ETANOL – Será que o Fidel estava com a razão?
No final de fevereiro passado, quando resolvi fazer um blog, um dos primeiros textos que escrevi, foi comentando uma das Reflexões do Fidel. Tendo em vista à atualidade do tema, volto a escrever sobre o mesmo.
Há quase um ano, no final de abril, o ainda Presidente de Cuba, Fidel Castro, escreveu em uma de suas reflexões, publicadas no jornal Granma, questionamentos proféticos.
“O que acontecerá quando milhões de toneladas de milho forem dedicadas à produção de bio-combustíveis? E se os outros países industrializados resolverem também utilizar trigo, aveia, cevada, sorgo e outros cereais, como matéria-prima para a produção de combustíveis? E, no que se refere ao Brasil, se além da cana-de-açúcar, seja também utilizada à soja, que poderia vir a ocupar as áreas destinadas à pecuária?”.
Por estes questionamentos, Fidel foi duramente criticado, principalmente quando lembrou “que ninguém saberia prever até onde chegariam os preços dos alimentos deslocados para a produção de combustíveis.”
Recente estudo da FAO, da ONU, revela que nos últimos nove meses, os preços dos alimentos no mercado internacional tiveram uma elevação de 48% e que nos últimos três anos, a alta atingiu 83%. O milho dobrou de preço em dois anos, e o trigo teve um incremento de 181%%. Além disso, os estoques mundiais dos produtos acima mencionados, estão nos níveis mais baixos desde 1982. Junte-se a isso, o fato de que a Austrália, segundo maior produtor mundial de trigo, está passando por uma severa seca.
E o que é pior, já está ocorrendo escassez de milho, trigo e arroz, justamente os produtos mais consumidos pela maior parte dos 6,5 bilhões de habitantes do nosso planeta, a maioria pobre.
Como é do conhecimento de todos, os Estados Unidos da América do Norte são o primeiro produtor mundial de etanol, tendo como base o milho. Entre 2007 e 2008, serão necessários 86 milhões de toneladas de milho para a produção de etanol, que respondeu pela metade da demanda de milho. O aumento verificado na safra global de milho nos Estados Unidos, foi transferido para se produzir o etanol. Como o governo americano subsidia cada galão de etanol em 0,51 centavos de dólar contra uma tarifa de importação de 0,54 centavos, já está se verificando uma troca de soja por milho. Ocorre também, que as grandes empresas multinacionais americanas que negociam grãos, exigiram e conseguiram do governo do seu país, a venda no mercado interno, o equivalente a U$ 35 bilhões de etanol, anualmente.
No Brasil, como se sabe, a produção de etanol é feita a partir da cana-de-açucar. Mesmo assim, o nosso país começou a sofrer críticas, principalmente dos europeus. São críticas como a que diz respeito ao trabalho escravo nas lavouras canavieiras, aliás, bastante procedentes. Os europeus também têm receio que haja o deslocamento da soja e da pecuária, para a produção de cana-de-açucar. Outra crítica é com relação a ocorrência de mais desmatamento na região amazônica, para a expansão das áreas destinadas à cana-de-açúcar e, consequentemente, com o aquecimento global.
O governo vem se defendendo, alegando que os avanços na produtividade na pecuária, podem liberar áreas para o plantio da cana. Por isso, creio que o governo brasileiro deveria proceder um zoneamento das áreas passíveis de ser empregadas na atividade canavieira, como também exigir das empresas que venham ou já atuam nesse segmento, sua certificação ambiental e social.
Essa escassez mundial de alimentos, no meu modo de ver, não pode ser atribuída unicamente à produção de etanol. Outros fatores também têm seu peso, como a alta dos fertilizantes e do petróleo. Este último, em 2004 era cotado a U$ 30 o barril, tendo atingido agora, em 2008, cotação superior aos U$ 100 o barril. Estes incrementos de preços são lógicos, se refletem no aumento dos custos de produção que se transferem para os preços dos alimentos.
Outra causa relevante, é o aumento da demanda por comida, observado em países populosos, por exemplo, a China, Rússia, Índia, África do Sul, que possuem um imenso mercado interno.
Agora, um dado importante que o Fidel não comentou, refere-se à enorme especulação, tanto nos mercados internos e principalmente, nos mercados internacionais de “commodities” agrícolas. Estas foram transformadas em ativos pelos grandes investidores institucionais. O resultado disso, é que o mercado de “commodities” fica exposto , aos mesmos processos de amplificação do movimento das cotações, característica do comportamento de outros ativos financeiros ,sujeitos a exuberância irracional dos investidores. Nunca é demais lembrar que nem 10% dos contratos negociados em bolsa se transformam em recebimento físico das mercadorias relativas aos contratos. É especulação pura.
Dessa forma, acredito que mais do que nunca, torna-se deveras importante, a regulação dos mercados, para deter a especulação e os monopólios na área de alimentos.
Ficou demonstrado, na crise do “sub-prime”, que a capacidade do “mercado” de gerir e de solucionar todos os problemas, a famosa “mão invisível”, como cansam de repetir os néoliberais, não é verdadeira. Hoje, podemos vêr com clareza, que o “mercado”, é incapaz de administrar a si mesmo.
Para concluir, acho que quando vemos populações de alguns países pobres,como o Haiti, Costa do Marfim, Camarões, Senegal, Mauritânia, Moçambique, Indonésia, Egito, protestando contra a escassez e o preço dos alimentos, ficamos propensos em admitir que Fidel estivesse com razão ao fazer seus questionamentos.
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