Argemiro Ferreira
Alguém já o viu como um Zelig político da década de 1960. Richard N. Goodwin (na foto com John Kennedy) trabalhou para dois presidentes (JFK e Lyndon Johnson), tentou eleger mais três (Eugene McCarthy, Robert Kennedy e Edmund Muskie) e ajudou o vice Al Gore a dizer ao país que reconhecia a derrota (duvidosa) de 2000 e não prolongaria o impasse sobre um resultado que deixava os americanos em suspense.
Aos 77 anos de idade, casado há mais de 30 com a historiadora que o sucedeu como celebridade da família, Doris Kearns Goodwin (foto ao lado - e saiba mais AQUI sobre seu último livro, analisando o gênio político de Lincoln), ele sobreviveu ao fim de Camelot, com a morte dos dois Kennedys, com quem trabalhara intimamente - e mais tarde a de Jacqueline, de quem foi amigo próximo. Com o papel político reduzido, passou a escreveu mais - livros, ensaios, artigos. E tem contado o que viveu no poder e fora dele.
Em março e abril foi encenada na área de Boston, onde nasceu, peça que publicara em 1998 (originalmente sob o título The Hinge of the World, mas rebatizada em 2003, ao ser encenada na Inglaterra, como Two Men of Florence). Nela retomou o tema de Bertolt Brecht em Galileo Galilei no distante 1939, à sombra do nazismo e em contexto mais ideológico - dogmatismo e ciência, razão e obscurantismo, poder e arbítrio.
O caminho para a Casa Branca
Nos diálogos do físico e astrônomo Galileo com o papa Urbano VIII (que fora mentor dele quando era cardeal Francesco Barberini), Goodwin (foto acima, à direita) expôs de novo, graças à sua intimidade passada com o poder, o confronto entre a ciência e a fé (saiba mais sobre a peça AQUI). Sem nunca ter deixado de ser escritor (o talento para redigir discursos é que o aproximou de presidentes e candidatos), influiu ainda como diplomata no debate da política para a América Latina.
Dedicado no Departamento de Estado ao continente, Goodwin ajudou a criar a Aliança para o Progresso e foi em 1961 à conferência de Punta del Este, onde teve reunião secreta com “Che” Guevara. Seu memorando a Kennedy relatando o fato permaneceu secreto 22 anos (leia-o AQUI clicando no documento 1). E em 1988 ele contou a história em 20 páginas de Remembering America (saiba mais sobre o livro AQUI), no qual revelou, como “uma voz dos anos 1960”, que Guevara queria o diálogo entre Cuba e EUA.
Como Kennedy, Goodwin era de Brookline, Massachusetts. Mas os dois só foram apresentados - no apartamento de Kennedy em Boston - quando um já era senador e o outro concluia o 3° ano de Direito em Harvard. O senador sabia que Goodwin ia trabalhar na Suprema Corte com o juiz Feliz Frankfurter e pediu que o procurasse no Senado. “Foi meu primeiro contato com a política nacional”, escreveu no livro.
Goodwin optara pela advocacia “porque tinha de ganhar a vida”. Formou-se como primeiro de sua turma de 500 alunos - a de 1958. E como Barack Obama 30 anos mais tarde, tornou-se presidente da Harvard Law Review. Na capital iria deixar o juiz Frankfurter após ser escolhido, por sugestão de um professor de Harvard, para advogado-investigador da sub-comissão de Supervisão Legislativa da Câmara.quizshow
Os escândalos da TV e as tragédias
A comissão era temida desde que o poderoso chefe de gabinete do presidente Eisenhower, Sherman Adams, renunciara em consequência de uma investigação. Sua jurisdição abrangia todas as agências do governo. Como a Comissão Federal de Comunicações (FCC) era uma delas, Goodwin sugeriu uma investigação sobre o escândalo dos programas de prêmios da TV - como “Twenty-One” e “The $64,000 Question”.
O resto é História. Está contado num dos capítulos de Remembering America, transformado em 1994 por Robert Redford no filme Quiz Show (veja acima a capa do DVD e saiba mais AQUI), com Rob Morrow no papel de Goodwin. O desfecho do episódio permitiu mais um twist - para usar uma expressão de Hollywood. Colocou-o finalmente no rumo que há três anos esperava tomar, por insistência de Kennedy e seu influente assessor Ted Sorensen.
“Este é o momento. Você tem tido muita sorte. Até agora estava de fora mas ainda chega à bordo a tempo de participar da vitória”, disse Sorensen a Goodwin. A equipe de Camelot já estava quase totalmente formada, com a coleção daqueles que David Halberston chamaria no título de seu livro, The Best and the Brightest (Os melhores e mais brilhantes). Mas os triunfos políticos chegaram junto com tragédias.
Vieram a mudança de rumo (com a vitória eleitoral), a revolução dos direitos civis, os primeiros passos para a conquista do espaço. Mas também o fracasso desastroso da invasão de Cuba, as guerras de Kennedy (Berlim, Laos, Vietnã), os protestos antiguerra e os assassinatos do próprio Kennedy, do irmão Bob a caminho da indicação presidencial democrata (veja Goodwin acima, sentado, ao lado de RFK na campanha) e do líder negro Martin Luther King.
Johnson, da manipulação à paranóia
Houve opções difíceis. Goodwin foi dos poucos no círculo mais próximo de Kennedy a ficar e ajudar Johnson algum tempo. Contribuiu para o sucesso da lei de direito de voto dos negros do sul e para programas sociais como o Medicare e a Grande Sociedade - ambiciosa mas prejudicada pela guerra do Vietnã. Ao sair, foi fazer a campanha de McCarthy, que abandonaria ao se bandear para a de Bob Kennedy.
Em Remembering America elogiou o esforço do governo Kennedy pela justiça social e pela reforma agrária na América Latina. E atribuiu à ingenuidade do presidente no episódio da baía dos Porcos (onde esteve em 2001, no 40° aniversário da invasão) tanto o agravamento das relações com Cuba como o excesso de sigilo no governo, em meio às ações e atentados na obsessão de derrubar - ou matar - Fidel Castro.johnson_swearingin-w
O livro contou ainda como Johnson (na foto à direita ao prestar juramento no avião, entre Lady Bird e Jacqueline, após a tragédia de Dallas) o esperou para convidá-lo a trabalhar na Casa Branca: estava sentado na privada do banheiro do quarto e fez questão de vê-lo à sua frente, perto e de pé. Disse que gostava de ver os olhos das pessoas com quem falava. De outra vez, o secretário de imprensa Bill Moyers o chamou para nadar na piscina com Johnson. “Não tenho calção aqui”, respondeu. “Não vai precisar”, disse Moyers.
Os três estavam nus na piscina quando Goodwin soube do projeto ambicioso da Grande Sociedade de Johnson (o nome foi dado pelo assessor). As cenas insólitas do banheiro e da piscina refletiam a tendência de um presidente dado à manipulação - o que em parte Johnson, que às vezes parecia a Goodwin paranóico e fora da realidade, pode ter herdado de seu ídolo e protetor, Franklin Roosevelt.
Blog do Argemiro.
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