domingo, 5 de abril de 2009

CRISE: oportunidade e disputa hegemônica.

Emir Sader

Demorou mas finalmente chegaram algumas boas notícias no marco da crise. Não se trata da superação da recessão, da retomada de ritmos de expansão econômica ou de recuperação do nível de emprego. Até aqui, a iniciativa esteve totalmente em mãos dos governos dos países epicentros da crise.

A falta de iniciativas das principais vítimas – os países do sul do mundo -, que não tem responsabilidades sobre a crise, faz com que se reúna o G 20 e convida quem decidem convidar do sul do mundo. O presidente dos EUA convoca reunião com 17 países, também pelo seu critério, para discutir temas de energia e o clima.

Fala-se tanto da crise e do esgotamento do neoliberalismo, do capitalismo, da hegemonia norte-americana, da emergência de um mundo multipolar, mas o que se viu até aqui são iniciativas dirigidas pelos EUA para buscar soluções concertadas para a crise, incorporando a países do sul do mundo.

Até que chegaram duas boas notícias de reação a esse roteiro. A China aderiu à proposta russa de criação de uma nova moeda internacional, alternativa ao dólar. Parece uma medida elementar, frente às enormes oscilações da moeda norte-americana, além da falta de controle sobre sua emissão, provocando as condições de uma nova bolha – esta inflacionária do dólar, que pode voltar a oscilar bruscamente para baixo. Uma das lições claras da crise é justamente a falta de confiabilidade do dólar para seguir como moeda internacional.

Somente no marco de um mundo multilateral, em que se quebre a hegemonia imperial norte-americana como potência única, aliada aos outros países do centro do capitalismo, se poderão gestar alternativas tanto para a crise econômica, quanto para conflitos como os da Palestina, do Iraque, do Afeganistão, da Colômbia, sobrevivências graves da política de “guerras infinitas” do governo Bush.

O fortalecimento dos processos de integração regional na América Latina e das articulações Sul-Sul – lembrar que o Sul do mundo possui 80% da população mundial, mas detêm menos de 20% da riqueza global, somos as vitimas majoritárias da globalização neoliberal – é a via de superação dos principais problemas que vive o mundo nesta entrada do século XXI. Por isso a reunião do Banco do Sul, que tomara avance para a criação de uma moeda única regional, de um Banco Central único, de políticas econômicas convergentes na região – é uma boa notícia. Da mesma forma que os apoios – incluído o do Brasil – para a criação de uma moeda mundial alternativa ao dólar – como de alguma maneira já praticam o Brasil e a Argentina nas suas relações comerciais, a China e a Argentina por acordo recente, mas principalmente a Alba, com a criação de uma moeda para as trocas entre os países que a integram – apontam na mesma direção.

Destacar a crise do capitalismo e do neoliberalismo é o ponto de partida para a compreensão da crise atual. Mas ficar nesse plano de denúncias e supor que a oportunidade que a crise representa é somente para nós, é presentear tempo e espaço para as manobras de recomposição do bloco dominante na globalização mundial. Apontar para as vias concretas de superação positiva da crise, na direção do posneoliberalismo e do anticapitalismo, é condição indispensável para avançar a partir das forças com que o anti-neoliberalismo conta hoje.

Supor que a crise capitalista abre as portas automaticamente ao socialismo é subestimar os retrocessos das últimas décadas nos chamadas fatores subjetivos da luta anti-capitalista, é retomar as velhas e superadas teses mecanicistas de que a um modo de produção sucede outro, sem que intervenham as forças econômicas, sociais, políticas e ideológicas, para definir as vias de superação da imensa crise hegemônica que vivemos. Aprender que a história não tem um fim inelutável, que ela tem avanços e retrocessos, que vivemos um momento em que a história está mais aberta do que nunca nas últimas décadas. Ficar no plano das denúncias ou do catastrofismo é semear o imobilismo, a impotência. Apresentar alternativas de propostas e de bloco de forças que as implementem, é a melhor resposta a esse crise.

Fonte:Blog do Emir

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