sexta-feira, 3 de julho de 2015

ECONOMIA - O histórico das dívidas da Grécia.

  

O histórico das dívidas da Grécia desde o século XIX


Da Revista Vice
 
por Por Antonis Diniakos e Giannis Androulidakis
A Grécia pode ser o berço do teatro, da filosofia, da democracia e do primeiro governo de esquerda radical da Europa, mas nada supera as tradições econômicas bizarras do pequeno país dos Bálcãs desde sua fundação. Por exemplo, essa nação tem o velho hábito de emprestar grandes somas a juros dolorosos só para torrar tudo comprando bens do Ocidente – principalmente, armas.
A razão por trás disso só pode ser uma compulsão. De que outro jeito se pode explicar um Estado cujas fronteiras não são ameaçadas desde 1922 – um país que não sofre um ataque doméstico desde 1944 – gastar tanto dinheiro em armas?
Mas a história fica ainda mais confusa. Para começo de conversa, a data exata da fundação do Estado grego é contestada. Muitos gregos acham que o país foi fundado em 1º de maio de 1827 durante a Quarta Assembleia Nacional realizada em Trezena. No entanto, as grandes potências da Europa só reconheceram a soberania da Grécia em 3 de fevereiro de 1830. Outros afirmam que a concepção do Estado grego surgiu, de fato, em 30 de novembro de 1823. Foi aí que o país – que ainda nem era um Estado soberano – fez seu primeiro grande empréstimo.
Naquela data, o British Bankers Group emprestou £ 800 mil (R$ 3,8 milhões) para a liderança da revolução grega contra os otomanos. A maior parte disso foi para a compra de munição. O resto foi gasto para cobrir as necessidades básicas dos territórios rebeldes.
A PRIMEIRA FALÊNCIA
Menos de quatro anos depois do primeiro empréstimo do ainda inexistente Estado grego, o "país" declarou sua primeira falência quando não conseguiu pagar os juros do empréstimo.
Sessenta e seis anos depois, em 1893, o então primeiro-ministro Charílaos Trikúpis anunciou a segunda falência da Grécia com a frase histórica: "Lamentavelmente, estamos falidos".
"A falência no governo de Trikúpis foi diferente", diz Thanos Vermis, professor de Ciência Política e Administração Pública da Universidade de Atenas. "Os primeiros empréstimos britânicos foram gastos nos conflitos civis depois da revolução de 1821. O Estado grego sequer existia nessa época. O calote sob o governo de Charílaos Trikúpis tinha características diferentes. Isso aconteceu porque o governo emprestou muito mais do que podia pagar, mas esses empréstimos resultaram em projetos de infraestrutura que realmente beneficiaram o povo grego:por exemplo, foi aí que as linhas ferroviárias, que são usadas hoje, foram construídas. Foi uma falência que realmente deu algo em troca."
A verdade é que, para melhor ou pior, historicamente, falências parecem ser a prerrogativa para semodernizar a política grega. "Não acredito que existia, ou existe, uma tradição grega de fazer empréstimos imprudentes", rebate Yiannis Miols, professor de Economia Política da Universidade de Atenas e chefe de longa data do departamento de Economia.
"Empréstimos sempre precisam de dois lados: o credor e o devedor. Empréstimos só parecem imprudentes quando as coisas dão errado. A responsabilidade deveria ser compartilhada desde o começo. Abaixo da superfície, você nota que quase todos os países que deram calote em tempos de paz fizeram isso durante crises financeiras. Um erro comum entre os credores e devedores é que, durante os tempos bons, eles antecipam que as coisas só podem melhorar."
Inadimplência na Europa entre o século 19 e a Segunda Guerra Mundial:

