Por: Karen Marchetti, Júlio Gardesani e Walter Venturini* (pauta@abcdmaior.com.br) |
Ex-presidente dá entrevista exclusiva ao jornal ABCD MAIOR, TVT, Tribuna Metlúrgica, Rádio e Rede Brasil Atual
“Se tem uma coisa que eu tenho vontade é de falar. Eu tenho cócegas na garganta para falar. E vocês ajudaram a quebrar um tabu, porque fazia tempo que eu não falava durante tanto tempo. E nunca imaginei que justamente pra vocês eu fosse dar a entrevista mais difícil. Estou voltando, com muita vontade, com muita disposição – para felicidade de alguns, para desgraça de outros. É o seguinte: eu estou no jogo.” Assim Luiz Inácio Lula da Silva encerrou a entrevista concedida nesta terça-feira (24) a um grupo de jornalistas da Rede Brasil Atual, site, rádio e revista, da TVT e do jornal ABCD Maior. O encontro ocorreu no Instituto Lula, durou 90 minutos e foi, segundo o ex-presidente, a primeira longa entrevista concedida pelo ex-presidente da República no exercício desta “função”. Lula abriu a conversa dizendo não haver “pergunta proibida”, mas pediu que o perdoassem se no excesso de cuidados de ex-presidente ao falar pareceria “chapa branca”. "Ainda estou aprendendo a ser ex-presidente", disse. Lula falou sobre as manifestações de junho, reforma política, eleições em 2014, mensalão e Copa do Mundo. Veja abaixo a íntegra da entrevista.
Pergunta - Qual o impacto das manifestações de junho na vida do País e o que elas mudam na vida dos governantes?
Lula - Eu acredito que o impacto de tudo que aconteceu em junho de 2013 deve servir como uma grande lição para a sociedade brasileira e, sobretudo, para os governantes brasileiros. Habitualmente, nós costumávamos afirmar que o povo precisa reivindicar sempre, porque é importante estar sempre no calcanhar dos governantes cobrando as coisas para que eles não esqueçam os compromissos que fizeram durante a campanha. Certamente, muita gente de partidos políticos, sindicatos e movimentos organizados da sociedade civil foi pega de surpresa, porque foi um movimento que se deu à margem daquilo que nós conhecíamos como tradicional forma de organização.
Eu me lembro que não aconteceu nada no Brasil nos últimos 40 anos que a gente não estivesse à frente. Seja o movimento sindical, sejam os partidos de esquerda, seja a UNE, sejam os sem terra... Ou seja, de repente acontece uma manifestação que esses setores organizados não estavam à frente. Ela aconteceu quase que em uma voz única dizendo nós queremos mais. O que eu acho importante? Aquilo não foi um movimento contra o governo, não foi um movimento em que as pessoas queriam derrubar o governo, mas foi um movimento em que as pessoas diziam “nós queremos mais”, “nós queremos mais educação”, “nós queremos mais saúde”, “nós queremos mais transporte”, “nós queremos mais qualidade de vida”. Aí eu relembro de um discurso do Fernando Haddad durante a campanha que ele falava “você está lembrado que na sua casa, da porta para dentro, melhorou muita coisa, mas da porta para fora piorou e ficou como está”. E era verdade, porque o cara tinha comprado uma máquina de lavar roupa, uma geladeira, um televisor, mas a cidade não foi cuidada adequadamente. Ou seja, você não fez as tarefas para cuidar do transporte adequadamente, não fez o saneamento básico adequado, não tornou a periferia mais cuidadosamente boa para se morar.
Então, o que eu tenho dito? Que esse movimento fez com que a nossa presidenta, e eu acho que ela teve a sabedoria de dar uma resposta muito imediata, colocando a reforma política como uma coisa fundamental para que a gente possa mudar a situação do Brasil, depois da questão da saúde com o Mais Médicos, depois da aprovação de 75% dos royalties para a educação... Ou seja, foram medidas tomadas pela nossa presidenta que mostraram que o governo está num processo de evolução para tentar encontrar soluções para os problemas. Eu acho que agora ninguém pode mais dizer que o problema do transporte é só do prefeito. É do prefeito, do governador, do governo federal. Os problemas da saúde e da segurança não são mais do prefeito, passam a ser dos três juntos. Eu penso que isso tem uma nova conformidade no comportamento dos entes federados para saber que o povo hoje está acompanhando mais as coisas, está mais esperto. O cidadão conseguiu comprar o quilo de contrafilé e, na semana seguinte, ele quer comer o filé. Ele tem um carro e quer que o carro ande na rua, que não fique parado. Ele conseguiu uma casinha e quer que a rua seja melhorada, que o bairro seja melhorado. Ele quer que tenha acesso à cultura no bairro, que tenha lazer no bairro. Ele quer ter acesso à educação de qualidade.
