Copiado do Blog Brasil de Fato.
Raymundo de Oliveira
O petróleo começou a ser economicamente explorado a partir da segunda metade do século XIX. Iniciando pelos EUA, a produção foi crescendo sistematicamente. Da destilação daquela massa preta, se tirava de tudo: querosene, gasolina, diesel, óleo combustível, gás, plásticos...
Os derivados de petróleo se tornaram indispensáveis e ficamos inteiramente presos a eles na energia que usamos, em nossas vestimentas, na produção de alimentos, nos multiusos dos plásticos, nos transportes, nas tintas, em tudo.
É olhar para os lados e o que vemos é extraído do petróleo, direta ou indiretamente. E mais, sua extração e uso eram a baixo custo. Daí nossa crescente dependência do petróleo. Fomos abandonando nossos costumes antigos e não sabemos mais viver sem ele. A produção foi crescendo e nossa dependência se acentuando!
Os EUA eram os maiores produtores e nas primeiras décadas do século XX se tornaram os maiores exportadores de petróleo, com a produção crescendo em ritmo acelerado. O petróleo foi o combustível da grande revolução industrial da virada do século XX, sendo a indústria automobilística o grande indicador da industrialização. Ela é filha do petróleo barato, de fácil extração.
Embora inicialmente concentradas nos EUA, o maior exportador, as descobertas de novas regiões petrolíferas foram se espalhando no mundo.
Entretanto, o petróleo é finito, não oferece duas safras: usou, está usado. Não se planta, não se reproduz. Hoje se estima que, no total, a humanidade recebeu dos “deuses” cerca de dois trilhões de barris de petróleo utilizável, somando-se o que já se descobriu com o que ainda deve ser descoberto.
Em meados do século XX, década de cinqüenta, um geólogo norte-americano, King Hubbert, analisando as descobertas de petróleo nos EUA e o histórico das produções dos diversos campos, propôs um modelo matemático e dele concluiu que a produção americana passaria por um máximo no início da década de 70, após o que, passaria a decair paulatinamente. É a chamada Curva de Hubbert, semelhante à Curva Normal (Curva de Gauss).
Seu modelo foi recebido com incredulidade, diante da crescente produção americana. Infelizmente, ele estava certo. De fato, nos primeiros anos da década de setenta, a produção dos EUA se estabiliza e, logo depois, começa a cair. Isso os forçou a reduzir a produção e importar maciçamente.
Como o uso dos derivados de petróleo continuou a crescer, eles não são mais os maiores exportadores e sim os maiores importadores de petróleo do mundo. A produção americana é uma parcela pequena de seu consumo. Se dependessem exclusivamente de suas reservas, elas seriam zeradas em menos de quatro anos. Os EUA possuem 3% das reservas e consomem 25% da produção mundial de petróleo. Daí a necessidade de importar, e importar cada vez mais.
A partir de seu acerto, as teorias do Hubbert passaram a ser levadas a sério. Seu modelo foi reproduzido nas reservas do Mar do Norte e se confirmou.
Hoje, seus seguidores modelam as reservas do mundo e as conclusões são preocupantes: estima-se que o pico da produção deverá se dar entre 2005 e 2010, após o que ela irá caindo aos poucos. Alguns otimistas acham que o máximo da produção só vai se dar em 2015. Devido às oscilações de produção, demora-se a se perceber a passagem do pico.
Esse máximo representa o momento em que já foi consumida metade das reservas disponíveis. Assim, estando passando pelo pico, é sinal de que já consumimos o primeiro trilhão de barris e entramos na produção da segunda metade.
Claro está que a primeira metade foi a de produção mais fácil, mais acessível, mais barata. O que nos resta é a parte mais difícil, mais cara.
O ser humano já conhece razoavelmente o subsolo da Terra. Não são grandes as esperanças de enormes descobertas, a exemplo do que houve na primeira metade do século XX. Há novos campos, porém não se espera descobrir um novo Oriente Médio. O máximo das descobertas se deu em 1964. De lá para cá, as grandes descobertas são cada vez menores.
