Crescem críticas a trangênicos; agronegócio surdo

Variedade
“Mon 180″, da Monsanto. Nos EUA, antes contrários, rotulagem volta à
pauta. Na China, Academia Militar de Ciências lança alerta
Além da França, até China e EUA começam a
estudar proibições ou rotulagem. No Brasil, grandes plantadores e
transnacionais ainda bloqueiam debate sobre tema
Por Washington Novaes, na Envolverde
É preciso prestar atenção. Em meio a notícias
das últimas semanas sobre a possibilidade de aumentar muito,
principalmente para a China, as exportações brasileiras de grãos,
especialmente de soja, chegam também informações sobre o recrudescimento
das controvérsias e das decisões judiciais sobre transgênicos em muitos
países – e que podem afetar mercados.
Pode-se começar pela França, que acaba de
proibir ali o cultivo de milho geneticamente modificado, por decisão da
mais alta corte de Justiça do país, confirmada também pelo Senado,
depois de haver passado pela Câmara Baixa (noticias.br.ms.com/economia,
6/5). Da mesma forma, o Conselho de Estado rejeitou pedido de produtores
do milho modificado para que a proibição de plantio fosse revogada. E o
Ministério da Agricultura há dois meses já proibira o plantio da única
variedade de milho transgênico resistente a insetos liberada na União
Europeia (UE). O caso ainda vai ser julgado pela UE, mas os
países-membros podem tomar decisões em seus territórios.
Do outro lado do mundo, artigo publicado pela
Academia Militar de Ciências da China está causando alvoroço ao dizer
que há evidências de danos à saúde de 1,3 bilhão de chineses pela soja
importada – e isso pode levar ao banimento total das compras do produto
no exterior (www.realfarmacy.com/chinese-ministry-newspaper),
“principalmente nos Estados Unidos e no Brasil”. Não por acaso, o país
rejeitou há pouco (AS-PTA, 28/3) nada menos do que 887 mil toneladas de
sementes transgênicas de uma variedade de milho. E também lá o governo
central divulga estudo segundo o qual um quinto das terras agrícolas no
país está contaminado – e em processo de degradação – por metais tóxicos
que podem provir de produtos químicos e outros insumos usados.
No Sri Lanka foi proibido o uso de glifosato
em culturas transgênicas, por estar “relacionado com milhares de mortes
de trabalhadores rurais”. A Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO) divulga (14/3) que encontrou resíduos
de transgênicos em 198 casos, principalmente com arroz, milho e mamão.

Até nos Estados Unidos a questão
ressurge, em Vermont, Oregon, que pode vir a ser (2/5) o primeiro Estado
a exigir rotulagem de transgênicos, com lei já aprovada no Legislativo
local e à espera de sanção pelo governador. Em outros 30 Estados há
discussões a respeito, inclusive com parlamentares pedindo que a questão
da rotulagem seja decidida em nível federal (The Wall Street Journal,
29/4). Mesmo com toda a reação, os transgênicos em cinco países
representam 90% da produção, segundo a cientista Mae-Wan Ho (Eco 21,
fevereiro de 2014).
É possível que a questão volte a incendiar-se
por aqui. Uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) obtida pela
Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação impede que entre em
vigor – até o julgamento final pelo STF – decisão do Tribunal Regional
Federal da 1.ª Região, de agosto de 2012, que exige a rotulagem de
transgênicos, seja qual for o porcentual no produto. No Distrito
Federal, o Ministério Público pede à Justiça que suspenda o uso de
glifosato e de 2,4D e de seus princípios ativos (AS-PTA, 28/3).
São questões que envolvem altos interesses.
Apenas nove fabricantes multinacionais de produtos transgênicos tiveram
faturamento de US$ 8,9 bilhões em 2011/2012 (eram US$ 2,5 bilhões em
2000). No Brasil, para este ano, está prevista extensão de lavouras
transgênicas a vários pontos, inclusive ao Tocantins, autorizado
oficialmente ao plantio de algodão, para combater a praga Helicoverpa
armigera. No País todo, o algodão geneticamente modificado chegará, na
safra 2013/2014, a 710 mil hectares, ou 65% da área total destinada ao
cultivo da pluma (O Popular, 2/5). Na safra anterior, foram 49,4% da
área total. Razão invocada para a expansão: a variedade modificada sofre
menos com a estiagem. E, além disso, o custo é considerado compatível
com as possibilidades: R$ 1 mil por hectare. O preço médio do mercado
internacional está entre US$ 0,80 e US$ 0,85 por libra-peso.
Embora na área científica pululem
controvérsias sobre o tema das culturas geneticamente modificadas, na
prática rural estas têm seguido até aqui de vento em popa, com os
argumentos de rentabilidade maior, perdas menores e mercado externo em
expansão. Internamente, além do questionamento sobre o direito do
consumidor de saber o que está comprando – com a rotulagem obrigatória,
defendida pelo Ministério Público e pelos órgãos de defesa do consumidor
-, avolumam-se as críticas à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio), que ainda não leva em conta tratados internacionais assinados
pelo Brasil que pedem a observância ao princípio da precaução. Da mesma
forma, despreza ela as posições dos Ministérios da Saúde e do Meio
Ambiente e de seus representantes na comissão, que pedem estudos prévios
de impacto em cada caso – seja para proteger os biomas envolvidos na
questão, seja por causa da proteção ao consumidor.
Desde o primeiro governo Lula esses temas têm
estado em discussão, mas a proteção dos plantios de geneticamente
modificados tem vencido sistematicamente – mesmo que à custa de
dissensões políticas internas ou da necessidade de reformular a
composição da CTNBio.
É preciso considerar, ainda, que a
administração federal parece acreditar cada vez mais na possibilidade de
enfrentar as questões do déficit comercial na balança com o avanço das
exportações de produtos primários. É uma posição que, isolada de outros
fatores, ao longo da História, tem nos levado a muitos impasses. Seja
como for, é um caminho que não se deve sobrepor aos direitos dos
cidadãos.
Não bastasse isso tudo, ainda temos um novo
caso de doença da vaca louca em Goiás, gerando embargos a nossas carnes
no exterior; e o primeiro caso de cabra clonada, transgênica, no Ceará.
Até o velho sanfoneiro Luiz Gonzaga deve estar se revirando no além com
tanta preocupação.
* Washington Novaes é jornalista.
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