Nas minhas conversas com os companheiros do PT, com os companheiros do governo, com os companheiros do movimentos sindical, eu digo sempre o seguinte: o que a gente precisa neste instante é saber que mudou a sociedade brasileira. Ela está mais exigente, ela tem mais informações do que ela tinha antes. Você imagina, nós saímos de um país que tinha, em 2007, 48 milhões de pessoas que viajavam de avião. Hoje nós temos 113 milhões de pessoas. Essa gente quer se queixar do aeroporto agora, quer se queixar do preço da passagem, quer se queixar da qualidade do serviço no avião. Antigamente você não tinha isso. Você tinha as pessoas que não tinham carro e precisavam comprar carro porque era uma paixão das pessoas. Ou seja, eu quero ter um carro, porque aí eu pego o meu carro e vou trabalhar e fico duas horas dentro do carro e vejo um cara no ônibus, do meu lado, ficando três horas.
Eu acho que foi uma coisa de Deus fazer com que a sociedade se manifestasse e dissesse olha, nós estamos vivos, nós reconhecemos que muita coisa foi feita e nós queremos que seja feito mais. Isso é bom porque alertou os governantes. Ao invés de ficarmos lamentando, nós temos que agradecer e começar a trabalhar para que nós façamos acontecer as melhorias que a sociedade brasileira deseja e que todos nós sabíamos que o povo queria porque está na pesquisa de opinião pública. Qualquer pesquisa que você fizer em uma campanha em qualquer cidade vai dar saúde em primeiro lugar, educação, segurança, vai dar menos emprego hoje. Mas os problemas estão colocados nas pesquisas, e o povo então resolveu colocar nas ruas com muita força. Então foi uma lição de vida que eu acho que o Brasil não pode nunca mais esquecer e o Brasil precisa saber o seguinte: nós [o governo] precisamos trabalhar mais, nós precisamos fazer mais, e precisamos trabalhar mais rápido, porque o tempo passa muito rapidamente. O mandato de um político é de quatro anos em uma prefeitura, portanto o prefeito tem que entrar e começar a fazer as coisas, porque é para isso que o povo votou nele.
Eu fico feliz de saber que o povo finalmente começa a dizer eu já tive emprego, já melhorou meu salário, já melhorou isso, já melhorou aquilo e agora eu quero mais. É importante a gente não esquecer as coisas que foram feitas no Brasil, porque nós saímos de 3,2 milhões de alunos na universidade para quase 7,5 milhões em dez anos. É quase uma revolução na educação. Nós sabemos o que aconteceu no ensino fundamental deste país. Depois que nós entramos, nós triplicamos o orçamento da educação. Mas tudo isso é pouco. Se a gente pegar como exemplo o seguinte: o Peru, em 1550, já teve a primeira universidade. O Brasil só foi ter a sua primeira universidade em 1920. Ou seja, quase 400 anos depois o Brasil foi ter uma universidade. Isso demonstra claramente que o Brasil, embora seja a maior economia do continente [sul-americano], embora seja a maior economia do continente, embora seja o país que tenha a maior tecnologia, também foi submetido a um maior atraso. Quando a gente vê que o Chile, a Argentina, o Uruguai tem educação melhor que a nossa, demonstra o fato de nós termos ficado 400 anos atrás do Peru para fazermos nossa primeira universidade federal. Acho que nós temos que tirar esse atraso agora.
Isso demonstra o fato de nós termos ficado 400 anos atrás do Peru para fazer nossa primeira universidade federal. Por isso que quando descobrimos o pré-sal colocamos que o pré-sal é o passaporte para o futuro. Temos que usar o pré-sal não para jogar dinheiro no ralo, como habitualmente se faz, mas para investimento em educação, em tecnologia, em saúde, para a gente tirar a sociedade do atraso a que foi submetida durante tantos e tantos anos.
Que bom que o povo resolveu dizer “estou aqui”. A única coisa grave do movimento é a tentativa de manipulação para a tentativa de negar a política. Tenho dito publicamente que toda vez, em qualquer lugar histórico, em qualquer lugar do mundo que se negou a política, o que veio depois é pior. Portanto, se você quer mudar, mude através da política. Participe, entre num partido, crie um partido, faça o que você quiser. Aqui no Brasil o que teve foi o regime militar de 1964. No Chile foi Pinochet, na Argentina foi ditadura. Não queremos isso. Queremos democracia exercida em sua plenitude. E a sociedade quer isso. A sociedade quer debater política, então vamos debater sem medo de debater qualquer assunto. Sou daqueles que acham que não tem tema proibido.
