Um suposto eventual escândalo
Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa
Acostumados às manchetes ruidosas e aos textos definitivos durante os
cinco anos em que predominou no noticiário o julgamento da Ação Penal
470, os leitores de jornais devem estar estranhando o estilo cauteloso
com que a imprensa trata o episódio que envolve o governo de São Paulo
em desvios de dinheiro para obras de transporte urbano sobre trilhos.
Curiosamente, o esquema de preços combinados, com evidências de pagamentos de propina, assumido publicamente e oficialmente por duas gigantescas multinacionais com sede na Europa, se transforma, nas páginas dos jornais, em “suposto esquema de cartel”.
Não que a imprensa devesse assumir o papel do Ministério Público e sair “manchetando” culpas e sentenças em casos ainda sob investigação.
Isso é o que foi feito durante os anos em que o caso chamado de “mensalão” dominou o noticiário. Apenas deve causar algum estranhamento nos leitores mais atentos essa mudança de estilo na imprensa escrita.
Observe-se, por exemplo, que na noite de segunda-feira (30/9), o Jornal Nacional, da Rede Globo, foi muito mais assertivo ao noticiar o imbróglio do que foram as edições dos diários de terça (01/10).
Também deve causar alguma inquietação nas mentes dos leitores mais curiosos a insistência da imprensa em concentrar as referências do caso nas ações das empresas envolvidas, quando há evidências de um escândalo com participação de autoridades no outro lado do esquema.
O telejornal da Globo esclareceu que o acerto para a partilha de verbas para obras do metrô e do sistema de trens em São Paulo começou durante o governo de Mário Covas, falecido em março de 2001 e substituído por Geraldo Alckmin; prosseguiu sob o governo de seu sucessor e alcançou o mandato de José Serra, que se elegeu em 2006.
Portanto, há evidências de que a história ultrapassa em muito um eventual acerto entre empresas concorrentes e se configura como um processo longo, oficial e consolidado de corrupção.
Mas a imprensa se nega a ligar uma coisa com outra.
Observe-se, por exemplo, que na primeira página do Estado de S. Paulo, na edição de terça-feira (1), trata-se de um “suposto esquema de cartel”, enquanto a reportagem publicada no interior do mesmo jornal fala sobre “suposto esquema de pagamento de propinas a servidores públicos e dirigentes de estatais”.
Noticiário cauteloso
Já a Folha de S. Paulo traz um texto curto sobre o assunto, menor do que o espaço destinado pelo carioca O Globo.
O jornal paulista informa que a Justiça quebrou o sigilo das contas bancárias de 11 indiciados num dos inquéritos sobre o pagamento de suborno a políticos e servidores por conta de contratos para obras nos setores de transportes e energia.
Quase metade da reportagem é dedicada ao chamado “outro lado”, com respostas e justificativas dos advogados de alguns dos acusados.
Nada contra, pois, afinal, a cada acusação deve corresponder o direito de defesa equivalente.
Não se trata, porém, da rotina observada em outros casos de corrupção noticiados pela imprensa nos últimos anos.
O comum, no comportamento dos jornais, tem sido a abertura de manchetes sucessivas, negligenciando o direito de defesa dos acusados, transformando em escândalo toda denúncia, inclusive criando jargões e apelidos para fixar melhor na memória do leitor os detalhes de cada enredo.
Assim, pulularam nas primeiras páginas expressões como “propinoduto”, “mensalão”, “valerioduto” e outras invenções que têm mais claramente a função de consolidar opiniões do que de informar.
Também é interessante observar que, juntando-se o noticiário esparso sobre as supostas irregularidades envolvendo obras de expansão do metrô paulistano e do sistema de trens metropolitanos, existem duas fontes básicas de informações dizendo praticamente a mesma coisa.
Uma delas nasceu da disposição da empresa alemã Siemens de mudar sua política de governança, adotando mais transparência e enfrentando os pecados de antigos executivos.
A revelação de que havia um esquema de cartel nas concorrências para obras e manutenção do sistema de transporte em São Paulo surgiu desse movimento da empresa.
A outra tem origem na investigação sobre as atividades da francesa Alstom, que vem sendo denunciada por razões semelhantes, e que acaba de produzir a quebra de sigilo das contas de alguns dos acusados, conforme noticiou o Jornal Nacional na segunda-feira (30/9) e segundo os jornais da terça-feira.
Uma pergunta que muitos leitores devem estar fazendo é: se a imprensa está tratando de duas vertentes do mesmo caso, com uma origem comum, por que o noticiário vem dividido em duas partes, como se se tratasse de um escândalo da Siemens e outro da Alstom?
