Revista Fórum.
José Serra, um pote até aqui de mágoas.
Quando o candidato derrotado agradeceu aos "milhões de militantes que lutaram nas ruas e na internet por um Brasil soberano, democrático e que seja propriedade do seu povo", lembrou de uma de suas principais frentes de batalha onde se deu o jogo mais sujo da campanha, o espaço virtual.
Por Glauco Faria
Logo após o discurso vencedor de Dilma Rousseff, o candidato derrotado José Serra falou. De forma bem distinta de como foi tratada a fala da candidata petista após a confirmação de que haveria um segundo turno, não ouvi nenhum veículo da mídia comercial dizendo se tratar de um "discurso de derrotado" ou realçar o óbvio: que o abatimento era a tônica do tucano e de toda sua entourage.
Mas há que se destacar o discurso em si. Tirando a parte do reconhecimento do insucesso e do desejo que a adversária faça um bom governo, algo que é de praxe, alguns trechos merecem ser lidos com mais atenção, como esse:
Nesses meses duríssimos, onde enfrentamos forças terríveis, vocês alcançaram uma vitória estratégica no Brasil. Cavaram uma grande trincheira, construíram uma fortaleza, consolidaram um campo político de defesa da liberdade e da democracia do Brasil.
Os grifos são meus, mas a utilização dos termos mostra o que foi essa eleição para José Serra: uma guerra. E se no processo de privatizações os tucanos chegaram ao "limite da irresponsabilidade", nessa campanha o limite foi superado. Quando o candidato derrotado agradeceu aos "milhões de militantes que lutaram nas ruas e na internet por um Brasil soberano, democrático e que seja propriedade do seu povo", lembrou de uma de suas principais frentes de batalha onde se deu o jogo mais sujo, o espaço virtual.
É impossível comparar a quantidade de boatos e ataques feitos a Dilma na rede em relação ao que foi feito contra Serra. Provavelmente nenhum brasileiro que tenha e-mail deixou de receber ao menos uma mensagem falsa sobre a petista. Tanto foi assim que muitos atribuem a essa boataria, que ganhou também as ruas em panfletos apócrifos que reproduziam os mesmos argumentos, a realização de um segundo turno.
O bunker serrista foi a internet, rebaixando o debate político a um nível rasteiro e abrindo a caixa de Pandora dos preconceitos. Esse clima permitiu que os exemplos mais aberrantes de discriminação fossem veiculados na rede, como se opiniões normais fossem. Aqui, algumas amostras de como muitos se sentiram à vontade para destilar publicamente sua torpeza. Com a opção de uma campanha que equivalia a uma guerra, o subterrâneo veio à tona, como em qualquer confronto militar.
A continuação da guerra e o papel de Alckmin
Mas Serra também disse que "a luta continua", tomando emprestado um dos chavões celebrizados por parte da esquerda. E tudo indica que vai continuar sim, e principalmente pela internet. O entendimento da oposição é que, se Lula se tornou um presidente quase inatacável, isso ocorreu muito por culpa da posição leniente do bloco oposicionista. Por essa análise, Dilma, que não tem a mesma eloquência e carisma do presidente (aliás, nenhum político no Brasil tem), estaria mais sujeita aos ataques, boa parte deles desenvolvidos ainda no subterrâneo. Um fenômeno similar ao que aconteceu nos EUA após a derrota republicana para Obama, quando houve o recrudescimento de uma parte da direita mais raivosa e radical, personificada no Tea Party, que vai conquistando aos poucos espaço no sistema bipartidário estadunidense.
No Brasil, foi Serra que encampou e assimilou essa direita. Mas ela continuaria junto ao PSDB? O DEM, que pelas suas raízes históricas poderia representar com mais perfeição esse agrupamento, vai enfrentar o desafio de permanecer vivo sem ser assimilado, parte pela agremiação tucana, parte pelo PMDB como já negocia o prefeito paulistano Gilberto Kassab. Índio da Costa encarna bem esse perfil, mas sua habilidade e competência política são claramente limitadas. Provavelmente as eleições municipais de 2012 já serão um balão de ensaio das possibilidades desse grupo político mais radical.
Outro ponto evidente foi o ressentimento do presidenciável tucano em relação àqueles que não deram o apoio que o presidenciável achou devido. Os dois abraços dados ao governador eleito de São Paulo Geraldo Alckmin são um recado para Aécio Neves. Disse Serra: “Ao lado desses 43,6 milhões de votos, nós recebemos, também, votos que elegeram dez governadores que nos apoiaram. Dos quais, um está presente. Um companheiro de muitas jornadas, Geraldo Alckmin. Ele se empenhou na minha eleição, mais do que se empenhou na dele.” O senador eleito por Minas, saudado como possível “herói da virada” pela Veja, não esteve nem perto de vestir o figurino dado pela publicação da Abril por vários motivos. O primeiro e mais óbvio é que seu futuro político dependia da derrota de Serra. Mas também há outros. Aécio é popular em Minas, conseguiu eleger seu sucessor no governo do estado, mas para entrar de fato na briga contra Dilma precisaria enfrentar a popularidade de Lula, a figura de José Alencar e uma candidata que era natural do estado. Todo o risco e as possíveis perdas que esse enfrentamento teriam não valiam o empenho do neto de Tancredo.
Já Alckmin quis passar, a seus eleitores paulistas e também ao próprio PSDB, uma postura de lealdade ao projeto do partido. Cristianizado pelo próprio Serra, que apoiou o democrata Gilberto Kassab nas eleições municipais de 2008, ficou fora do segundo turno da eleição paulistana, mas engoliu o rancor. Negociou sua candidatura a governador ao aceitar ser secretário de Serra e foi um dos raros candidatos tucanos a atacar o governo Lula no primeiro turno.
A campanha do governador eleito de São Paulo, aliás, contrariou alguns dogmas de marqueteiros, como o que diz que líderes em pesquisa não atacam adversários. Durante quase toda a campanha ele alvejou o petista Mercadante e explorou o sentimento anti-Lula que é maior no estado do que no resto do Brasil. Assim, animou os tucanos locais e garantiu a vitória - por pequena margem - no primeiro turno. Seu posicionamento garante, por enquanto, um PSDB paulista unido para 2014 e assegura que a vida de Aécio não será fácil para ser o presidenciável tucano nas próximas eleições. Alckmin é candidatíssimo, que ninguém se iluda, e o moribundo DEM esfrega as mãos, já que tem Afif como vice-governador.
Derrotado, Serra deve apostar na internet e em sua influência na velha mídia para se manter no cenário político como um dos líderes da oposição. E uma candidatura à prefeitura de São Paulo em 2012 pode estar nos planos, já que uma nova candidatura a presidente á algo virtualmente impossível. Mas o que por enquanto é certo é o legado deixado por ele após o fim dessa campanha. O empobrecimento do debate político e a apologia de um moralismo tacanho, cujo principal combustível é o preconceito.
Fonte: Revista Fórum
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