Em relação às manifestações de junho, imaginava-se que elas dariam força para aprovação da reforma política no Congresso e também que em 2011 a base aliada maior da Dilma daria mais condições para isso. Por que não avança?
Não é fácil. As pessoas que foram para a rua não vão votar no Congresso Nacional. É importante lembrar que fizemos a campanha das Diretas, que possivelmente foi um dos maiores movimentos cívicos desse país, meses em que fomos à rua com todos os partidos políticos, com movimento sindical, centenas e centenas de manifestações pelo Brasil inteiro, toda a sociedade querendo, e quando chegou no Congresso não tínhamos número para aprovar e não aprovamos.
Tenho dito que só teremos uma reforma política plena o dia em que tivermos uma constituinte própria para fazer uma reforma política. Achar que os atuais deputados vão fazer uma reforma política mudando o status quo é muito difícil, você pode melhorar um pouco. Acredito que e possível discutirmos uma mudança na votação, votar em lista, financiamento de campanha.. Há um equívoco de fazer a sociedade compreender que o financiamento público vai tirar o dinheiro da União. A forma mais eficaz, honesta e barata de se fazer uma campanha política é você saber que cada voto vale 1 centavo, R$ 1 real, R$ 10 reais e que cada partido vai ter tanto, e que cada partido vai fazer aquilo e quem for pegar dinheiro privado tem que ser tornar crime inafiançável para que as pessoas não fiquem subordinadas aos empresários.
É engraçado que as pessoas não se tocam “Por que os empresários não estão defendendo o financiamento público?”. É muito interessante que algumas pessoas, que se acham as mais honestas do planeta, acha que o financiamento público é corrupção e vai gastar dinheiro público e não se toca por que o empresariado brasileiro não está na rua fazendo campanha para que seja pública e parar de dar dinheiro?! Oras, é porque a eles interessam cada um construir a sua bancada. Os bancos têm bancada no Congresso Nacional, tem influência, porque cada um tem a lista de quem financia. Quem tiver duvida disso, saia candidato para ver o que acontece para ver como você se elege no Brasil.
Quando colocamos financiamento publico é porque a gente acredita que pode melhorar. Quando propõe voto em lista, voto misto. O PT apresentou proposta de plebiscito, ela vai para plenário, não sei se vai ser votada.
Acredito que a gente vai conseguir fazer uma reforma política muito capenga. Temos que levar em conta que há interesses partidários. Tem partidos que avaliam que está bom assim.O cara tem mandato e quer preservar o seu mandato.
Na minha opinião, a reforma política é a melhor possibilidade para se mudar a lógica da política no Brasil. E ter em conta que não é só para combater a corrupção, mas para facilitar as coalizões que são conseguidas, porque quando você ganha uma eleição com um partido aliado a outro tem que ter coalizão na hora para montar o governo.
Aqui no Brasil se acha um absurdo que um partido ganha eleição e dê cargo a outro, mas no mundo inteiro é assim. A Angela Merkel acabou de ser eleita primeira ministra da Alemanha, com a maior votação dos últimos anos, vai ter que fazer uma coalizão com algum partido, vai ter que dar ministério para algum partido senão não forma maioria.
A reforma política pode ajudar nesse processo, mas acho que será muito frágil feita sobretudo no ano de eleições. Nada, estou avisando com antecedência, nada, mudará para as próximas eleições. As pessoas podem querer fazer as coisas para 2018, 2020, mas para essa eu acho que não vai haver mudança.
O Mais Médicos é um programa apoiado por 70% da população. No entanto, há uma resistência de determinados setores da sociedade. Há oportunismo nisso?
