos impérios, desfaçatez e
hipocrisia também. Se me ocorrem os Estados Unidos, me vêm à mente os
pais fundadores e sua Constituição pioneira, Lincoln, Roosevelt, Martin
Luther King. E logo sobrevêm invasões e guerras, destruição e morte em
nome dos interesses imperiais. A Doutrina Monroe e a inquisição
macarthista. Hiroshima e Nagasaki. O ataque à Baía dos Porcos, Granada,
Panamá, os golpes latino-americanos, em primeiro lugar o nosso, de 1964.
A CIA, a DEA. Abu Ghraib e Guantánamo. O diabo a quatro, sem contar os
barões ladrões e os inventores do neoliberalismo. Etc. etc.
É
um nunca acabar de desmandos e violência, de opressão e crimes contra a
humanidade, perpetrados à sombra da pretensa bandeira da liberdade e da
democracia, como se os EUA fossem avalistas da boa conduta do mundo.
Não há novidade neste comportamento, os impérios anteriores ao americano
agiram da mesma maneira, e alguns duraram séculos e séculos. Não parece
ser este o destino de Tio Sam, de sorte que não falta quem lhe puxe a
barbicha.
O
Brasil figurou, com o destaque devido à sua potencialidade e ao seu
tamanho, no quintal dos Estados Unidos, ou seja, a América Latina em
bloco. Assim foi desde que os ingleses deixaram de dar as cartas a
cavaleiro dos séculos XIX e XX. Dispenso maiores comentários sobre a
participação americana no golpe que derrubou Jango Goulart
democraticamente eleito e o papel que no episódio desempenharam a CIA e o
embaixador Lincoln Gordon.
Os governos pós-ditadura
foram súcubos das imposições do “grande irmão do Norte”, política e
economicamente, e neste campo o FMI deitou e rolou. Houve o estertor da
moratória de 1987, mal administrada ao sabor das veleidades
sarneysistas, e, ao cabo, a subserviência do governo de Fernando
Henrique, que tanto apreciava cair nos braços de Bill Clinton e chegou a
sonhar com a privatização da Petrobras. Até agora FHC, com imbatível
candura, diz desconhecer qualquer gênero de espionagem americana no
Brasil.
Tudo muda com o governo
Lula, por meio de uma política exterior independente, conduzida pelo
chanceler Celso Amorim, capaz de se evadir da rede ardilosa do chamado
“Consenso de Washington” e de tomar rumos próprios. A linha é clara,
altiva na medida certa e sempre elegante. Uma aula de diplomacia sutil e
eficaz. Em quadrantes diversos, Lula não se alinha às conveniências
americanas, quando não simplesmente as transpõe, para os habituais
desconforto e repulsa da mídia nativa.
Com
a chegada de Dilma Rousseff à Presidência, a política exterior passa
por uma fase menos nítida, diria mesmo morna. Alcançamos os dias de
hoje. Prepara-se uma viagem da presidenta a Washington, em visita
oficial e solene. E então, revelada a espionagem americana nas entranhas
governistas ao ponto de monitorar os movimentos da própria Dilma, o
encontro com Obama é sumariamente cancelado.
Tão
ofensiva à soberania brasileira foi a operação, que a mídia nativa se
viu forçada a considerar devida a reação do governo. Mesmo assim, cuidou
de minimizar a atitude presidencial, enquanto destacava a observação de
Aécio Neves, de que aquela não passa de marketing político. Aécio faz
sua lição de casa. É óbvio, no entanto, que ações de forte repercussão
popular aproveitam politicamente a quem as realiza.
Resta
a verdade factual, como de hábito omitida, ou desprezada, pelos
editorialistas midiáticos. Quanto ao leitor atento, não se deixe enganar
pela ideia de que a decisão de Dilma teve, de alguma forma, o
beneplácito de Washington, a ponto de provocar a publicação de
comunicados conjuntos. De fato, ambos coincidem no anúncio do
cancelamento da visita, diferem, porém, na essência.
Até
o mundo mineral percebe que para Tio Sam a questão precipita um revés
político diante do país mais importante do quintal de um antanho
superado. E tem mais, muito mais, o malogro de transação comercial pouco
inferior a 10 bilhões de dólares, pela qual o Brasil adquiriria os
caças da Boeing que o balconista Obama esperava vender à visitante
brasileira em lugar dos Dassault negociados há tempo.
Uma
personalidade brasileira voltada aos interesses do País recentemente me
dizia: “Não quero entrar no mérito da qualidade dos dois caças, mas é
bom que os Estados Unidos não mandem por aqui”.
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