Secretário do Tesouro dos EUA, para a próxima etapa do socorro a Wall Street é uma versão requentada do esquema do seu predecessor republicano. Implica uma transferência sem precedentes de dinheiro dos contribuintes - a classe trabalhadora - para os bancos, os accionistas e os ricos. Comparado a isto, o total de 165 milhões de dólares que os executivos da AIG receberam em Março não passa de trocos.
Editorial do Socialist Worker
Justamente quando o repúdio dos bónus concedidos pela AIG atingiu o seu ponto mais alto, o Secretário do Tesouro Tim Geithner anunciou mais uma vasta transferência de dinheiro dos contribuintes para o bolso dos ricos, num novo último esforço para salvar os bancos de Wall Street.
Segundo o plano de Geithner, o governo dos EUA irá ser "parceiro" de investidores privados na compra de mais de um bilião de dólares de hipotecas e títulos assentes sobre essas hipotecas.
No essencial, o governo dos EUA oferece-se para colocar até cem mil milhões de dólares em dinheiro e garantias de empréstimos que os investidores poderão usar para comprar hipotecas duvidosas e títulos assentes sobre elas. Se essas hipotecas e títulos vierem eventualmente a valer alguma coisa, o governo e os investidores dividirão os ganhos - o que supostamente deverá convencer-nos que se trata de um negócio vantajoso.
Mas se os chamados "títulos tóxicos" forem de facto veneno, o governo assacará com as perdas.
E, como se não fosse suficientemente mau, o programa permite aos investidores comprar aqueles títulos com empréstimos garantidos pelo governo até 85% do seu valor. Como o economista e colunista do New York Times Paul Krugman faz notar no seu blogue, os empréstimos subsidiados encorajarão os investidores a pagar mais pelos títulos, dado que pouco do seu próprio dinheiro estará em risco. O que, por seu turno, será uma benesse para os bancos, que poderão livrar-se de títulos assentes em hipotecas, que de outro modo seriam invendáveis, num processo ainda por cima inflacionado.
Muitos economistas liberais argumentaram, com razão, que esta abordagem faz dos contribuintes, e da base de apoio de Obama, lorpas. "Se eu tenho razão e estas hipotecas forem no essencial lixo, então o plano de Geithner é um esquema à Rube Goldberg para transferir perdas inevitáveis dos bancos para o Tesouro, preservando os grandes bancos e as suas actuais administrações na sua glória disfuncional," disse o economista James Galbraith. "Isto não vai dar como resultado que se volte a conceder crédito."
O plano Geithner implica uma transferência sem precedentes de dinheiro dos contribuintes - a classe trabalhadora - para os bancos, os accionistas e os ricos. Comparado a isto, o total de 165 milhões de dólares que os executivos da AIG receberam em Março não passam de trocos.
Contudo, esses bónus, acrescidos aos 173 mil milhões de dólares já entregues à AIG, despertaram, com toda a razão, a ira popular. Simbolizaram a política de dois pesos e duas medidas que é o núcleo da política do governo desde o desastre financeiro de Setembro passado.
Nessa altura, o Secretário do Tesouro de George Bush, Henry Paulson, pediu, e acabou por receber, 700 mil milhões de dólares do Congresso, para a compra dos títulos assentes em más hipotecas. O plano foi imediatamente alcunhado de "dinheiro por lixo" e Paulson, um antigo director executivo do banco de investimento Goldman Sachs, foi muito justamente apontado como o principal homem de mão de Wall Street na administração Bush.
A pressão da opinião pública e o rápido alastrar da crise forçaram Paulson a abandonar o seu plano de compra dos títulos tóxicos. Em vez disso o governo investiu directamente 250 mil milhões de dólares nos 9 maiores bancos do país.
Mas eis que chega Geithner com uma versão requentada do plano Paulson. Tal como o seu predecessor, Geithner quer convencer os investidores a comprarem títulos sem valor e garante-lhes as suas perdas - com o nosso dinheiro.
A reacção popular ao plano de Geithner de salvação dos bancos pode reequacionar o debate político nos EUA.
Até agora, o chefe de Geithner, Barack Obama, surgiu como um paladino do povo ao estilo de Roosevelt. A retórica liberal de Obama; medidas progressistas no orçamento, que incluíam o aumento dos impostos para os ricos; e o lançamento do programa de estímulo da economia reforçaram a sua popularidade.
Mas no que toca à crise financeira, a política de Obama é a mesma que foi cozinhada pela cabala de bancos de investimento e burocratas conservadores da administração Bush. Por uma boa razão: Geithner era um proeminente membro dessa cabala.
Como presidente do Federal Reserve Bank de Nova Iorque, Geithner ajudou a planear a intervenção do governo na AIG, com a ajuda de Paulson e do director executivo da Goldman Sachs, Lloyd Blankfein. Será apenas uma coincidência que a Goldman Sachs tenha recentemente recebido pagamentos da AIG de 12,9 mil milhões de dólares - ou melhor, dos contribuintes americanos, cujo dinheiro foi muito simplesmente passado através da AIG, a caminho dos grandes bancos dos EUA e da Europa?
Geithner está a ajudar os bancos a arrecadarem ainda mais dinheiro - agora sob a capa de uma administração "progressista". Isto não devia surpreender-nos. Afinal de contas, o conselheiro económico de Obama, Larry Summers, foi quem implementou, trabalhando primeiro no Tesouro, e depois, como Secretário do Tesouro de Bill Clinton, as regras de desregulação financeira que prepararam e possibilitaram a actual crise.