Deixa eu dizer uma coisa que não é nova, ou seja... As entidades que representam os médicos no Brasil nunca reconheceram que no Brasil faltava médico. Nunca reconheceram. Mais recentemente nós temos uma gama de denúncias de prefeitos espalhados pelo interior do país que querem contratar algumas especialidades que não existem. Vou dar um exemplo: anestesista está em falta no país, pediatra está em falta, ginecologista... Estou citando apenas algumas, mas há uma série de profissionais que estão em falta no Brasil. Durante muito tempo a gente brigou para tentar fazer com que os alunos que estudam Medicina, por exemplo, em Cuba, pudessem voltar ao Brasil e prestar. Aí nós conseguimos um avanço que era fazer que, se uma universidade adotar ele e ele passar na universidade, ele poderia. Isso demonstra uma visão pequena do corporativismo. Padilha tem razão com ele fala: não está se buscando médico fora para substituir o médico brasileiro; se está buscando médico fora para trabalhar onde não tem médico. E o Padilha sabe que o Mais Médicos não vai resolver o problema da saúde. O Mais Médicos vai dar oportunidade ao cidadão que não tem acesso a nenhum médico, a ter acesso ao primeiro médico e tratamento. E quando esse cidadão tiver acesso ao médico, ele vai querer mais saúde, porque ele vai ter informações: vão pedir pra mulher fazer mamografia, se é um homem vai ter que fazer exame de câncer não sei das quantas... Então, toda a vez vai precisar formar mais gente. É um trabalho bom. Por que é bom? Porque, quando em 2007 derrubaram a CPMF, que foi um ato de insanidade dos tucanos em relação a meu governo, fizeram isso achando que iam me prejudicar em 2007, a CPMF era 0,38% que se descontava em cada cheque que você passava... E não fizeram isso por conta da quantia, fizeram isso porque a CPMF permitia que a gente pudesse acompanhar e evitar a sonegação nesse país. Era por isso que eram contra a CPMF. Eles tiraram uma bagatela de R$ 40 bilhões por ano a partir de 2007. Soma isso em quatro ou sete anos? A quantidade de dinheiro que tiraram da saúde, achando que iam prejudicar o Lula. Qual era a ideia? “Vamos prejudicar o Lula. Vamos quebrar a cara dele. Ele não vai se eleger”. E caíram do cavalo, porque terminei meu mandato com 87% de bom e ótimo, 3% de ruim e péssimo e 10% de regular. Pois bem, quem eles prejudicaram? O povo. E alguns estão prejudicados porque viraram governador, e agora estão sabendo a quantidade de dinheiro que falta pra eles, ou viraram prefeitos. Então, foi um gesto de insanidade. Nós temos que colocar na sociedade brasileira a seguinte ideia: você não vai conseguir fazer com que as camadas mais pobres da população tenha acesso a uma boa qualidade de saúde e à média ou alta complexidade sem dinheiro. Se nós quisermos dar ao povo pobre o direito de ter acesso às mesmas máquinas que eu tenho, por conta de um plano médico.
Se nós quisermos dar ao povo pobre o direito de ter acesso às mesmas máquinas que eu tenho, por conta de um plano médico, e que os ricos deste país têm por conta de um plano médico, tem que ter consciência de que tem que ter dinheiro. Tem gente que diz “eu tenho saúde boa porque pago do meu bolso”. Não é verdade. Aquilo que ele tira do bolso ele paga o Imposto de Renda e quem paga o tratamento dele é o Estado brasileiro. Essa é a verdade nua e crua. Todas as máquinas que eu passo quando faço exame são pagas pelo Estado, que me restitui na declaração do Imposto de Renda.
Então, temos que ter consciência de que temos que melhorar isso. A Dilma tem consciência disso, o Padilha tem consciência e é preciso que a gente discuta com a sociedade. Porque achar que a gente pode elevar a um padrão de ter acesso de alta complexidade as pessoas mais pobres sem dinheiro é vender ilusão. E achamos que o rico tem que pagar pela saúde do povo mais pobre. Era por isso que tínhamos apresentado um programa chamado Mais Saúde em que a gente iria utilizar todo o dinheiro da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) para cuidar da saúde. Agora vai ter um dinheiro do pré-sal e espero que num futuro bem próximo a gente possa fazer com que as pessoas tenham acesso à alta complexidade.
O Brasil precisa acabar com a mania de dizer que o SUS (Sistema Único de Saúde) não funciona. O problema é que universaliza a saúde, coloca muita gente, a qualidade diminui. Se atendesse só 30% melhoraria a qualidade, se atendesse só 20% ela seria melhor, se atendesse só 10% ela seria extraordinária. Mas na hora em que tem que ter um programa para todo mundo precisa de mais recurso. É isso que temos de ter em conta.
Dilma e Padilha marcaram um gol com o Mais Médicos. Abriram um debate muito importante com a sociedade para as pessoas começarem a enxergar. Mesmo numa cidade como São Bernardo, Santo André, na periferia... Lembro que a Erundina era prefeita aqui em São Paulo e não conseguia levar médico na periferia. O dado concreto é que o Mais Médicos foi um feito extraordinário. Isso, ao invés de nos dar sossego, vai nos cobrar mais saúde, mais qualidade de saúde. É para isso que a gente vive. Para isso que a gente quer governar. Para poder ser cobrado todos os dias e fazer cada vez mais.
O senhor pode comentar o cenário nacional para as eleições de 2014? Temos novidades na base aliada, com a possível saída do PSB. É possível fazermos um governo com uma base aliada mais enxuta?
O problema de fazer uma avaliação de 2014 era que eu precisaria de uma bola de cristal na minha frente. O que eu falar aqui pode ser desmentido em um semana com o posicionamento de um partido político. Primeiro: eu trabalho com a ideia de que a presidente Dilma deve fazer um esforço para manter sua base de sustentação.