Imaginemos o que acontecerá com o preço do petróleo quando sua produção começar a cair sistematicamente, ano a ano. O preço tende a disparar.
Porém, o consumo de petróleo é bastante inelástico e, inicialmente, deve responder lentamente ao aumento do preço. Em decorrência crescerá o preço de tudo que usa petróleo, isto é, de quase tudo que nos acostumamos a usar. Vamos ter saudade da época em que o petróleo custava 100 dólares o barril!
Algumas conseqüências da disparada do preço do petróleo podem ser estimadas: o custo dos transportes vai às alturas e o preço dos alimentos também, diante da dependência de derivados de petróleo, na produção de fertilizantes. Em síntese, fica abalada nossa maneira atual de viver, profundamente dependente do petróleo barato.
Vejamos a vida de um americano classe média alta. Ele mora há cem km de seu local de trabalho, nos “subúrbios”. Lá ele vive em sua casinha, com cachorro e piscina, mulher e dois filhos. Vai para o emprego com seu automóvel que pesa três toneladas, consome um litro a cada seis km e faz duzentos km/h, numa auto-estrada de quatro pistas para cada lado. Isso só é possível pela existência do petróleo barato. Disparando o preço, esse padrão de vida ficará abalado. Porém, Dick Cheney, atual vice do presidente George W. Bush, já afirmou: “nosso padrão de vida é inegociável”.
Por muito menos os EUA invadiram o Iraque e estão se apossando de suas reservas de petróleo, a terceira maior do planeta, sob a falsa justificativa de que o presidente Sadan Hussein teria armas de destruição maciça. Porém, o Oriente Médio é região profundamente instável.
Enquanto isso, a Venezuela está ali do lado e são grandes as importações de seu petróleo pelos EUA. Seu presidente Hugo Chaves não tem demonstrado grandes simpatias pelos atuais governantes norte-americanos.
Diante da inevitável crise do petróleo e do inegociável padrão de vida do americano, temos crise à vista, em especial na fronteira Colômbia-Venezuela. Aos EUA não interessa paz na região. O conflito é a porta de entrada da guerra, acesso mais garantido ao petróleo venezuelano.
Esta crise é só uma das que estão sendo potencializadas pelo início do fim do petróleo barato.
É fundamental ter em vista que, antigamente, cada povo desenvolvia sua produção de alimentos próxima aos locais em que vivia. Hoje, graças ao petróleo barato, planta-se soja no Brasil, ou nos EUA, e se consome na China. Isso só é possível pelo transporte barato, petróleo barato.
E o que é pior, perdeu-se a cultura da antiga produção de alimentos distribuída. A produção concentrada, mais eficiente, tende a ser mais homogênea. Dentre as opções, planta-se a que oferece melhor rendimento, abandonando-se as outras, perdendo-se diversidade, reduzindo-se as opções que havia anteriormente. Algumas dessas opções, abandonadas em nome do aumento da eficiência, eram opções adequadas a outras regiões, quando a produção não estava concentrada, como hoje. O ser humano vai ficando com menos grau de liberdade, com menos opções. Com o fim do transporte barato, vai haver necessidade de se voltar a produzir alimentos perto de casa: crise à vista por falta de alimentos, pois foi perdida a cultura da produção distribuída.
O petróleo barato nos empurrou para uma realidade de profunda dependência. Ficamos viciados em seus produtos.
A sociedade de consumo é reflexo desse petróleo barato. Produzimos o supérfluo, consumimos esse supérfluo e precisamos produzir mais dele, para manter a economia funcionando. O petróleo barato tem sido o combustível dessa lógica.
Usamos pouco e mal cada novo produto que chega ao mercado, induzido pela eficientíssima propaganda. Antes de esgotar seu uso, quando ainda tem muito a oferecer, jogamos fora esse produto e adquirimos a nova mercadoria que chega. Frequentemente, o “novo” é o antigo com alguns enfeites supérfluos, apoiado em competente campanha de marketing.