Eremildo, o Idiota, aquele personagem criado pelo jornalista Elio Gaspari, deve estar muito encafifado com isso.
Curiosamente, o esquema de preços combinados, com evidências de pagamentos de propina, assumido publicamente e oficialmente por duas gigantescas multinacionais com sede na Europa, se transforma, nas páginas dos jornais, em “suposto esquema de cartel”.
Não que a imprensa devesse assumir o papel do Ministério Público e sair “manchetando” culpas e sentenças em casos ainda sob investigação.
Isso é o que foi feito durante os anos em que o caso chamado de “mensalão” dominou o noticiário. Apenas deve causar algum estranhamento nos leitores mais atentos essa mudança de estilo na imprensa escrita.
Observe-se, por exemplo, que na noite de segunda-feira (30/9), o Jornal Nacional, da Rede Globo, foi muito mais assertivo ao noticiar o imbróglio do que foram as edições dos diários de terça (01/10).
Também deve causar alguma inquietação nas mentes dos leitores mais curiosos a insistência da imprensa em concentrar as referências do caso nas ações das empresas envolvidas, quando há evidências de um escândalo com participação de autoridades no outro lado do esquema.
O telejornal da Globo esclareceu que o acerto para a partilha de verbas para obras do metrô e do sistema de trens em São Paulo começou durante o governo de Mário Covas, falecido em março de 2001 e substituído por Geraldo Alckmin; prosseguiu sob o governo de seu sucessor e alcançou o mandato de José Serra, que se elegeu em 2006.
Portanto, há evidências de que a história ultrapassa em muito um eventual acerto entre empresas concorrentes e se configura como um processo longo, oficial e consolidado de corrupção.
Mas a imprensa se nega a ligar uma coisa com outra.
Observe-se, por exemplo, que na primeira página do Estado de S. Paulo, na edição de terça-feira (1), trata-se de um “suposto esquema de cartel”, enquanto a reportagem publicada no interior do mesmo jornal fala sobre “suposto esquema de pagamento de propinas a servidores públicos e dirigentes de estatais”.
Noticiário cauteloso
Já a Folha de S. Paulo traz um texto curto sobre o assunto, menor do que o espaço destinado pelo carioca O Globo.
O jornal paulista informa que a Justiça quebrou o sigilo das contas bancárias de 11 indiciados num dos inquéritos sobre o pagamento de suborno a políticos e servidores por conta de contratos para obras nos setores de transportes e energia.
Quase metade da reportagem é dedicada ao chamado “outro lado”, com respostas e justificativas dos advogados de alguns dos acusados.
Nada contra, pois, afinal, a cada acusação deve corresponder o direito de defesa equivalente.
Não se trata, porém, da rotina observada em outros casos de corrupção noticiados pela imprensa nos últimos anos.
O comum, no comportamento dos jornais, tem sido a abertura de manchetes sucessivas, negligenciando o direito de defesa dos acusados, transformando em escândalo toda denúncia, inclusive criando jargões e apelidos para fixar melhor na memória do leitor os detalhes de cada enredo.
Assim, pulularam nas primeiras páginas expressões como “propinoduto”, “mensalão”, “valerioduto” e outras invenções que têm mais claramente a função de consolidar opiniões do que de informar.
Também é interessante observar que, juntando-se o noticiário esparso sobre as supostas irregularidades envolvendo obras de expansão do metrô paulistano e do sistema de trens metropolitanos, existem duas fontes básicas de informações dizendo praticamente a mesma coisa.
Uma delas nasceu da disposição da empresa alemã Siemens de mudar sua política de governança, adotando mais transparência e enfrentando os pecados de antigos executivos.
A revelação de que havia um esquema de cartel nas concorrências para obras e manutenção do sistema de transporte em São Paulo surgiu desse movimento da empresa.
A outra tem origem na investigação sobre as atividades da francesa Alstom, que vem sendo denunciada por razões semelhantes, e que acaba de produzir a quebra de sigilo das contas de alguns dos acusados, conforme noticiou o Jornal Nacional na segunda-feira (30/9) e segundo os jornais da terça-feira.
Uma pergunta que muitos leitores devem estar fazendo é: se a imprensa está tratando de duas vertentes do mesmo caso, com uma origem comum, por que o noticiário vem dividido em duas partes, como se se tratasse de um escândalo da Siemens e outro da Alstom?
Eremildo, o Idiota, aquele personagem criado pelo jornalista Elio Gaspari, deve estar muito encafifado com isso.
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