Uma coisa o eleitor precisa compreender, quando fala que no Congresso tem isso, que tem aquilo: essa gente foi eleita pelo povo. Que essa gente vota no Congresso e que pra Dilma ter alguma coisa aprovada ela precisa de 41 senadores e 257 deputados na Câmara. Se não, não ganha. Apenas boa vontade não ganha.
Não se esqueçam que eu fui presidente da república e que meu partido tinha 13 senadores em 81 e 80 deputados, de 513. Não tem milagre.
Se eu quiser aprovar as coisas você tem que fazer coalizão. Por isso, acho que a Dilma deve manter a base. Veja nos Estados Unidos, onde só tem dois partidos. Vejam o que o Obama passa. Os republicanos passam oito anos sem aprovar nada. Quer facilidade, elege a maioria!
No fundo, no fundo, o principal é exercitarmos a democracia.
Compor com as forças políticas que existe e que concorda com seu programa e fazer um programa o mais transparente possível.
Acho que a maioria vai ficar com ela, que os tucanos vão ter candidato, talvez façam uma coalizão com o DEM, ou com outros partidos de direita, mas eles não podem fazer uma coligação com a imprensa, que é o grande aliado deles. Mas, de qualquer forma, vamos ter que esperar o dia 5 do próximo mês para saber sobre o registro do partido de Marina Silva (Rede) o do Paulinho (Solidariedade). Se a Marina conseguir, ela certamente será candidata. O Eduardo Campos (PSB) quer ser, mas já me disse que só decide em março ou abril do ano que vem. O PSDB ainda não sabe se vai de Aécio ou se o José Serra vai tentar criar um caso.
Para um candidato disputar uma eleição em condição de vitória ele precisa de uma das duas coisas: ou ter toda a eleite ao seu lado, com apoio irrestrito da grande imprensa e com muito dinheiro, como foi o Collor em 1989. O outro é você ter um partido político forte, que tenha parte em todo o território nacional. Além, claro, de um bom candidato, que sem candidato forte não adianta nada. Assim, este partido forte, precisa ter a capacidade de fazer uma aliança com outros partidos, de preferência de esquerda e centro-esquerda. E depois pensamos as composições. É um jogo de costura. Tem partido que diz que apoia a Dilma no governo federal, mas em outros estados apoio o candidato do outro lado. Então, quem ele vai defender na campanha?
Cansei de perder eleições com 30% dos votos. Então chegamos em 2012 e tivemos que fazer uma ampla composição. Por isso eu acredito que nunca tivemos tão próximos de vencer as eleições em São Paulo. Por isso é preciso dividir o lado de lá. É preciso alcançar alianças além do PT, do PDT, do PCdoB, para, então, construirmos um discurso apropriado. Estamos no caminho certo.
Por isso só teremos uma posição clara em 2014. Como fica no Ceará? Vamos sair do governo ou ter candidatura própria? E no Rio? Se o Lindenberg (Lindenberg Farias, Senador pelo PT-RJ) é candidato, como fica o Sérgio Cabral (governador do Rio de janewiro pelo PMDB)? É como se fosse uma cesta de problemas que você tem que peneirar pra separar o que você acha que pode construir. Estou otimista pra 2014, pois eu acho que tudo indica que o pior da crise econômica mundial já passou, que o Brasil tem um potencial de crescimento sustentável. O Brasil tem muita cois para fazer em infraestrutura, tem dinheiro, tem projetos, estamos em licitação e em 2014 já teremos construção. Teremos o processo, no ano que vem, de consagração do pré-sal, tirando milhares de barris, e também temos o xisto em muitos lugares do Brasil.
Temos que explorar a riqueza de biodiversidade da maior floresta que temos. Então, eu acho que a Dilma está em um momento importante. Sabendo, sempre, que eleição é eleição e que a gente tem que disputar cada voto e depois esperar o resultado das urnas.
Temos uma presidenta e eu falo dela com muito orgulho. Vejo as pessoas colocarem defeitos na Dilma, essa história que ela não gosta de conversar. Cada um tem um estilo! O que eu tenho consciência é que poucas vezes no mundo tivemos um presidente tão descente como a Dilma. De caráter, competente e séria. Isso é condição fundmental para o Brasil seguir em sua trajetória de crescimento.
A saída do PSB preocupa?
Vi com certa tristeza o afastamento de Campos do governo. Nós tivemos uma polêmica em Pernambuco na eleição para prefeito e depois outro probleminha na prefeitura de Fortaleza e isso criou uma fissura entre o PT e o PSB. No entanto ainda trabalho com a perspectiva de continuar o que estamos fazendo junto na campanha nacional. Mas não seria a primeira vez que lançamos candidato com o PSB. Já tive em 2002, com o Garotinho, em 89 e 98 fui apoiado no segundo turno pelo PSB.