Alemanha (Prússia) deu o calote em 1807, 1813, 1832 e 1939.
Espanha em 1809, 1820, 1831, 1834, 1851, 1867, 1872, 1882, 1936, 1937, 1938 e 1939.
Áustria em 1868, 1914 e 1932.
Portugal em 1828, 1837, 1841, 1845, 1952 e 1890.
França em 1701, 1715, 1770, 1788 e 1812.
A Grécia não é exceção. Em 1932, o país declarou falência porque outro primeiro-ministro, Elefthérios Venizélos, não entendeu as consequências da crise econômica de 1929 e continuou a atrelar a moeda do país na época (a dracma) ao ouro e à libra britânica.
Thanos Vermis aponta: "A falência da Grécia sob Elefthérios Venizélos e seu líder da oposição, Panagís Tsaldáris, forçou a Grécia a se voltar para seu mercado interno e levou ao desenvolvimento da economia rural. As pessoas comuns do interior não sentiram os efeitos da crise porque eram autossuficientes. Os problemas foram compartilhados principalmente por aqueles que estavam negociando ações gregas e a classe alta, que era bem menor doque hoje.
"A Grécia, na época, era uma economia vulnerável com uma saída pequena e nenhuma indústria pesada, poucas exportações e nenhum turismo – algo que depois foi desenvolvido para preencher as lacunas no orçamento. Hoje, a falta de benefícios nacionais e explosão da população urbana, além do encolhimento dramático da área rural grega, significa que a sociedade foi forçada a experimentar crises econômicas mais dolorosas."
GRÉCIA DEPOIS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Britânicos e norte-americanos tiveram um gostinho do establishment econômico grego durante os anos 40, quando financiaram a guerra civil contra os comunistas.
Winston Churchill desistiu pouco tempo depois, derrotado em seus esforços. Em seguida, os norte-americanos tomaram a posição, lançando o famoso "Plano Marshall". Funcionários dos EUA viram por vários meses seu financiamento ser gasto em bailes da alta sociedade e casamentos, enquanto os comunistas se fortaleciam, até que eles finalmente instauram uma administração rigidamente controlada.
Nos anos 50, correspondentes norte-americanos em Atenas falavam de 5 mil membros da classe alta grega desviando o financiamento internacional do país – chegando até a usar combustível enviado para maquinário agrícola em seus próprios carros.
Joseph Harrinson, correspondente da época para o Christian Science Monitor , descreveu uma gangue que "chora o dia inteiro sobre sua pátria, mas não se digna a pagar impostos e mantém todos seus entes mais queridos em Nova York, Suíça e Egito". É difícil não achar paralelos com a situação atual.
Nos oito anos em que Konstatínos Karamanlís governou a Grécia (1955-1963), a situação só piorou. O sistema de crédito começou a entregar dinheiro, principalmente para empreiteiros, que ficavam imediatamente ricos graças à conclusão de projetos abaixo dos padrões. O resultado disso ainda é visível hoje: toneladas de concreto inútil espalhado por Atenas e estradas péssimas.
Durante a ditadura militar (1967-1974), a junta continuou com o costume de emprestar dinheiro a juros altos e distribuir isso entre a classe política no poder e o maquinário militar. Em julho de 1974, durante a invasão de Chipre, a Grécia finalmente pôde usar algumas de suas armas, mas foi derrotada pelo exército turco – o que significou que o país teve de pegar mais empréstimos para comprar novas armas e se recuperar.
ANDRÉAS PAPANDRÉU ENTRA NO JOGO
A entrada da Grécia na União Europeia em 1981 foi um momento-chave da história do país. Paradoxalmente, isso aconteceu ao mesmo tempo em que o Partido Socialista tomou o governo. Assim que subiu ao poder, o partido mudou imediatamente sua retórica anti-UE.
De repente, a prioridade deles era procurar financiamento para a economia grega através dos recém-estabelecidos "programas mediterrâneos". Isso foi um plano de desenvolvimento estratégico que buscava melhorar as estruturas socioeconômicas em regiões menos desenvolvidas, o que causou muito atrito entre o entãoprimeiro-ministro grego, Andréas Papandréu, e Margaret Thatcher. Graças ao programa, Papandréu conseguiu redistribuir riqueza no país.