Esse permanente “use e jogue fora” só tem sido possível pela abundância de energia barata: a queda dos custos de produção alimenta a sociedade de consumo e de desperdício.
O fim da economia do petróleo barato vai abalar essa lógica em que temos sobrevivido. É nossa maneira de viver que fica ameaçada.
Diante da visão da crise do petróleo, recurso reconhecidamente finito e com consumo crescente, tem-se buscado desesperadamente alternativas a ele. Da energia solar à eólica, da nuclear ao carvão, do agro-combustível à economia do hidrogênio.
As energias solar e eólica têm grande potencial de crescimento e serão, seguramente, utilíssimas em pequenas comunidades ou para situações localizadas. Entretanto, não têm qualquer condição de responder às necessidades da sociedade do automóvel e do desperdício.
A nuclear, com questões de segurança ainda pendentes, tem limitação quanto às reservas existentes.
O carvão, com reservas enormes, se usado para substituir as necessidades decorrentes da queda da produção de petróleo, levará a poluição a níveis insuportáveis.
A esponja de hidrogênio é muito mais uma transportadora de energia, de baixo rendimento, que uma geradora, em especial para as necessidades decorrentes da previsível queda na produção de petróleo.
No agro-combustível, o exemplo do pro-alcool tem tido indiscutível sucesso na substituição da gasolina. Tentar mundializar essa solução traz o risco de ameaçar a produção de alimentos, num mundo faminto. Entre produzir alimento para pobre ou “gasolina” para carro de rico, a lógica do Capital será implacável e veremos grandes extensões de terra desviadas da agricultura alimentícia. Os preços dos alimentos iriam disparar, a exemplo do ocorrido com o preço do milho nos EUA e no México, pelo seu uso na produção de etanol para a indústria automobilística. E, ainda assim, não há terra suficiente para as centenas de milhões de carros.
De fato, o presente que nos deram os deuses, dois trilhões de barris de petróleo, nos viciou. Com essa energia barata, ficamos escravos da lógica da sociedade de consumo.
É fundamental entender que o Capital só respeita uma lógica, a lógica da reprodução expandida. O dono do Capital compra máquinas, matéria prima e paga salário ao operário. Utilizando energia barata, os operários operam as máquinas que consomem a matéria prima e produzem mercadorias. Essas mercadorias são vendidas no Mercado e o dono do Capital precisa receber, com elas, mais do que investiu em matéria primas, na depreciação de suas máquinas e nos salários pagos. É a lógica da reprodução expandida, com a qual reproduz seu Capital e o amplia.
Quando o mundo era suposto infinito, sempre com novas fronteiras a conquistar, a lógica da reprodução expandida trouxe enorme desenvolvimento. O progresso, com todos os seus defeitos, foi fantástico. É olhar e ver o crescimento da produção, a queda da mortalidade infantil, o aumento da vida média do ser humano, onde o próprio crescimento da população é um indicador claro.
Hoje, o “mundo é finito”. Não há mais fronteiras a conquistar. Tivéssemos ido a Marte, Júpiter, Vênus, e a lógica da reprodução expandida poderia permanecer. Num mundo finito, essa lógica se transforma numa metástase da sociedade humana, ameaçando o corpo de que ela própria se alimenta. Poluição, efeito estufa, aquecimento global, derretimento de geleiras, tufões são efeitos da atuação descontrolada do Capital. Em risco a vida humana, nossa sobrevivência no planeta.
É fundamental ter uma sociedade menos exigente em energia, no lugar de depender de maior produção. Esse caminho nos está levando a um beco sem saída.
Construir outra lógica na relação com a natureza e com os outros seres humanos é necessidade imperiosa de nossa própria sobrevivência. Não sei se há tempo para essa construção. A barbárie é uma possibilidade não desprezível.
Entretanto, enquanto há esperança, mãos à obra.
Raymundo de Oliveira é engenheiro e professor do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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