Acho que a manutenção da aliança com PSB é muito importante do ponto de vista simbólico termos o PSB. Naturalmente que temos divergências regionais, mas acredito que podemos fazer uma campanha civilizada para estarmos juntos no segundo turno.
Qual será o seu papel nas eleições?
O meu papel será o papel que a Dilma e o PT desejarem. Farei a campanha como se fosse a minha, isso é o que eu sei fazer e espero estar em condições até lá. Me considero razoavelmente bom de palanque. Me sinto bem. Por isso agradeço a Deus todos os dias pela relação de confiança que a população construiu comigo. A vitória da Dilma é a minha vitória. O sucesso da presidenta e o sucesso do povo brasileiro. Da ascensão dos mais pobres. É que tem gente que fica incomodado com o sucesso dos mais pobres, que hoje tem acesso à universidades, restaurantes, shoppings, praças e exposições nas bienais. E agora vem esse negócio de pobre andando de avião. Isso tudo é um gesto ruim, pois acredito que, quanto mais o pobre ascender, melhor será para todos, já que a classe média sobe junto e todo mundo ganha. Quando não tivermos mais miseráveis teremos menos violência, menos assaltos. Afinal, não é isso que nós queremos?
Por isso tenho certeza que ela fará um segundo mandato infinitamente melhor que o primeiro. Falo com convicção, pois eu tinha medo do segundo mandato.
Como o PSDB trata o ABCD e a Região Metropolitana de São Paulo? Há reclamações de prefeitos sobre o abandono de governador. A disputa no Estado de São Paulo está aberta?
Os tucanos estão no processo de fadiga de material. Eles não têm mais o que propor. O que não significa dizer que o governador está fraco. Alckmin é uma figura com força política no estado e precisamos de muita habilidade para derrotá-lo. Ele não tem mais proposta para o ABCD, ou para a Região Metropolitana. É muito ruim quando pegamos as avaliações do MEC (Ministério da Educação), sobre o ensino fundamental, e vemos que São Paulo está entre os piores estados. Então, parece uma coisa sem controle. Acredito que se o Padilha for realmente o indicado, teremos um ótimo candidato em São Paulo.
O julgamento da Ação Penal 470, conhecida como “mensalão”, teve mais uma etapa concluída na última semana. Qual a expectativa do senhor, agora, sobre o julgamento do mérito dos embargos infringentes.
Lhes darei uma resposta tradicional sobre o tema. Eu, desde o começo do processo do mensalão, tenho dito que qualquer manifestação minha sobre o caso só seria feita após terminar o processo, pois fui quem indicou alguns ministros que estão lá. Não quero ficar colocando em dúvida questões da Suprema Corte. O que acontece é que, às vezes, fico um pouco chateado, pois se depender do comportamento de um ou de outro na imprensa já teríamos condenações à morte. Não precisa nem de julgamento.
Tenho muita vontade de falar do que penso e imagino que aconteceu. Vejo que alguns ministros tem preocupação em estudar o caso e outros não tem. Quando o julgamento terminar, seja qual for o resultado, eu vou falar o que penso.
E a regulamentação da mídia. Havia, no final de sua gestão, uma proposta elaborada pelo então ministro Franklin Martins. No entanto, o debate não avançou muito nos últimos 12 anos. O que dificulta a implementação de algum marco regulatório da imprensa?
Temos que levar em conta o seguinte: tomamos posse em janeiro de 2003 e depois, já em 2005, tivemos a movimentação do mensalão, uma questão muito delicada e que nossa obrigação era provar que tínhamos condição de continuar governando.
Em 2007, no meu segundo mandato, fizemos a conferência de comunicação. Implantamos a mídia técnica, para distribuir a verba de publicidade em mais veículos. Antes, tínhamos apenas 300 que recebiam verba, da Secom e também de empresas públicas, mas chagamos a oito mil no do mandato.
A Conferência foi um sucesso extraordinário. Mas a proposta que surgiu do encontro, mesmo podendo não ser a melhor de todas, não andou. Não andou e eu acho que não foi legal ela não ter andado.
Tenho conversado e o Paulo Bernardo (Ministro das Comunicações) disse que faria um debate na Câmara, mas não fez. Não temos mais que ficar chorando o que já foi. Temos agora a regulamentação da internet no Congresso. Então é importante mantermos a neutralidade nesse tema e eu posso garantir que o debate da mídia vai voltar. Não sei se em 2014, ano de eleição.
Esse é um debate difícil. Basta vermos no Congresso quantos não tem concessão de rádio e TV. Tem governador, senador, nacionalmente, os meios de comunicação nos estados, que é dono da Globo, do SBT, da Bandeirantes são, geralmente, políticos.
