Artigo do Mauro Santayana no JB.
Extensa investigação do New York Times, divulgada domingo passado, mostrou como a televisão pode ser usada para mentir, enganar a opinião pública e fazê-la aceitar o crime como virtude, a serviço dos grandes interesses econômicos. O Pentágono alugou generais da reserva das Forças Armadas dos Estados Unidos para analisar, nas emissoras de TV, a situação militar no Oriente Médio, depois dos ataques de 11 de Setembro e, principalmente, depois da invasão do Iraque.
Esses analistas fazem parte de um grupo de cerca de 150 militares, consultores, lobistas e ex-diretores executivos das empresas ligadas ao famoso complexo industrial-militar, já denunciado pelo presidente Eisenhower em sua despedida do governo, em 17 de janeiro de 1961. No histórico discurso, que provavelmente Bush jamais tenha lido, o comandante supremo das forças ocidentais contra os nazistas faz advertências proféticas ao povo norte-americano. Depois de lembrar que, diante da necessidade da guerra, seu país criado poderosa indústria bélica, constata que, sem o controle da sociedade, ela poderia tornar-se gigantesca e perigosa. "The potential for disastrous of misplaced power exists and will persists". Em seguida, o grande presidente também previne contra a perspectiva de controle da intelectualidade (scholars, no original) pelos empregos federais e pelo poder do dinheiro que está sempre presente "and is gravely to be regard".
O complexo industrial-militar esteve por detrás da Guerra do Vietnã e de todas as outras aventuras bélicas que se seguiram, e que chegam hoje à exacerbação no Oriente Médio. Em todo esse processo foi evidente a atuação dos mercadores da morte junto aos scholars. Todos nos lembramos de Kissinger e de Hermann Khan, entre outros, predecessores de Richard Perle e Paul Wolfowitz, na formulação da guerra sem fim de Bush.
Ao controlar a parcela da intelligentsia americana, insensível aos princípios universais da ética, os produtores e mercadores de armamentos influem poderosamente nos meios de comunicação, sobretudo no mais vulnerável deles, que é a televisão. Assim, não há que surpreender o aluguel, indireto, dos analistas militares, a pedido do Pentágono, para a lavagem cerebral do povo norte-americano. Antes da invasão, eles demonstravam, por a+b, que a capitulação total do Iraque não levaria mais do que algumas semanas. Ao mesmo tempo explicavam como, e por que, o Iraque dispunha de potencial bélico para arrasar todos os seus vizinhos, mediante armas de destruição em massa – o que se provou ser cínica mentira.
Aqui mesmo, no Brasil, foi possível assistir, mediante os canais a cabo, à arenga desses especialistas, retransmitida pelas cadeias americanas. A extensa reportagem do mais importante jornal americano nos deve servir de aviso, quando o Congresso discute o projeto escandalosamente antinacional do senhor Paulo Bornhausen, que praticamente proíbe aos produtores nacionais de audiovisual acesso aos canais pagos em nosso país – em nome da liberdade de mercado. Liberdade de mercado é aquela em que os muito ricos se utilizam para dominar os mercados.
Um conhecido empresário do setor, interessado, como é natural, nos resultados econômicos da atividade, o senhor João Saad, da TV Bandeirantes, propôs que fosse obrigatória a cota de 50% para os conteúdos produzidos no Brasil e por brasileiros, em lugar dos 10%, cogitados ainda anteontem.
Outro aspecto importante é o da propriedade dos meios de comunicação. A xenofilia do senhor Bornhausen vai ao ponto de permitir às empresas telefônicas a exploração da televisão a cabo, sem restrições. Essa liberalidade é francamente anticonstitucional. Se for aprovada, cabe ao presidente Lula vetá-la e, se for o caso, aos produtores nacionais baterem à porta do STF para impedir o desrespeito à Constituição.
Em todos os grandes países há uma politica de defesa da identidade cultural de seus povos. Não podemos admitir que a população brasileira se transforme em rebanho mudo e atento aos gritos do pastor – senhor das reses – e ao ladrar dos cães de guarda do mundo. Não se preserva a cultura de um povo sem propagá-la, sem reproduzi-la. Em nome da liberdade individual, não podemos alienar a soberania nacional. Já é demais (e temos que coibi-la) a cultura da violência da indústria de entretenimento dos Estados Unidos, que produzem também entre nós rambos e adolescentes assassinos.
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