Geopolítica: os curiosos acordos China-Venezuela
Em busca de divisas e tecnologia, governo de Caracas amplia presença de Beijing em seus setores mineral e agrícola, além de oferecer “base sul-americana” aos chineses
Por Antonio Martins
As oportunidades abertas para a América do Sul, por uma China preocupada em assegurar seu abastecimento de matérias-primas, tornaram-se ainda mais claras neste fim de semana. Os riscos desta barganha, também. O presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, viajou à capital chinesa, entre sexta-feira e domingo, acompanhado de uma comitiva de ministros. Firmou nada menos de doze acordos relevantes, que garantem financiamento de cerca de 40 bilhões de dólares a seu país – hoje em dificuldades para saldar compromissos externos. Em contrapartida, ofereceu a Beijing ampla participação em setores estratégicos da economia venezuelana. E abriu aos parceiros, segundo suas próprias palavras, um caminho “não somente para o mercado e a economia venezuelana, como também como plataforma ao mercado e à economia integrada que está surgindo em nossa região”.
O acordo mais importante envolve exploração de petróleo. O China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec) investirá 14 bilhões de dólares na extração de combustível da Faixa Petroleiro do Orinoco, considerada o maior depósito de petróleo pesado e extra-pesado do planeta. As inversões se darão, a princípio, num dos quatro campos da Faixa – o de Junin – , de onde se espera uma produção de 200 mil barris por dia, cerca de um décimo do que o país extrai atualmente. Especula-se, aliás, que a Sinopec participará também do leilão do campo de Libra (no Pré-Sal brasileiro), caso este seja mantido.
Mas as ambições sino-venezuelanas vão além. Ainda no terreno das commodities minerais, Caracas assinou, com o grupo estatal chinês Citic, um memorando de entendimento para permitir a exploraração do complexo de Las Cristinas, onde estariam as maiores jazidas não exploradas de ouro do mundo. Lá, os chineses substituirão uma empresa canadense, que perdeu os direitos após conflito com governo local, há alguns anos. A Citic assegurou, ainda, presença nos trabalhos de elaboração de um futuro Mapa Mineral da Venezuela.
Em outro acordo revelador – uma carta de intenções –, a megacorporação chinesa Beidahuang assumiu direito de cultivar 60 mil hectares de terras venezuelanas. Cultivará milho, arroz e soja. Detentora de tecnologia de ponta, será, disse Maduro, uma aliada da Venezuela na conquista de “soberania alimentar” (hoje, o país importa a maior parte da comida que consome). Mas os chineses estarão certamente interessados, também, em abastecer sua própria demanda por alimentos – que cresce rapidamente, com a urbanização da sociedade e a formação de uma classe média de centenas de milhões de pessoas.
Embora menos expressivos, outros compromissos envolvem investimento chinês em construção civil (especialmente habitações), rodovias, venda de ônibus. A empresa automobilística Chery abrirá uma fábrica na Venezuela – o que, segundo Maduro, “capacitará nosso jovens na produção automotiva, no âmbito da missão Saber e Trabalho”.
A parceria estratégica entre China e Venezuela foi aberta ainda no governo de Hugo Chávez. O comandante incomodava-se com o fato de os Estados Unidos concentrarem a maior parte do comérico exterior de seu país, e estabelecerem hostilidade crescente com Caracas. Viu em Beijing um aliado poderoso, endinheirado, interessado em ampliar sua presença econômica e geopolítica em todo o mundo. Como se vê pelos acordos firmados agora, a relação entre as duas partes é repleta de oportunidades e riscos.
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