Enfim, este é um debate que acontece em todo o mundo. Nos Estados Unidos, o Obama teve problemas com a Fox (rede americana de televisão). O mesmo aconteceu na Argentina, com o Clarín (jornal argentino). No México tivemos uma guerra. E aqui no Brasil também vamos ter este processo. Como aqui não tem briga, é tudo feito na base do acordo, podemos ter uma regulamentação que seja confortável para todos. Por isso que eu não reclamo da imprensa. A imprensa sempre me tratou bem. Eu sou agradecido, pois quando eles falavam mentiras sobre mim, o povo percebia. Não sei quem inventou o formador de opinião. Hoje, o povo tem dezenas de outros meios para se informar. Em qualquer lugar. Em uma obra no interior da Bahia ou no Pernambuco o cara tá lá, tuitando no celular.
Por isso acredito que a imprensa só pode ganhar credibilidade se forem verdadeiros. Não precisa mentir. Contem o fato e não a versão.
Às vezes a gente vê a TV e está vendo o que está acontecendo. Vem o replay, vemos de novo e o cara está lá em cima falando exatamente o contrário do que estamos vendo. O Brasil evoluiu e por isso a imprensa tem que evoluir também. Eu ligo a TV de manhã e é tanta morte, assalto, atropelamento. Não é possível que não tenha nascido uma criança nesse dia! Parece que ninguém arrumou um emprego. Às vezes a gente fica até com medo de sair de casa. Eu acho que muita coisa evoluiu no Brasil, mas os meios de comunicação não quiseram evoluir. Eles saíram de um momento, de pensamento único, em defesa do governo anterior ao nosso, e passaram a ter pensamento único contrário no nosso governo. Pensamento de que tudo é errado, e até hoje continua assim. É uma loucura porque nunca ganharam tanto dinheiro como ganham agora. Ou seja, na hora em que o pobre começa a ter acesso ao shopping, supermercado. Eles ficam incomodados. Tá todo mundo vendendo. Faço debate com empresários toda semana e nunca se vendeu tanto neste país. As pessoas agora tem acesso a muita coisa. Compram sapato, viajam de avião, compram roupa e televisão. E não sei por que reclamam. Eu sinceramente fico pensando que é uma questão de pele. Parece que tem um negocio que transcende a razão. Parece que é assim: ele é legal, ele faz tudo, eu tô rico, mas ele não é do meu time. Ele é do outro lado. Uma vez estava na casa de um amigo, que me apresentou uma negona. Ele falava que essa negona, a Dona Benedita era fantástica, que estava com ele a mais de 40 anos e que cuidou dos seus filhos. Falou que era até da família. Aí fomos almoçar e quando fui embora me despedir da Dona Benedita e ela pediu para eu perguntar para o meu amigo se ela estava no seu testamento (risos). Eu sei o que eu fiz neste país e se voltasse hoje eu repetiria tudo. Na minha cabeça era que eu tinha quatro anos de mandato e não podia errar. Se não der certo, nunca mais um peão vai governar este país, então não podia errar. Eu sei o que eu fiz, o quanto as empresas cresceram, a quantidade de empresas que se expandiram no mundo, empresa que multiplicaram o faturamento. E os empresários reconhecem isso. Eles falam isso comigo. E isso vai desde a empresários grandes a catadores de papel.
A classe trabalhadora teve um papel intensa no seu governo e até agora. Qual é o desafio da classe trabalhadora daqui pra frente?