Hoje, Geithner diz-nos que o seu plano de salvação é o único caminho para restaurar a saúde do sistema financeiro. Ajudar Wall Street, passe o cliché, significa ajudar a Main Street (a economia "real") - mesmo que não exista nenhuma obrigação legal para os bancos, nos vários planos de salvação, de voltarem a conceder créditos.
"Aqui estamos, passados 6 meses, e continua a não existir praticamente nenhum crédito à economia real", escreve o anterior Secretário do Trabalho, Robert Reich. "O plano de salvação de Wall Street começa a parecer o mais dispendioso fiasco da história, à custa dos contribuintes. Para a administração Obama, o problema é que esse plano de salvação é no essencial o centro do programa de recuperação económica do presidente."
Se os bancos não emprestam é porque a sua primeira tendência é equilibrar as suas contas - o que inclui protegerem-se de potenciais perdas devidas a outros bancos, com os quais negoceiam. Esta relutância da banca em conceder crédito, por seu turno, empurra a economia "real" para fora do sistema financeiro.
Como resultado, companhias que ontem pareciam saudáveis e lucrativas caminham para a falência hoje, com a diminuição da procura, tanto por falta de investimento como pela quebra do poder de compra dos consumidores, que enfrentam dívidas e desemprego. Acrescente-se que a própria ordem económica mundial vacila, com o colapso do consumo nos EUA a repercutir-se nas economias dependentes das exportações para os EUA.
Uma administração verdadeiramente corajosa e progressista enfrentaria o problema directamente e nacionalizaria os bancos.
Isso permitiria ao governo livrar-se das administrações impossíveis de controlar e pagas pricipescamente, eliminar os títulos sem valor, e converter o sistema financeiro num sistema de utilidade pública. Retire-se da concessão de crédito a busca do maior lucro, e poder-se-á canalizar o investimento para as necessidades sociais urgentes.
Reconstruir escolas degradadas, substituir velhas infra-estruturas e investir na energia solar - todas estas promessas da administração Obama poderiam ser facilmente cumpridas nacionalizando o sistema bancário. Muito mais poderia ser conseguido em termos dos desesperadamente necessários programas de criação de emprego. E a tomada dos bancos pelo governo permitiria aos locatários renegociar as suas hipotecas a preços actuais, e permitir aos consumidores contrair empréstimos realistas, em vez de dependerem de cartões de crédito com taxas extorsivas.
Mas Geithner e o resto da equipa económica de Obama não têm qualquer intenção de contemplar estas propostas. Mesmo quando impérios financeiros em derrocada, como o Citigroup, dependem de facto da caridade do governo para sobreviverem, a administração de Obama faz todo o possível para preservar os bancos como entidades privadas, apesar das ajudas financeiras que deveriam entregar ao governo o seu controle. Foi o que levou ao escândalo dos bónus da AIG, que Geithner e outros membros do governo declararam ignorar.
Em lugar de ser o governo a tomar o controle dos bancos, parece estar a acontecer o contrário, afirmou Simon Johnson, antigo economista chefe do FMI. E disse-o no Bill Moyers Journal da PBS (Public Broadcasting System).
A situação com que nos confrontamos neste momento é semelhante às que vimos muitas vezes acontecer noutros lugares. Mas não pensamos em nós próprios como parte desses lugares. São mercados emergentes. São situações na Rússia, ou na Indonésia, ou na Tailândia, ou na Coreia.
Isso é-nos desconfortável. A América é diferente. A América é especial. A América é rica. E contudo vemos-nos a braços com o mesmo tipo de crise e de oligarquias.
A contradição entre a crescente intervenção do governo dos EUA nos bancos e o seu controle privado é tão grande que mesmo muitos conservadores se juntaram às vozes que reclamam a nacionalização. Até o anterior presidente da Reserva Federal, Alan Greenspan, um devoto do mercado ao estilo de Ayn Rand [teórica do neo-liberalismo na primeira metade do século XX], defende que os bancos deveriam ser nacionalizados.
Claro que a visão de Greenspan sobre a nacionalização dificilmente poderia ser uma visão de esquerda. O seu modelo é a AIG, em que o papel do governo se limita a garantir que os ricos accionistas serão inteiramente reembolsados à custa dos contribuintes. Se Greenspan levar a sua avante, os bancos nacionalizados poderiam depois ser reprivatizados, com as perdas a serem suportadas inteiramente pelos contribuintes.
Greenspan tem contudo razão numa coisa. A questão não é se os bancos devem ser nacionalizados, mas ao serviço de que interesses. O apelo da AFL-CIO [central sindical americana] pela nacionalização dos bancos, por exemplo, deixa esta questão sem resposta.
É por isso que é essencial para a esquerda tornar clara a sua visão da nacionalização - uma que vá ao encontro das necessidades urgentes dos trabalhadores, começando por aliviar as dívidas e financiar os programas de criação de emprego. E com a direita republicana clamando contra o "socialismo" de Obama, é tempo de fazer reviver a autêntica exigência socialista de que os bancos sejam colocados sob controle democrático e social.
Claro que os conservadores, para não falar da administração Obama, responderão que esta visão radical é utópica. Mas é uma estratégica económica bastante mais realista - e democrática - que entregar biliões de dólares de dinheiro dos contribuintes aos mesmos barões da finança que presidiram à pior crise económica desde os anos trinta.
Em última análise, decidir quem vai sair beneficiado com as políticas económicas da administração Obama não competirá às audiências no Congresso, ou aos gabinetes de Wall Street, mas resultará da luta. A ira contra os bónus da AIG é uma amostra do que está para vir. É por isso que é urgente para a esquerda e o movimento laboral organizarem-se e ripostar.
Fonte:Esquerda.net
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