sábado, 11 de abril de 2009

ARGENTINA - O risco da restauração conservadora na Argentina.

Emir Sader

Documento do movimento Carta Aberta denuncia a contraofensiva da direita e revela seu apoio crítico ao governo de Cristina Kirchner:

“Percorre a Argentina a fanfarra de uma restauração conservadora, expressão de uma direita velha e nova.” Essa frase abre a quinta Carta Aberta – o nome que tomou o movimento sui generis que engloba a intelectuais peronistas de esquerda e marxistas, que se organizou na Argentina no transcurso da ofensiva direitista do ano passado – que se prolonga até hoje – contra o governo de Cristina Kirchner. O documento foi apresentado na Livraria Gandhi da Avenida Corrientes, em março último, com a presença de algumas centenas dos tantos membros que compõem o movimento, incluídos alguns dos mais importantes intelectuais argentinos da atualidade.

Com uma posição de apoio critico ao governo – com matizes distintos entre a dimensão da crítica e a do apoio, dentro de um movimento pluralista e inédito em uma esquerda marcada menos pela unidade do que pela divisão – Carta Aberta foi caracterizada pela principal revista de direita como a “fábrica de idéias do governo”, tentando reduzir o movimento a ser um conselho de esquerda do governo.

Alguns setores da super fragmentada esquerda argentina apóiam o movimento liderado pelos grandes produtores de soja, contra a elevação de impostos à exportação, porque a federação dos pequenos proprietários rurais – que faz parte da CTA, Central dos Trabalhadores Argentinos, a Central de esquerda, que por isso ficou dividida – aderiu à ofensiva direitista contra o governo. Outros, com posições típicas da ultra-esquerda, alegaram que se tratava de contradições inter-burguesas, que não havia que se meter, felizes do desgaste do governo, apesar do característico caráter gorila da reorganização da direita, que contou com a classe média branca portenha como seu aliado urbano combativo.

“Eles realizam seus rápidos cálculos de reposição da velha ordem. Alegam pureza institucional, mas se abstiveram de demonstrá-la cada vez que tiveram que atuar em tarefas de responsabilidade. Esgrimem que foram superados os limites toleráveis em matéria de segurança, mas em vez de pensar os abismos sociais que só podem ser remediados com políticas democráticas e com o desafio ainda pendente de uma nova distribuição de renda, expandem um medo difuso preparando futuras agencias e formas regressivas de controle da população...”

“O governo se acha no meio de uma tormenta social e política – local e internacional – acerca da qual, tanto como não se pode aceitar que ele a tenha provocado no que ela tem de incerta, tampouco é possível deixar de ver em suas medidas mais atrevidas a origem dos graves ataques que recebe como resposta e deve enfrentar...”

“O ciclo aberto em 2003, não sem titubear, produziu uma diferença com as formas de governabilidade anteriores, diferença surgida da leitura dos acontecimentos, quando o protagonismo popular sancionou o fim daquelas formas...” “Se conhecem também suas deficiências. Existe um contraste entre ações inovadoras em campos sensíveis da vida social e apoios que arrastam estilos rígidos, não decididamente democráticos, de organização política. Nos referimos a uma escassa renovação nos apoios oficiais do governo, quando não a um horizonte cinzento de conveniências setoriais...”

A própria ofensiva direitista ganhou a amplitude que ainda tem, porque o governo definiu impostos similares para todos os setores do campo, sem diferenciar entre grandes, médios e pequenos proprietários, facilitando a unidade destes sobre a direção do grane capital do agronegócio. Quando o governo começou a fazer essas diferenças, o bloco agrário já estava consolidado, com o apoio generalizado da grande mídia privada.

“Mas reconhecer as dificuldades não implica baixar os braços. As conseqüências de um triunfo conservador podem ser graves, mas este documento quer ser de esperança e de reagrupamento na vida...” “Questões vitais como o modelo energético, o regime de entidades financeiras, o transporte ferroviário e fluvial, a exploração mineira requerem formas de desenvolvimento viáveis que não aceitem fáceis composições com empresas transnacionais, que não tem hipóteses de preservação ambiental, nem se compõem com um modelo econômico nacional autônomo. É preciso atuar com critérios eficazes para criar opções econômicas democráticas, em que um pragmatismo imediatista não substitua um projeto mais profundo de economia distributiva, protecionismo democrático, urbanismo integrador e inclusivo e ordenamentos normativos que impeçam a rapinagem dos recursos. Isto requeriria instituições estatais com capacidade de realizar políticas públicas, com chegada efetiva a todo o território nacional. Mas também sabemos que, se entre os méritos do ciclo aberto em 2003 está em restituir a importância do Estado, é claro também que o realmente existente não está à altura dessa relevância.”

“Por tudo isto, chamamos a exercer o direito de crítica autônoma dentro do grande campo de apoio aos aspectos realizativos que encarnaram o governo nacional. O momento requer isso.

O jornal Página 12, o único que destoa na imprensa privada, publicou a íntegra do texto. As forças políticas se preparam para as eleições parlamentares de outubro, quando a direita acredita que possa conquistar maioria, o governo prepara suas listas e a esquerda – ainda fortemente dividida – tem o desafio de se recompor, barrar a ofensiva da direita e projetar um perfil da esquerda diante da crise desatada pela direita, na busca de uma nova restauração conservadora – não bastasse já a de Carlos Menem, cujos efeitos negativos o país paga até hoje.

Postado por Emir Sader

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