Eu devo tudo o que eu sou ao alto grau de consciência política que os trabalhadores brasileiros adquiram. Eu sei qual era o grau de consciência quando eu entrei no Sindicato (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) como presidente em 1975 ou como delegado de base em 1969, e sei o que é hoje. A classe trabalhadora mudou. Essa é a verdade. Eu ia na Volkswagen nos anos 1980 tinha 44 mil trabalhadores e hoje tem 18 mil. É um terço do que a gente tinha naquela época. A empresa mudou. Está mais sofisticada. Mudou de perfil a classe trabalhador. Hoje tem crescimento grande na questão de serviço, telecomunicações e outros setores que não é mais só industrial, mas de qualquer forma, seja trabalhadores do setor primário ou terciário, continua a classe trabalhadora sendo a coisa mais importante em um país. O desafio colocado para classe trabalhadora é pensar se o papel dela agora é o mesmo de antes ou é inovar? Um exemplo, hoje o movimento sindical, conquistou um espaço que nos não tínhamos nos anos 80. A gente era mais emoção, mobilização e guerra. Hoje é muito mais consciência política. Hoje o Rafael Marques (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) não precisa ir muitas vezes à porta da empresa para parar. A comissão de fábrica faz a paralisação. Isso é uma evolução, mas entretanto, aumentou o desafio. Não é uma questão de salário, transporte, melhorias da qualidade de refeição. São outras coisas agora. Precisamos representar os trabalhadores fora do portão das fabricas. Quando ele sai da fábrica, ele continua sendo trabalhador. O movimento sindical tem de fazer o processo de reciclagem em quais as bandeiras para o século 21. Não pode ser a mesma bandeira do passado. Hoje o trabalhador quer ter um computador em casa, ter acesso a banda larga, querem ter acesso a coisas que não estão na pauta de reivindicação. Vamos ter de evoluir. Só dentro da fabrica não resolve mais. Temos que discutir novas profissões, funções e jornadas de trabalho. E acho que esse desafio é mais grave e difícil que o da minha época. O papel de um dirigente sindical de hoje é muito mais complicado do que o meu papel da década de 80. Antes ia para porta de fabrica, na época era ditadura, ficava meia hora xingando o governo, mais meia hora xingando o patrão e chamava o trabalhador para a briga. Hoje você tem menor taxa de desemprego no país, 10 anos de aumento real no salário, participação de lucros. Se não são essas as prioridades, quais são agora? O sindicato tem de sair do chão da fábrica e fazer o outro papel? Estamos em um momento de descobertas de novas funções do movimento sindical brasileiro. É uma evolução que o movimento sindical tem de encontrar. Já fiz algumas discussões com os movimentos sindicais e não é uma tarefa fácil. Tem de discutir com as centrais sindicais uma mudança na representação. Para melhorar o atendimento aos trabalhadores.
O senhor já falou da sua preocupação com a Copa do Mundo. A preocupação com as informações que não são explicadas corretamente, como por exemplo, a questão do financiamento....
Eu já conversei com muita gente sobre este assunto. Falei com ministros, com Dilma, com a emissora que vai transmitir, com patrocinadores. E por que estou preocupado com isso? É importante lembrar que o Brasil não é um país qualquer. O Brasil é a sexta economia mundial e nos conquistamos uma Copa do Mundo. Agora precisamos ver se a Copa será um evento onde o Brasil fortaleça sua imagem para o mundo ou a gente vai fazer uma Copa mostrando os problemas internos? Se tiver corrupção no estádio (nas obras dos estádios) que falam quem fez e processa os responsáveis. O que não pode é trabalhar com o denuncismo. O País tem governo federal, estadual e municipal e todos estão envolvidos com a Copa do Mundo. O MP (Ministério Público) acompanha a Copa do Mundo e as Olimpíadas e tem um decreto para divulgar todos os investimentos nesses dois eventos e até agora não tem nada. Não podemos permitir que alguma má informação seja passada pela sociedade sem que tenha a resposta correta. Tem gente que acha que não deveria ter a Copa do Mundo? Ótimo, porque tem gente que acha que tem de ter o evento. E isso aconteceu no mundo inteiro. O que eu acho é que temos de fazer da Copa Mundo um motivo de orgulho para o País. Eu vi agora, na conquista do Japão com as Olimpíadas e que a conquista era para melhorar a imagem do país. No Brasil é o contrário. É o puro complexo do vira-lata. Ou será que a Copa do Mundo e as Olimpíadas são só para os países do G8? É uma coisa que deveríamos estar maravilhados . Ninguém vai esconder os problemas que nós temos. Onde não os têm? Ninguém vai esconder os problemas, os pobres. Isso não mesmo. A maior emoção que eu senti, olha que sou um homem de muitas emoções, foi a conquista em Copenhagen das Olimpíadas em 2016. Estou com a Marisa há 39 anos e nunca vi ela chorar, nem quando ganhei ou perdi as eleições, mas naquele dia, depois da apresentação do Brasil, a Dona Marisa estava chorando. Foi um momento único. Acho que estamos jogando fora uma oportunidade de fazer uma coisa boa se tornar uma coisa boa. As pessoas querem fazer de uma coisa boa coisa ruim. A minha preocupação é que os governos, as empreenderias têm de mostrar o que está acontecendo e assumir a responsabilidade. As obras vão ficar quando a Copa do Mundo for embora.
Se tem uma coisa que eu tenho vontade é de falar. Eu tenho cócegas na garganta para falar. E vocês ajudaram a quebrar um tabu, porque fazia tempo que eu não falava durante tanto tempo. E nunca imaginei que justamente pra vocês eu fosse dar a entrevista mais difícil. Estou voltando, com muita vontade, com muita disposição – para felicidade de alguns, para desgraça de outros. É o seguinte: eu estou no jogo.
* Com Rádio e Rede Brasil Atual, TVT e Tribuna Metalúrgica
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