Por outro lado, sua decisão de nacionalizar grandes indústrias privadas não acabou bem: o setor público cresceu, assim como o desemprego, a inflação e os buracos no orçamento.
A GRANDE IDEIA DE KOSTAS SIMITIS
Nos anos que se seguiram, a vida continuou entre programas de austeridade fiscal. O ano de 1996 trouxe alguns desenvolvimentos preocupantes: a candidatura da Grécia para sede das Olimpíadas e o interesse crescente em se adotar o euro como moeda corrente.
O então ministro dos Esportes, George Lianis, tirou vantagem da instabilidade política da época e submeteu a candidatura de Atenas para os Jogos Olímpicos de 2004. A vitória da Grécia causou um surto de entusiasmo nacional.
Antes da vitória, a instabilidade política tinha sido acalmada por Kostas Simitis – um homem que tinha definido grandes objetivos para a Grécia e a entrada numa nova moeda – assumindo como primeiro-ministro. Seu programa de modernização, que visava a garantir a saúde da economia grega e sua entrada no euro, deu resultados espetaculares, mas, na verdade, foi uma aula de como se falsificar dados financeiros.
Hoje, vários líderes políticos culpam a Grécia pela trapaça. Porém, na época, qualquer um criticando os critérios da UE e a adulteração do governo era ignorado: a Europa tinha de mostrar riqueza econômica dentro de suas fronteiras.
O MILAGRE DA BOLSA DE VALORES E DA NOVA MOEDA
Até 2004, uma grande parcela da sociedade grega flutuava numa nuvem de euforia artificial. Jipes novos formavam filas nas ruas das províncias gregas e charutos Havana viraram moda entre os gregos com acesso fácil a cartões de crédito e empréstimos infinitos.
Nesse ponto, os bancos emprestavam dinheiro para qualquer um, mesmo que apenas para bancar uma viagem de férias. Graças a isso, o sistema bancário grego inflou metodicamente sua própria bolha, o que levou a bolhas na construção, na mídia, no turismo e em tudo mais. E isso gerou uma ascensão explosiva da bolsa de valores grega, resultando numa quebra muito mais explosiva. O valor das ações foi de 1.200 para 6.500 pontos, só para cair para 666 dentro de um ano.
O ministro das Finanças, Yiannos Papantoniou, arrastou seu sorriso descaradamente de painel em painel, afirmando que "a bolsa de valores grega ainda está forte. Neste verão, a Grécia tem uma bolsa de valores de fazer inveja a muitas outras bolsas internacionais". Alguns anos depois, € 136 bilhões (R$ 471 bilhões) desapareceram da bolsa de valores.
Em 1º de janeiro de 2002 (a data de início da circulação do euro), o primeiro-ministro, Kostas Simitis, foi fotografado segurando a primeira nota do país. Ele sorria sinistramente.
Sinais de alerta já estavam emergindo em 2004, quando a Grécia venceu a UEFA e sediou as Olimpíadas, mas, como todo mundo sabe, depois da farra vem a ressaca. A dívida privada dos gregos se tornou insustentável, bancos exigiram seu dinheiro de volta, muitos tinham perdido fortunas na bolsa de valores e as finanças públicas iam de mal a pior. A culpa era trocada entre partidos políticos rivais, enquanto o desemprego crescia lentamente. E isso foi antes da crise bancárias dos EUA.
A ERA DA CRISE
Trabalho imigrante barato, que devia construir o sonho grego, foi implementado. Rumores de aviões entregando trabalhadores ilegais da Ásia diretamente em canteiros de obras, de onde eles não saíam até a conclusão dos estádios olímpicos, não pareciam preocupar ninguém. Aspessoas só não queriam ver esses imigrantes em espaços públicos.
Os primeiros grupos de extrema-direita começaram a se formar na virada do milênio. Quando a crise bancária global estourou, a Grécia se viu com uma economia completamente indefesa.
O primeiro-ministro recém-eleito, Geórgios Papandréu, não soube lidar com a situação. O político, cujos votos se basearam na promessa de ele continuar o trabalho do pai, Andreás, se viu forçado a anunciar que a nação estava sob o jugo do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia – abrindo caminho para a maior crise social em 70 anos.
As garantias de Geórgios Papandréu – resumidas por sua memorável frase "Há dinheiro" – logo foram afogadas pela frase igualmente histórica de Theódoros Pangálos: "Gastamos tudo juntos".
Aposentadorias e salários despencaram, negócios fecharam, o desemprego chegou a níveis alarmantes e os serviços sociais encolheram. Enquanto isso, a dívida pública continuava a crescer como resultado do colapso da renda pública causadopelas políticas Troika.
Quando Papandréu inexplicavelmente tentou propor um referendo para saberse essas medidas deveriam continuar, ele foi forçado a renunciar. Sua posição foi preenchida pelo ex-chefe do Banco Central grego Tassos Giannitsis, que estava ao lado do sorridente primeiro-ministro, Kostas Simitis, enquanto ele segurava a primeira cédula de euro, figura que muitos viam como a responsável pela maneira controversa como a Grécia se juntou ao euro. Ele foi contratado sob aplausos dos líderes europeus. Nas eleições seguintes, em maio de 2012, o partido neonazista Aurora Dourada saltou de apenas algumas centenas de votos para 7% da parcela nacional.
O velho sistema político desmoronou. O Partido Socialista PASOK despencou de 43% dos votos para apenas 12%, enquantoa Syriza (Coalizão da Esquerda Radical) quadruplicou suas forças. O líder do partido conservador, Antónis Samarás, tirou vantagem do eleitorado fraturado e se elegeu primeiro-ministro.
PRIMEIRO, SAMARÁS; DEPOIS, A ESQUERDA
Antónis Samarás tinha feito sua carreira como líder de um partido neonacionalista fracassado nos anos 90. Como primeiro-ministro, ele tentou governar criando uma hegemonia neoconservadora baseada em repressão, racismo e uma postura cáustica antiesquerda.
Nunca saberemos o que ele poderia ter feito sob circunstâncias diferentes, porém, com a taxa de desemprego alcançando 30% e com a renda cortada pela metade, suas justificativas pareciam perturbadoras.
A vitória da Syriza nas eleições de janeiro (a quarta eleição em cinco anos) foi confortável. As expectativas do povo grego com o novo governo eram tudo e nada ao mesmo tempo. As pessoas pareciam desesperadas para que a situação voltasse a um nível tolerável.
A imagem do ministro das Finanças recém-eleito, Yanis Varoufakias, desacreditando publicamente os credores do país na televisão e conversando com jornalistas da BBC em inglês fluente criouuma tempestade de entusiasmo no país. De repente, toda a população sentia que um grego tinha se vingado pelo país inteiro, que era insultado e perseguido há cinco anos. Mas essa ilusão não durou muito.
O blefe do ministro de não querer mais financiamento foi mal pensado, já que ele não tinha um plano B. A conversa do primeiro-ministro, Aléxis Tsípras, de que faria à chanceler alemã, Angela Merkel, "uma oferta que ela não poderia recusar" se provou bem menos efetiva que a de Vito Corleone em O Poderoso Chefão.
Um mês depois da eleição, o governo assinou uma extensão temporária do programa de assistência monetária. Mantendo a tradição, encomendou-se mais equipamento militar.
"Está claro que o governo e a oposição não são a favor ou contra o resgate. Temos de superar o status quo para poder parar de viver o tormento de Sísifo", afirmouPantelis Economou, vice-ministro das Finanças do PASOK.
Esgotada, a sociedade grega tende a minimizar a profundidade de sua luta e revolta social. É uma sociedade que parece pronta a se render a qualquer tipo de milagre. O debate sobre a sustentabilidade da dívida grega já começou a enfraquecer: todo mundo sabe que ela não é sustentável, mas ninguém quer admitir isso.
Mesmo agora, muitos parecem convencidos de que, no final, algo vai acontecer – algo vai impedir a nação de ser expulsa do euro, um cenário considerado de pesadelo. Mesmo com o país à beira de um desastre nacional e com as pessoas correndo para esvaziar caixas automáticos, muitos esperam um milagre que salvará o país.
Mas é claro: como a história da Grécia mostra, esses milagres raramente acontecem.

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